Esta terceira proposição é tão segura como as duas primeiras, ao abri¬go de todo o equívoco e contradição, e altamente comprovada pela histó¬ria. Na luta eterna dos dois princípios, a Revolução francesa, como a Re¬forma aparece como uma era diacrítica. Ela marca o momento em que, na ordem política, a Liberdade oficialmente tinha ultrapassado a Autori¬dade, da mesma forma que a Reforma tinha marcado o instante em que, na ordem religiosa, o livre exame tinha tomado ascendente sobre a fé. Desde Lutero, a crença tinha¬ se tornado por todo o lado racional; a ortodoxia, tanto como a heresia, pretendeu conduzir pela razão o homem à fé, o preceito de S. Paulo, Rationabile sit obseqium vestrums), «que a vossa obediência seja racional», foi bastante comentada e posta em prática; Roma pôs¬ se a discutir como Genebra, a religião tendeu a fazer¬ se ciência, a submissão à Igreja rodeou¬ se de tantas condições e reservas que, salvo a diferença dos artigos de fé, não havia diferença entre o crente e o incrédulo. Não têm a mesma opinião, eis tudo: de resto, pensamento, razão, consciência comportam¬ se do mesmo modo nos dois. Identica¬mente, desde a Revolução francesa, o respeito pela autoridade enfraque¬ceu; a deferência para com as ordens do príncipe torna¬ se condicional; exigiu¬ se do soberano reciprocidades, garantias; o temperamento político mudou; os adeptos do rei mais fervorosos, como os barões de João Sem¬ Terra, quise¬ram ter alvarás, e os Srs. Berryer, Falloux, Montalembert, etc., podem chamar¬ se tão liberais como os nossos democratas. Château-briand, o bardo da Restauração, gabava¬ se de ser filósofo e republicano; era por um acto puro do seu livre arbítrio que ele se tinha constituído o defensor do altar e do trono. Conhecemos no que se tornou o catolicismo violento de Lamennais.
Assim, ao passo que a autoridade vacila, de dia para dia mais precária, o direito afirma¬ se, e a liberdade, sempre suspeita, torna¬ se no entanto mais real e mais forte. O absolutismo resiste o mais que pode, mas cede; parece que a REPÚBLICA, sempre combatida, desprezada, atraiçoada, banida, se aproxima todos os dias. Que vantagem vamos nós tirar deste facto capital para a constituição do governo?t)
s)Em latim, no original. (N.T.)
t)Dificilmente poderia ter-se apresentado um quadro mais sucinto e completo das cau¬sas que até aqui produziram as revoluções dos povos. O antagonismo radical da auto¬ridade e da liberdade, as suas incessantes lutas, as suas indispensáveis transacções vêm por fim a ruir os interesses opostos das diversas classes sociais que deram ori¬gem à organização da propriedade e do trabalho. Combinadas umas causas com ou¬tras, não sem cessar levam a Humanidade de sistema em sistema e de forma de go¬verno em forma de governo sem a deixar descansar em nenhuma, antes conduzi-la em passo rápido ao cepticismo, à corrupção, à ruptura, à morte. Há evidentemente uma absoluta necessidade de sair deste terreno lodoso e movediço, onde consumimos as nossas forças em lutas estéreis. Que futuro nos espera em que não podemos deixar de sentir tremer o chão debaixo dos pés? Proudhon vai enunciar a resposta: ao con¬trato federal, à descentralização, restabelecimento das antigas regiões, a libertá-las, não sujeitas como hoje a um poder central que as estrangule, mas tão somente subor¬dinadas a um centro federal, que as proteja. (N.T.)
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