segunda-feira, julho 05, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

De acordo com estes princípios, tendo o contrato de federação por objecto, em termos gerais, garantir aos Estados confederados a sua soberania, o seu território, a liberdade dos seus cidadãos; regular os seus diferendos; prover, através de medidas gerais, a tudo o que interesse à segurança e à prosperidade comum; este contrato, dizia eu, apesar da grandeza dos interesses em jogo, é essencialmente restrito. A Autoridade encarregada da sua execução não pode nunca retirᬠla aos seus consti¬tuintes; quero dizer que as atribuições federais nunca podem exceder em número e em reali¬dade as das autoridades comunais ou provinciais, do mesmo modo que estas não podem exceder os direitos e prerrogativas do homem e do cida¬dão. Se fosse de outro modo, a comuna seria uma co¬munidade; a federa¬ção tornar- se¬ ia uma centralização monárquica; a autoridade federal, de simples mandatária e função subordinada que deve ser, seria olhada como preponderante; em lugar de ser limitada a um ser¬viço especial, ela tenderia a abarcar toda a actividade e toda a iniciativa; os Estados confederados seriam convertidos em prefeituras, intendências, sucursais ou directorias. O corpo político, assim transformado, poderia chamar¬ se república, democracia ou tudo o que vos apetecer: não seria mais um Estado consti¬tuído na plenitude das suas autonomias, não seria mais uma confederação. A mesma coisa se passaria, com mais razão ainda, se, por um falso motivo de economia, por deferência ou qualquer outra causa, as comunas, cantões ou Estados confederados encarregassem um deles da administração ou governo dos outros. A república, de federa¬tiva, tornar¬ se¬ ia unitária; estaria no caminho do despotismo .
Em resumo, o sistema federativo é o oposto da hierarquia ou centrali¬zação administrativa e governamental a qual distingue, ex aequou), as democracias imperiais, as monarquias constitucionais e as repúblicas uni¬tárias. A sua lei fundamental, característica, é esta: Na federação, os atibu¬tos da autoridade central especializam¬se e restringem¬se, diminuem de número, de intermediários, e se ouso assim dizer, de intensidade, na me¬dida em que a Confederação se desenvolve pela acessão de novos Estados. Nos governos centralizados, ao contrário, os atributos do poder supremo aumentam, estendem¬se e imediatizam¬se, colocando na competência do príncipe os assuntos das províncias, comunas, corpora¬ções e particulares, na relação directa da superfície territorial e do número da população. Daí essa sobrecarga sob a qual desaparece toda a liberdade, não só comunal e provincial, mas mesmo individual e nacional.
Uma consequência deste facto, pela qual terminarei este capítulo, é que, sendo o sistema unitário o inverso do sistema federativo, uma confederação entre grandes monarquias, e com mais razão entre democracias imperiais, é algo impossível. Estados como a França, a Áustria, a Inglaterra, a Rússia, a Prússia, podem fazer entre eles tratados de aliança ou de comércio; é inconcebível que se federalizem, em primeiro lugar, porque o seu princípio a isso é contrário, e os poria em oposição com o pacto federal; que consequentemente lhes seria necessário abandonar algo da sua soberania, e reconhecer sobre eles, pelo menos para certos casos, um árbitro.

21) A Confederação helvética compõe-se de vinte e cinco Estados soberanos (dezanove cantões e seis meio-cantões) para uma população de dois milhões e quatrocentos mil habitantes. Ela é assim regida por vinte e cinco constituições, análogas às nossas car¬tas ou constituições de 1791, 1793, 1795, 1799, 1814, 1830, 1848, 1852, mais uma constituição federal, da qual naturalmente nós não possuímos, em França, o equivalente equiva¬lente. O espírito dessa constituição, conforme aos princípios acima citados, resulta dos artigos seguintes:
«Art. 2.- A confederação tem por fim assegurar a independência da pátria contra o estrangeiro, manter a tranquilidade e a ordem no interior, proteger a liberdade e os direitos dos confederados, e aumentar a sua prosperidade comum.
«Art. 3.- Os cantões são soberanos na medida em que a sua soberania não seja limi¬tada pela soberania federal, e, como tal, eles exercem todos os direitos que não são delegados ao poder federal.
«Art. 5.- A confederação garante aos cantões o seu território, a sua soberania nos limites fixados pelo art. 3, as suas constituições, a liberdade e os direitos do povo, os direitos constitucionais dos cidadãos, assim como os direitos e as atribuições que o povo conferiu às autoridades.»
Assim uma confederação não é precisamente um Estado: é um grupo de Estados so¬be-ranos e independentes, unidos por um pacto de garantia mútua. Uma consti¬tuição federal também não é o que se entende em França por carta ou constituição, e que é o resumo do direito público do país: é o pacto que contém as condições da liga, quer dizer os direitos e obrigações recíprocas dos Estados. O que se chama Autori¬dade federal, finalmente, não é mais um governo, é uma agência criada pelos Estados para a execução em comum de certos serviços de que cada Estado se desapossa, e que se tornam assim atribuições federais.
Na Suíça, a Autoridade federal é composta por uma Assembleia deliberativa, eleita pelo povo dos vinte e dois cantões, e de um Conselho executivo composto por sete membros nomeados pela Assembleia. Os membros da Assembleia e do Conselho fe¬de¬ral são nomeados por três anos: a constituição federal podendo ser revista a qual¬quer momento, as suas atribuições são, como as suas pessoas, revogáveis. De modo que o Poder federal é, em toda a acepção da palavra, um mandatário colocado sob a mão dos seus comandatários, e cujo poder varia conforme a sua vontade.
u)Em latim, no original. Em igualdade de circunstâncias. (N.T.)

Sem comentários: