sábado, agosto 28, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

CAPÍTULO II

O Siècle. – Alucinações Unitárias do Sr. Delort

Vamos, Sr. Taxile Delort, falai primeiro. Fazei a vossa confissão, se, o que não quero conjecturar, tendes alguma coisa a confessar. Vós ouvistes a acusação do Sr. Pelletan; conheceis os rumores que correm, e acabei de vos dizer em que condições, se os factos alegados são verdade, podeis torná¬los inocentes. Chamastes¬me, a propósito de uma brochura sobre a unidade italiana, Janicotb). Janicot, na vossa opinião, não é sem dúvida grande coisa: no entanto não vos devolverei injúria por injúria, e abster¬me¬ei de vos tratar como vendido. Contento¬me em dirigir¬vos esta simples pergunta: Sois, sim ou não, condecorado de São Maurício e de São Lázaro? Se não o sois, são¬no o Sr. Edmond Texier, ou o Sr. da Bédollière, ou o Sr. Léon Plée, ou o Sr. Havin? São¬no todos, ou não há ninguém? Não vos falo de subvenção: é uma suspeita com que não quero carregar quem quer que seja. Falai então, e francamente. Éreis em 1848, se me recordo, republicano, socialista mesmo, e um pouco meu colaborador no Peuple. Em primeiro lugar, que fazeis no Siècle? Desde sempre fostes olhado como um modelo de integridade e de puritanismo; e fizeste¬lo ver, mostrando aos leitores do Siècle, em benefício do Piemonte e à minha custa, como eu não sou senão um Janicot. Pois bem, cidadão Delort, condecorado ou não condecorado, vou fazer¬vos ver que o amor da unidade não age somente sobre a consciência do jornalista, que afecta também o entendimento, e que no que vos diz respeito, pelo menos vos imobilizou o espírito.
Contra a minha opinião federalista, opinião que não data de ontem, o Sr. Delort julgou poder citar como minhas palavras de que lhe ficaria muito agradecido que me indicasse a fonte, pois tenho a infelicidade de nunca me reler, e o que melhor esqueço são os meus próprios livros:
É preciso que a REPÚBLICA diga ao Austríaco: Quero que tu saias da Itália, e o Austríaco sairá; ela dirá ao Cita c): «Quero que tu deixes a minha Polónia querida» e o Cita retomará a estrada do deserto.
ɬme impossível adivinhar hoje o que o tom desta passagem poderia significar na obra de onde foi extraída. Mas que relação existe entre essa exortação da REPÚBLICA ao Austríaco e ao Cita, e a unidade italiana? Digo que a República, só a República, compreendeis, e para mais uma República federal, poderia devolver a liberdade aos Italianos e aos Polacos; e o Sr. Taxile Delort, antigo republicano, tira daí um argumento a favor da monarquia de Vítor- Emanuel! Estes pobres piemonteses! Eles não sabem sequer compreender o que citam: quando se lhes diz República ou Federação, eles compreendem unidade e reino.
Outra citação do Sr. Delort, sempre sem indicação da obra:
A insurreição das nacionalidades italiana, húngara, polaca, croata que é senão a negação desse grande feudalismo das nações, criado fora de todo o direito e de toda a lei pela Santa Aliança?
Seguramente nego a grande feudalidade das nações, tanto o da idade média como o do presente século; nego o feudalismo nobiliário e a feudali¬dade industrial; nego a feudalidade dos Estados, e porquê? Sem dúvida porque sou federalista. Para que serve então relembrar- me essa frase? Será que a nego, e podereis dizer-me para que vos serve ela? Mas vós que fazeis a nacionalidade sinónimo de UNIDADE, e que pela unidade voltais com tanta precisão, embora republicano, à MONARQUIA, que fazeis senão reformar essa grande feudalidade cuja condição elementar éa uni¬dade e a fórmula superior a Santa Aliança?
Não é o mesmo Proudhon, prossegue o Sr. Delort, que escrevia na mesma época: – A Revolução na Europa é idêntica e universal; a contra¬revolução é igualmente idêntica e universal. Todas as questões que se debatem neste momento em França, na Hungria, em Roma, e em toda a Alemanha, são no fundo a mesma questão. A sua solidariedade, a sua identidade é evidente: toda a gente o sente, o vê, o proclama.
Ah! não penso de outra forma hoje em dia. Estou perfeitamente convencido, por exemplo, que a questão polaca não pode resolver¬se de forma diferente da questão italiana, quer dizer pela federação, e foi por isso que me opus radicalmente ao que se chama hoje restauração da Polónia, e que não é outra senão a reconstituição de uma grande unidade política em proveito de uma aristocracia latifundiária justamente condenada pela história. Mas, uma vez mais, o que é que o cliente do Siècle, o rei homem galante, pode ter a ganhar com isso?
O Sr. Delort cita sem cessar, interpidamente:
Adepto ardente do princípio das nacionalidades em 1849, o Sr. Proudhon mostrava¬se o adversário obstinado da Santa Sé: pedia o estabelecimento imediato da REPÚBLICA cristã, cujo centro já não seria mais em Roma, mas, como queria o Imperador, em Paris.

b) Palavra intraduzível, porque inexistente na língua francesa. Talvez tenha relação com Janot que era uma figura cómica no século XVIII. (N.T.)
c) Citas – Povo de origem ariana, de língua indo-europeia, que, procedente da Ásia Central, no decurso do 1º milénio a.c., invadiu o sul da Rússia e diversos países do Próximo Oriente. (N.T.).

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