'O Capital': O capital é uma coisa humana
Título: 'O Capital'
Realização: Costa-Gavras
É verdade que a mistura de parábola moral com o gosto de espectáculo dos primeiros filmes de Costa-Gavras - a começar pelo célebre Z (1969), sobre a ditadura dos coronéis gregos -, fez que a energia do seu trabalho nem sempre tivesse o reconhecimento que merecia. A responsabilidade dessa "marginalização" pertence, em parte, à minha geração, mais mobilizada pela noção de que a política no cinema começa, não na escolha dos "temas", mas nos desafios específicos da linguagem cinematográfica.
Em boa verdade, não creio que qualquer um de nós, pessoas e gerações, tenha mudado de forma muito significativa. Ou melhor, como o próprio Costa-Gavras sublinha, foi o mundo que mudou. E de forma brutal. Daí que um filme como O Capital, feito agora, no contexto da dolorosa ressaca da crise financeira internacional de 2008, surja como a estimulante exceção daquilo que já foi uma regra. Estamos perante um cineasta que, fiel a si próprio e sem preconceitos, se situa no domínio do thriller, não para fabricar uma disparatada acumulação de "efeitos especiais", antes para partilhar com o espectador o seu ceticismo face à tragédia mais evidente da nossa atualidade: o poder devastador do dinheiro.
Daí a estranha e sedutora envolvência de O Capital: por um lado, desde os ratingsaos "capitais de risco", descobrimo-nos no território consagrado pela terrível monotonia dos noticiários que nos massacram com os sinais da "crise"; por outro lado, compreendemos que o dia a dia não se faz da omnipresença de "mercados" abstratos, mas da ação de pessoas muito concretas. E isso, hoje em dia, na informação televisiva como nas práticas cinematográficas, é um valor a reter. A saber: a dimensão humana de cada facto (incluindo a vertiginosa circulação do dinheiro).