sexta-feira, abril 25, 2014

O MITO DO 25 DE ABRIL VINTE ANOS DEPOIS (NESTE CASO, QUARENTA ANOS DEPOIS)

Este texto foi escrito há vinte anos atrás sobre o 25 de Abril. Hoje, não há palavra alguma a acrescentar a esse texto. Por isso o (re)publico tal e qual como está!


            Euforicamente desde o início do ano, por parte da classe política coadjuvada pelos meios de comunicação social de dimensão nacional à evocação, quiçá, sublime, por parte de quem materialmente lucrou com a Revolução, aos vinte anos do 25 de abril. Façamos nós também, aqui e agora, um balanço daquilo que foi, paradoxalmente falando, a revolução feita com cravos.
            O golpe militar de à vinte anos, porque foi disso que se tratou, foi desejado por diferentes sectores políticos e pela burguesia ansiosa pela integração do país no capitalismo ocidental. Apesar de tudo o que se seguiu, o golpe teve origem no descontentamento dos capitães do exército por razões de salários, de promoções e pela situação já insustentável da greve colonial.
            Na manhã do 25 de Abril, os militares avisaram a população para ficar em casa a aguardar os acontecimentos. Porém a população, sai espontaneamente para a rua e manifesta-se contra o regime derrubado. A Pide foi desmantelada, os seus elementos presos e foram soltos os presos políticos. Estes foram, sem dúvida, os momentos mais importantes em termos efectivos de mudança social, juntamente com a ocupação de terras e de fábricas, uma parte delas abandonadas pelos capitalistas que entretanto tinham fugido do país financeiramente acompanhados. Estas mudanças foram curtas no tempo tendo em conta que os responsáveis políticos juntamente com os pides nunca foram julgados e foram libertos pouco tempo depois, do mesmo modo que o movimento espontâneo nas fábricas e no mundo rural foi de curta duração, a partir do momento em que foi enquadrado  pelo Partido Comunista. Posteriormente os capitalistas voltaram, recuperaram as terras e as fábricas e a sua vingança faz-se ainda hoje sentir...
            Vinte anos volvidos e tentando ser sociológica e históricamente objectivos, o que é que cada um e todos nós - estamos a falar do cidadão comum - ganhamos, em todos os sentidos da palavra, com a queda do "ancien régime"? Em todas as respostas possíveis a palavra liberdade, duma ou doutra maneira, estará presente. Mas dizer só isto é confundir toda a realidade social, pois esta liberdade é unicamente no plano político. Social e economicamente continuamos tão dependentes como antes...
            Relembramos a este propósito um texto de Proudhon: "Sob o ponto de vista bárbaro, liberdade é sinónimo de isolamento; é-se tanto mais livre quanto menos a acção for limitada pela acção dos outros... Sob o ponto de vista social, liberdade e solidariedade são termos idênticos: encontrando a liberdade de cada um na liberdade de outrém, não um limite... mas um auxiliar, o homem mais livre é aquele que tiver mais relações com os seus semelhantes."
            Se fizermos um apanhado dos grandes problemas actuais da sociedade portuguesa, vemos bem como fede, como tresanda a pus, derivado do cancro social que é o capitalismo selvagem, grande vencedor do 25 de Abril: desemprego, inflacção, concorrência desenfreada, sistema de saúde nas lonas, previdência social a dar o berro, corrupção política e económica, miragem europeia, proliferação de igrejas e profetas, falência da agricultura, a coesão social que conduz ao aumento da taxa de suicídio, crimes, delinquência juvenil e ao maior número de desamparados e pedintes.
            Escusado será continuar nesta enumeração. Daí que tenhamos de concluir que as iniciativas de "solidariedade social" que por aí abundam, por bem intencionadas que uma pequena parte delas seja, não pode deixar de revoltar as nossas consciências de libertários, mesmo que não nos consideremos como tal. "Só serei verdadeiramente livre - já dizia Bakunine - quando todos os seres humanos que me cercam, homens e mulheres, forem igualmente livres... de modo que quanto mais numerosos forem os homens livres que me rodeiam e quanto mais profunda e maior for a sua liberdade, mais profunda e maior será a minha liberdade... eu só posso considerar-me completamente livre quando a minha liberdade ou, o que é a mesma coisa quando a minha dignidade de homem, o meu direito humano... reflectidos pela consciência igualmente livre de todos, me forem confirmados pelo assentimento de toda a gente. A minha liberdade pessoal, assim confirmada pela liberdade de todos, estende-se até ao infinito."