Este Governo, claro. Durante os primeiros cinco meses do
ano, o Governo, que é pobre, cobrou um imposto especial e extraordinário
incidindo exclusivamente sobre as grandes fortunas, portanto, sobre os
trabalhadores da função pública que recebem mais de 675 euros por mês. Como se
esperava, e seguindo jurisprudência firmada, o Tribunal Constitucional (TC)
declarou este imposto inconstitucional e determinou a cessação da sua cobrança.
Lamentavelmente, permitiu que o Governo retivesse os montantes entretanto ilegitimamente
cobrados.
Acabou por ser um benefício ao infractor, tão mais perigoso
quanto estimula o Governo, sabendo que conta com a prestimosa cooperação
institucional do Presidente da República, a repetir a habilidade no próximo
ano. As razões para tal benesse são difíceis de explicar em texto curto, mas
têm a ver com protecção da confiança (neste caso do Governo) na cobrança do
imposto extraordinário que o TC admitiu que pudesse vigorar durante o chamado
programa de ajustamento e também com a dificuldade técnica em definir o limite
preciso a partir do qual um acréscimo àquele imposto é considerado
inconstitucional.
Porém, este Governo, que é pobre, é também mal agradecido e,
por isso, não lhe ocorreu melhor que pretender suscitar um inadmissível
incidente de aclaração exactamente sobre o benefício que o TC lhe concedera.
Não percebem com exactidão, dizem, as consequências jurídicas da decisão do TC.
Mas o que o TC disse, de forma clara e inequívoca, foi: a partir de 30 de Maio
o Governo deixa de poder cobrar este imposto. Ora, recorrendo à linguagem tão
cara aos fanáticos de mais e mais impostos (mas só sobre alguns): qual é a
parte do a partir de 30 de Maio que não percebem? Não sabem qual é o exacto
montante cobrado ilegitimamente que podem reter? Bom, mas aí, se não sabem, estudassem.
O que é que o TC tem a ver com isso?
Na realidade, o pedido de aclaração não faz qualquer sentido
nem teria, mesmo se fosse bem sucedido, a mínima consequência prática. Da parte
do Governo, no fim de contas, é business as usual. Tudo isto
acontece apenas porque está a celebrar-se a já ritual semana de luta que se
segue a qualquer decisão de inconstitucionalidade, desta vez apenas amplificada
pelo facto de, no calendário deste ano, esta semana coincidir com a campanha,
também já inaugurada, de pressão sobre a próxima decisão do Tribunal
Constitucional.
Este Governo não respeita o TC. Cumpre as suas decisões,
pudera, porque é obrigado. Mas ignora e atropela, sistematicamente, todas as
indicações do TC. Em 2011, o TC disse que só excepcionalmente admitia o
referido imposto especial e extraordinário sobre funcionários e pensionistas,
mas, logo em 2012, o Governo tentou fazer acrescer-lhe outro imposto
equivalente a dois salários (conseguiu-o, na prática, mas o TC reafirmou a
inconstitucionalidade, advertindo que não havia lugar para mais impostos só
sobre alguns). Porém, chega o Orçamento de 2013 e, com ele, outra tentativa de
novo imposto, desta vez equivalente a um salário, e mais uma esperada decisão
de inconstitucionalidade. Será que o Governo se conformou finalmente à
legalidade? Qual quê! Logo em 2014, novo e ainda mais grave imposto,
precisamente este que foi agora considerado inconstitucional. E é, então, este
mesmo Governo que agora quer conhecer exactamente o montante que pode reter
para, diz, não incorrer em eventual ilegalidade. Digam-nos, por favor, o que a
lei impõe. Correr o risco de cometer uma ilegalidade, credo… É bonito, é mesmo
comovente, há que reconhecer.
Pode ser pobre e mal-agradecido, mas, o seu a seu dono, tem
uma lata incomensurável.