sábado, janeiro 24, 2015

O pão nosso de cada dia

Um jovem de 17 amos que sofre de cancro há uma década perdeu recentemente a isenção total de pagamento de taxas moderadoras no Serviço Nacional de Saúde (SNS) porque os 41 euros em juros do dinheiro angariado em campanhas de solidariedade para tratamentos no estrangeiro entraram no cálculo de rendimentos do seu agregado familiar e fizeram-no ultrapassar os 628,28 euros mensais, valor a partir do qual os cidadãos deixam de estar abrangidos pela isenção por insuficiência económica. Para voltar a ter direito a isenção em todos os serviços de saúde públicos, desta feita motivada pela incapacidade decorrente da doença de que padece, exigem-lhe agora que se apresente a uma junta médica e pague 50 euros pelo atestado de incapacidade respectivo, queixa-se a mãe, Glória Calisto, que foi para os jornais denunciar a história por se sentir “revoltada” com a situação. Mas "a situação" é mesmo esta. Os cidadãos aceitaram a fixação da linha dos 628,28 euros que faz a triagem entre necessitados isentos e desafogados não isentos e, cada um por si, tentam usar a criatividade para contornar a desconfiança gerada pela degradação do SNS resolvendo o seu caso particular e borrifando-se para os outros. Uma "campanha de solidariedade"conseguiria facilmente angariar os 50 euros requeridos e esta mãe deixaria de ter motivos de queixa porque o motivo da sua "revolta" não é o que todos pagam e sim o seu caso particular, mas até nem é preciso, basta  informar-se melhor. Inicialmente o Governo tentou cobrar os 50 euros que refere, mas rapidamente os revogou, tantos foram os protestos gerados pela intenção inicial. E este caso não existiria se, um por todos e todos por um, os portugueses tivessem feito o mesmo relativamente à linha dos 628,28 euros de rendimento mensal que separa os que pagam dos que estão isentos de taxas moderadoras. É o individualismo, ainda por cima um individualismo alienado e mal informado sobre os seus direitos e os seus deveres,  é a enorme falta de valores colectivos  que nos vai desagregando enquanto comunidade. Cada um por si, tornamo-nos vulneráveis e ficamos à mercê de toda a espécie de arbitrariedades que nos vão sendo sorteadas por aqueles que usam o poder para brincarem com as nossas vidas. O pão nosso de cada dia.

DAQUI