A hora do “especialista”. Acontece sempre que aquela Europa que nos tem a saque produz um número para prolongar o mais possível uma crise que vai fazendo milionários com a massa da pobreza que a sua austeridade selectiva vai generalizando. A hora do optimista. Não deixa de acontecer nem mesmo quando essa crise está prestes a ficar fora de controlo e o fantasma da deflação se agiganta para tomar conta de tudo. Ontem Mario Draghi anunciou que o BCE irá lançar-se numa compra trilionária de dívida pública e privada aos bancos e é vê-los, especialistas, optimistas, europeístas, yessologistas, sem saberem muito mais do que o muito pouco que foi avançado, a fazerem coro: “isto é muito positivo para Portugal, os bancos vão ter mais dinheiro para emprestar à economia, foi um grande passo para dar cabo da crise, é desta que isto arriba”.
Sem contraditório. Por isso não tiveram que explicar coisinhas óbvias. Por exemplo, e vou saltar o tema relações parasitárias – a manutenção da intermediação remunerada do sector financeiro na concessão de liquidez aos Estados e o risco de nacionalização de mais dívida privada constam do anúncio de ontem, como é que o investimento irá aumentar apenas porque os bancos eventualmente emprestarão mais dinheiro a um juro menor: por mais baixa que seja a taxa de juro, qual será o empresário disposto a endividar-se – e ouvi dizer que os bancos não emprestam nestas condições – para produzir bens que quase garantidamente sabe não irá vender no país onde andaram quatro anos a encolher os salários do privado em mais de 11%, os salários do público em mais de 22%, onde o desemprego e o subemprego dispararam para números estratosféricos, onde quase meio milhão de consumidores emigraram? O mesmo relativamente ao consumo: por mais baixo que seja o juro e mais abundante que seja o crédito, sabendo como as indemnizações por despedimento estão ao preço da uva mijona e como as empresas continuam a encerrar por não haver procura, qual será o maluco – e ouvi dizer que os bancos não emprestam dinheiro a malucos - que se irá endividar para comprar casa, automóvel ou o que quer que seja?
Pois é, o dinheiro vai continuar a não chegar à economia real. Há-de servir para alimentar a especulação na bolsa e no imobiliário, mas as bolhas especulativas rebentam mais cedo ou mais tarde, o que não é nada animador. Para além do mais, do pouco que se soube, transpirou qualquer coisa sobre a compra de dívidas em países como Portugal ficar dependente de mais “reformas estruturais” daquelas que põem os salários a encolher, o desemprego a aumentar e as pessoas a emigrar, logo, daquelas que tornam o investimento e o consumo completamente independentes da taxa de juro e da abundância de crédito. Os nossos especialistas sabem disto, mas também sabem que se o dissessem nunca mais seriam convidados para vomitarem aquele optimismo especializado em opinar por encomenda. Eles lá se vão safando.