domingo, junho 28, 2015

O CAPATAZ


O primeiro ministro de Portugal em exercício é um indivíduo que tem da função a ideia de capataz inspirada em malfadados costumes cujas origens remontam à Idade Média: servil, subserviente, curvado, lambe-botas, delactor, graxista, enfim rastejante perante os senhores e as senhoras do feudo; severo, punitivo, arrogante, arbitrário, violento e cleptocrata face aos servos da gleba, neste caso todos nós, trabalhadores, povo – palavras de que ele não toma conhecimento porque inquinadas por vícios quiçá marxistas, preferindo colaboradores, público, substantivos bem apessoadas no léxico mercantilista.
Entre as recentes declarações do primeiro ministro de Portugal em exercício avulta uma que lhe tira o retrato na perfeição, como se fora obtido com objectiva competente, velocidade e abertura certeiras. Disse ele, durante estes cortejos de autos-de-fé organizados pelos senhores e senhoras do euro e da União Europeia para lançarem fogo à pira onde amarraram a Grécia – e outros - que Portugal não beneficia da flexibilidade dos credores da qual supostamente usufruem os gregos.
Filtremos o absurdo de tal queixosa sentença, supondo que tem alguma ponta de genuinidade.
E porque será que a Grécia beneficiará de tal condescendência senhorial? Por lamber o caminho pisado pela senhora Merkel e o senhor Hollande, pelo senhor Juncker e pelo senhor Djesselbloem, percurso esse traçado pelos tais credores mais invisíveis que visíveis mas omnipresentes, como qualquer deus que se preze?
Ou porque o governo grego, com todas as suas limitações e hesitações, sabe dizer que não aos senhores e senhoras quando entende que deve fazê-lo e não parece disposto a beijar as mãos que a seguir o vão açoitar com as vergastas da austeridade, da dívida e outras malfeitorias?
O que o primeiro ministro de Portugal em exercício fez com esta declaração foi uma admissão de sabujice, uma confissão de servilismo, um reconhecimento de que em vez de “acima de tudo Portugal”, como rezam as suas mentiras eleitorais, é abaixo de tudo os portugueses, se for abaixo de cão tanto melhor.
Sabemos que a intimidade do primeiro ministro de Portugal em exercício com a língua de Camões é nula e de pouco efeito. Neste caso, se efeito teve foi o de o primeiro ministro de Portugal em exercício ter falado contra si mesmo, o que aliás acontece a qualquer vulgar capataz, capturado nos entranhados enredos da mentira, nas contradições inevitáveis entre o que diz e o que faz, porque os seus feitos são de encher qualquer um de vergonha, mesmo que esta lhe falte, e ele sabe-o.
Pois o primeiro ministro da Grécia em exercício e os seus companheiros de governo conseguem dizer não aos senhores e senhoras e, para se sentirem mais fortes na decisão, atrevem-se a consultar os servos da gleba em referendo, de modo a que o confronto seja como deve ser: o do povo esbulhado contra as senhoras e os senhores cleptocratas.
Enquanto isso, o primeiro ministro de Portugal em exercício, em conjunto com o governo, não apenas se arroja perante os carrascos do seu povo, para mostrar que é o capataz ideal, como ousa ir além das suas ordens, cuidando assim habilitar-se a mais e melhores prebendas, novas e repetidas festinhas no pelo. A seguir, sorrateiro e irresponsável, tem o desplante de vir queixar-se ao povo sobre a inflexibilidade dos donos, que supostamente não é exercida contra outros. Povo esse submetido à canga, porque jamais foi ouvido pelo primeiro ministro de Portugal em exercício, e os outros que o antecederam, sobre estar ou não na União Europeia, estar ou não no euro, ser ou não carne para canhão dos credores. Faltando, por isso, as condições indispensáveis para que se trave o necessário combate entre o povo esbulhado e os senhores e senhoras cleptocratas.

Em Portugal, o povo – esse ente que o primeiro ministro em exercício não conhece – costuma dizer que quanto mais alguém se abaixa mais … o resto todos sabemos. Na Grécia, mesmo que o dito tenha a sua versão, o governo em funções não o pratica. Eis a diferença. Uma diferença que até qualquer iletrado capataz deveria ser capaz de entender.


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