quinta-feira, abril 29, 2010

Portugal - “Sementes da resistência no abril de todos os dias”

Em Lisboa, anarquistas protestam na data do golpe de estado do 25 de abril de 1974, que ficou conhecido para sempre como a "Revolução dos Cravos"; na véspera a polícia coagiu um festival contracultural de grupos punks e anarcopunks; ao mesmo tempo a imprensa portuguesa divulgava um documento com registros das atividades políticas de alguns anarquistas daquele país.

"Não esquecemos não perdoamos". Foi sob este lema que individualidades e grupos diversificados de anarquistas e anti-autoritários portugueses prepararam a resposta "contra o terrorismo de Estado" num "25 de abril com nada a celebrar". E por isso ocuparam as ruas da baixa lisboeta no final da tarde do dia 25 de abril, "sem medo e sem lei", porque "a democracia é repressão e autoridade", afirmando, à plenos pulmões, que "não queremos um Estado militarista que, recorrendo ao poder nos abafa e força-nos a viver uma vida que não queremos, que nos impede de fazer o que queremos”.

Nos comunicados distribuídos à população intitulado “Chamada Anarquista - apelo à solidariedade com os que sofreram a repressão do Estado e à resistência”, podia se ler “não esquecemos não perdoamos" e “em solidariedade com todos os que lutam pela destruição do Estado, fonte primária de todo o terrorismo. Continuamos na rua... Sem medo nem lei!".

Já no fundo da Rua do Carmo/Rossio - local onde há três anos uma manifestação anti-autoritária e anti-capitalista foi alvo de intensa repressão, com a prisão de 11 manifestantes, a correr julgamento atualmente no Tribunal - partiram, ao som dos batuques, numa passeata pela baixa lisboeta que terminou, simbolicamente, na antiga Praça do Império, local atualmente freqüentado por muitos imigrantes e que constitui essa amálgama de povos que sonhamos ser, cidadãos do mundo já hoje.

Repressão ao festival "Imune Fest”

Mas, se desta vez a repressão do Estado não atingiu o grau de violência e brutalidade policial de 2007, não deixou de se verificar de forma insidiosa a sua presença nefasta, exercendo coação sobre uma associação popular com o intuito de impedir a realização do festival "Imune Fest", que foi cancelado em Lisboa por pressão da polícia exatamente na véspera do 25 de abril.

O festival "Imune Fest" surgiu porque, segundo um comunicado distribuído, "somos imunes à opressão, imunes à apatia, imunes ao vosso controle da música", contando com a participação das bandas: Kostranostra (Anarcopunk de Valência), Gatos Pingados (Punk Hardcore de Almada), The Skrotes (Skate Punk de Lisboa), Massey Ferguson (Crust de Beja), Steven Seagal (Hardcore Oldschool de Lisboa), Ventas de Exterco (Punk Hardcore de Beja), Pussy Hole Treatment (Punk Trasher de Lisboa), Desobediência Geral (Anarcopunk de Lisboa).

Na sexta-feira, dia 23 - um dia antes do festival - os organizadores foram informados pela Associação Boa União, local acordado para o concerto, que este não se realizaria ali, fazendo exigências despropositadas como alternativa, porque a polícia tinha ido lá e lhes tinha dito que não era aconselhável realizar naquele lugar o concerto porque "é coisa de anarquistas" e que eles "são piores que os nazis e integrantes dos “no name boys” e poderiam causar distúrbios". No final o concerto acabou por realizar-se na Ocupa Kylacancra, às 17h, em Palmela, Setúbal, com as bandas já anunciadas, disponibilizando-se, solidariamente, transporte para o novo local, menos acessível.

Texto distribuído durante o concerto na Ocupa Kylakancra:

Todos temos os nossos objetivos. Seja viver uma vida pacífica com um dia a dia estável, seja contestar os valores da nossa sociedade com vista a empurrar o nosso mundo numa direção mais positiva e justa.

Para todos vós as nossas existências estão ameaçadas. A vida como a conhecemos só tende a piorar. O Tratado de Lisboa permite o uso da pena de morte na Europa contra atos daqueles que se preocupam com um futuro melhor, uma polícia global foi criada a revelia do público com o objetivo de, sem responder às leis que votamos, estrangular as vozes de quem não se vê satisfeito com o estado da nossa sociedade.

Agora no dia 24 de abril de 2010, 36 anos depois do 25 de abril, a polícia impede a concretização de um concerto organizado pelos jovens que constituem o futuro do nosso planeta. De uma forma intransigente cancelam uma organização independente, sem fins lucrativos com o objetivo de promover a cultura e a interação de todos nós.

36 anos depois de se celebrar a liberdade de expressão e o fim da ditadura calam as nossas vozes com argumentos político-ideológicos. Aquilo que é o mais básico da dita liberdade de expressão é o argumento utilizado pelas forças do Estado para nos impedirem de vivermos a nossa vida.

Não queremos um Estado militarista que, recorrendo ao poder, nos abafa e força-nos a viver uma vida que não queremos, que nos impede de fazer o que queremos.

Que o 25 de abril de 2010 não seja mais uma celebração dos anos passados mas sim uma ponte para um mundo mais justo, feitos para as pessoas e não para os interesses egoístas dum governo corrupto e distante do povo.

Porque por mais que tentem somos ainda imunes ao dinheiro que gere este planeta, somos imunes ao vosso egocentrismo, somos imunes ao vosso ódio.

Polícia registra as atividades políticas dos anarquistas portugueses

O relatório da polícia sobre a manifestação em 25 de abril em 2007 confirma que as forças da ordem têm registro das atividades políticas dos anarquistas portugueses, mesmo daqueles que não são arrolados no processo. A seguir matéria divulgada pelo Jornal de Notícias, intitulada “PSP relata "cadastro" político de não argüidos em processo”.

Relatório policial identifica 30 pessoas estranhas a inquérito sobre manifestação do 25 de abril de 2007.

Estes indivíduos não são argüidos nem foram identificados no inquérito criminal da manifestação do 25 de abril de 2007, mas aparecem identificados no respectivo processo, por alegadas ligações, na maioria dos casos, a movimentos anarquistas, de extrema-esquerda e ecologistas, que as autoridades associam àquela manifestação.

A maior parte das informações que a PSP (Polícia de Segurança Pública) juntou sobre aqueles cidadãos não tem relevância criminal; outras foram retiradas de processos-crime, em grande medida, sobre (outras) manifestações não autorizadas e ações "Okupa" - ocupação de casas devolutas.

"Parece ter havido uma falha na preparação do relatório, porque deveria ter sido omitida a identidade das pessoas não constituídas argüidas no processo", comenta Paulo Henriques, da Faculdade de Direito de Coimbra.

O relatório da PSP, de 29 de novembro de 2007 e assinado pelo então comandante metropolitano de Lisboa, Guedes da Silva, foi requerido por uma procuradora do DIAP de Lisboa, em 2007, após os confrontos, na zona do Chiado, entre o Corpo de Intervenção da PSP e participantes na "Manifestação antiautoritária contra o fascismo - contra o capitalismo".

A magistrada pediu informações sobre a "integração" dos 11 argüidos (um já falecido) do inquérito" em movimentos ou grupos tais como os citados no auto de notícia" - anarquistas e de extrema-esquerda - e registro de ações violentas e ilegais destes grupos. E juntou ao processo, que já é público, o relatório recebido da PSP.

PSP aponta cartão da JCP

O documento começa por relatar fatos da vida de cinco dos 11 argüidos, sem que nenhum dos imputados - tentativas de furto em supermercados, ruído na via pública... - os ligue àquele tipo de grupos. O único fato "político" ali descrito decorre da integração de uma argüida num grupo que, na tarde de 25 de abril de 2007, atirou ovos e tomates contra um cartaz xenófobo do PNR, no Marquês de Pombal.

Não se ficando pelos argüidos, a PSP começou por identificar seis dos atiradores de ovos. Ao primeiro da lista, imputou o incitamento à realização de seis greves e manifestações, em duas escolas secundárias. Mas sublinhou o ativismo político do jovem de forma mais curiosa: "Em 4 de novembro de 2006, participou o extravio de documentos, entre os quais se encontrava o cartão de militante da Juventude Comunista Portuguesa", apontou a PSP.

Lei proíbe ficheiros políticos

O relatório vai mais longe e identifica 24 pessoas que não têm sequer relação estabelecida com nenhum argüido. Contudo, participaram em ações de caráter político-ideológico: protestos contra cúpulas do G8 e a guerra no Iraque, ações contra os transgênicos, ocupação de imóveis devolutos...

Tome-se o exemplo do cidadão belga J.D.. A PSP não lhe imputa qualquer fato ilegal e muito menos com relevância criminal, mas identifica-o, por ele estar ligado ao grupo ambientalista GAIA, que terá membros comuns ao Verde Eufémia, que, por sua vez, terá destruído milho transgênico em Silves, em 2007. A PSP relatou que J.D. tinha 25 anos, recebeu um fundo da União Européia para colaborar com o GAIA, é licenciado em Ecologia e em Ciências Sociais e Políticas, esteve três dias em Rostock (Alemanha) a manifestar-se contra a cúpula do G8, participa em workshops da Rede G8 em Portugal.

Este é um dos casos que levanta questões sobre como a PSP recolhe e trata dados dos cidadãos, sendo certo que a lei proíbe "o tratamento de dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical". O docente Paulo Henriques faz uma declaração de fé: "Quero crer que as atividades de recolha e tratamento de dados que as polícias desenvolvem têm lugar no estrito cumprimento da lei".

O JN questionou a PSP, mas esta não quis fazer "qualquer tipo de comentário". Dos quatro advogados dos argüidos contatados, pronunciou-se Alexandra Ventura, que contestou que a PSP "registre e interligue informações de pessoas que nada têm a ver com o processo".

"A PIDE [polícia política do tempo do fascismo, antes do 25 de abril de 1974] registrava informações das pessoas, mas não as divulgava…", comparou a jurista.

agência de notícias anarquistas-ana

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