CAPÍTULO V
Governos de Facto: Dissolução Social
A monarquia e a democracia, para não me ocupar doravante senão de¬las somente, sendo portanto dois ideais fornecidos pela teoria, mas irre¬alizáveis no rigor dos seus termos, foram forçados, como acabei de dizer, a resignar¬ se na prática a transacções de todas as espécies: de todas essas transacções obrigatórias sairam todos os governos de facto. Esses gover¬nos, obras do empirismo, variáveis infinitamente, são portanto essen¬cial¬mente e sem excepção governos compostos ou mistos.
Observarei, a próposito, que os publicistas se enganaram, e que intro¬duziram na política um dado tão falso como perigoso, a partir de que, não distinguindo a prática da teoria, a realidade do ideal, colocaram sobre a mesma linha os governos de concepção pura, irrealizáveis no seu sim¬plismo, como a monarquia e a democracia pura, e os governos de facto ou mistos. A verdade, repito¬o, é que não existem nem podem existir governos da primeira espécie senão em teoria: todo o governo de facto é necessariamente misto, que lhe chamem monarquia ou democracia pouco importa. Esta observação é importante; ela por si só permite transportar a um erro de dialéctica as inumeráveis decepções, corrupções e revoluções da polí¬tica.
Todas as variedades de governos de facto, por outras palavras, todas as transacções governamentais experimentadas ou propostas desde os tempos mais recuados até aos nossos dias reduziram¬ se a duas espécies princi¬pais, que chamarei pelas suas designações actuais, Império e Monarquia constitucional. Isto exige uma explicação.
Sendo a guerra e a desigualdade da sorte desde as origens a condição dos povos, a Sociedade divide¬ se naturalmente num certo número de classes: Guerreiros ou Nobres, Padres, Proprietários, Mercadores, Nave¬gantes, Industriais, Rurais. – Onde a realeza existe, forma uma casta pró¬pria, a primeira de todas: é a dinastia.
A luta de classes, o antagonismo dos seus interesses, a ma¬neira como esses interesses se ligam, determina o regime político, conse-quentemente a escolha do governo, as suas inumeráveis variedades e suas variações mais inumeráveis ainda. Pouco a pouco todas essas classes se reduzem a duas: uma superior, Aristocracia, Burguesia ou Patriciado; uma inferior, Plebe ou Proletariado, entre as quais voga a Realeza, órgão do Poder, expressão da Autoridade. Se a Aristocracia se une à realeza, o governo daí resultante será uma monarquia temperada, actualmente dita constitucional; – se é o povo que se alia com a autoridade, o governo será um Império, ou democracia autocrática. A teocracia da idade média era um pacto entre o sacer-dócio e o imperador; o Califado, uma monarquia religiosa e militar. Em Tiro, Sídonh), Cartagoi), a realeza apoiava¬ se na casta mercantil, até ao momento em que esta se apoderou do poder. Parece que em Roma a realeza tinha de início o respeito dos patrícios e plebeus; depois as duas classes tendo-se unido contra a coroa, a realeza foi abolida e o Estado tomou o nome de república. No entanto a preponderância ficou para o patriciado. Mas essa constituição aristocrática foi tão tempestuosa como a democracia ateniense; o governo viveu de expedientes, e ao passo que a democracia ateniense sucumbiu ao primeiro choque, a guerra do Peloponeso , a conquista do mundo foi o resultado da necessidade em que se encontrava o Senado romano para ocupar o povo. A paz dada ao mundo, a guerra civil destruiu em excesso; para acabar, a plebe tomou um chefe, destruiu patri¬ciado e república e criou o império.
Admiramo¬nos que o governo fundado sob os auspícios de uma burguesia ou de um patriciado, de acordo com uma dinastia, seja geralmente mais liberal que aquele fundado pela multidão sob o patronato de um ditador ou de um tribuno. Com efeito, isso deve parecer tanto mais surpreendente, quanto no fundo a plebe é mais empenhada e tem realmente mais tendência para a liberdade que a burguesia. Mas esta contradição, pedra de toque da política, explica- se pela situação dos partidos, situação que no caso de uma vitória popular obriga a raciocinar e agir a plebe como autocrata, e, no caso de uma preponderância da burguesia, faz raciocinar e agir esta como republicana. Voltemos ao dualismo fundamental, Autoridade e Liberdade, e compreendê¬lo¬emos.
h)Cidades Fenícias da antiguidade clássica. (N.T.)
i)Cidade do Norte de África, cujo poder chegou a ameaçar Roma. (N.T.)
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