CAPÍTULO VII
Emergência da Ideia de Federação
Ora, dado que na teoria e na história, a Autoridade e a Liberdade se sucedem como por uma espécie de polarização;
Que a primeira diminui gradualmente e se retira, enquanto a segunda cresce e se mostra;
Que resulta deste duplo movimento uma espécie de subalternização em virtude da qual a Autoridade se coloca cada vez mais à ordem da Liber¬dade;
Dado que, por outras palavras, o regime liberal ou contratual prevalece de dia para dia sobre o regime autoritário, é à ideia de contrato que nos devemos ligar como sendo a ideia dominante da política.
Que se entende, em primeiro lugar, por contrato?.
O contrato, diz o Código civil, art. 1101, é uma convenção pela qual uma ou mais pessoas se obrigam, em relação a uma ou outras mais, a fazer ou a não fazer alguma coisa.
Art. 1102. – Ele é sinalagmático ou bilateral, quando os contratantes se obrigam reciprocamente uns em relação aos outros.
Art. 1103. – É unilateral, quando uma ou mais pessoas são obrigadas em relação a uma ou outras mais, sem que da parte dos últimos exista comprometimento.
Art. 1104. – É comutativo quando cada uma das partes se compro¬mete a dar ou fazer uma coisa que é considerada como o equiva¬lente ao que se lhe dá ou ao que se faz por ela. – Quando o equiva¬lente consiste na possibilidade de ganho ou perca para cada uma das partes, em resultado de um acontecimento incerto, o contrato é aleatório.
Art. 1105. – O contrato de beneficiência é aquele no qual uma das partes concede à outra uma vantagem completamente gratuita.
Art. 1106. – O contrato a título oneroso é aquele que sujeita cada uma das partes a dar ou fazer alguma coisa.
Art. 1371. – São chamados quasi¬ contratos os feitos voluntários do ho-mem de que resulta um comprometimento qualquer relativamente a um terceiro, e por vezes um comprometimento recíproco das duas partes.
A estas distinções e definições do Código, relativas à forma e condições dos contratos, juntarei uma última, respeitante ao seu objecto:
Segundo a natureza das coisas pelas quais se trata ou o objecto que se propõe, os contratos são domésticos, civis, comerciais ou políticos.
É desta última variedade de contrato, o contrato político, que nos va¬mos ocupar.
A noção de contrato não é completamente estranha ao regime monár¬quico, como tão¬ pouco o não é à paternidade e à família. Mas, do que disse¬mos dos princípios de autoridade e de liberdade e do seu papel na forma¬ção dos governos, compreende¬ se que esses princípios não inter¬vêm da mesma forma na formação do contrato político; e que assim a obrigação que une o monarca aos seus súbditos, obrigação espontânea, não escrita, resultante do espírito de família e da qualidade das pessoas, é uma obriga¬ção unilateral, pois que em virtude do princípio de obediência o súbdito é mais obrigado relativamente ao príncipe do que este em relação ao súb¬dito. A teoria do direito divino diz expressamente que o monarca não é responsável senão perante Deus. Pode mesmo acontecer que o contrato do príncipe com o súbdito degenere num contrato de pura benefi¬ciência, quando, por inépcia ou idolatria dos cidadãos, o príncipe é solici¬tado a tomar a liberdade e a se encarregar dos seus súbditos, incapazes de se governarem e de se defenderem, como um pastor do seu rebanho. É muito pior quando se admite o princípio de hereditariedade. Um conspi¬rador como o duque de Orleans, mais tarde Luís XII, um parricida como Luís XI, uma adúltera como Maria¬ Stuart, conservam, não obstante os seus crimes, o seu direito eventual à coroa. Invioláveis por nascimento, pode¬ se dizer que existe entre eles e os súbditos fiéis do príncipe ao qual devem suceder, um quasi¬ contrato. Em duas palavras, porque a autori¬dade é preponderante, no sistema monárquico, o contrato não é igual.
O contrato político não adquire toda a sua dignidade e moralidade se¬não com a condição 1º de ser sinalagmático e comutativo; 2º de estar contido, quanto ao seu objecto, dentro de certos limites: duas condições que se supõe existirem no regime democrático, mas que, ainda aí, não são quase sempre senão uma ficção. Pode¬se dizer que numa democracia representativa e centralizadora, numa monarquia constitucional e censorial, ainda mais numa república comunista, à maneira de Platão, o con¬trato político que liga o cidadão ao Estado seja igual e recíproco? Pode dizer¬ se que esse contrato, que tira aos cidadãos metade ou dois terços da sua soberania e o quarto do seu produto, esteja encerrado nos seus justos limites? Seria mais verdade dizer, o que a experiência confirma demasiadas vezes, que o contrato, em todos esses sistemas, é exorbitante, oneroso, pois que ele é, para uma parte mais ou menos considerável, sem compensação; e aleatório, pois que a vantagem prometida, à partida insuficiente, nem sequer é assegurada.
Sem comentários:
Enviar um comentário