quarta-feira, abril 02, 2008

Os pais educam. A escola ensina.

A educação dá-se em casa.
A Escola transmite Conhecimento.
Os pais educam
Os professores ensinam.
Quem quiser obrigar os professores a serem pais não é uma coisa nem outra.
É um palhaço ou um criminoso

A situação que se vive no ensino básico, hoje em dia, é dramática.
Quando escolhi ser professor – e eu escolhi mesmo sê-lo, porque desisti de uma carreira na indústria para me dedicar ao ensino – não escolhi ser polícia, advogado ou lutador de wrestling. Decidi ensinar, na suposição de que iria encontrar crianças e adolescentes que queriam aprender.
E, nos anos 80 e 90 foi isso que encontrei.
Não digo que já não houvesse maus alunos. Em cada turma havia 2 ou 3 que se recusavam a aprender. Outros que me diziam, logo à partida, que o meu esforço e investimento neles seria em vão, porque nunca tinham conseguido sucesso a matemática. Dava-me uma especial alegria vê-os, depois, conseguir superar as dificuldades e transformar o costumeiro 2 num 3 e até num 4.
Mas isso eram outros tempos. A esmagadora maioria dos alunos queria aprender e passar com boas notas.

Nos últimos 3 a 4 anos a degradação do ambiente escolar tem sido chocante.
Pelo que leio, esse fenómeno é geral. Pode ser que isto seja uma vaga negativa que venha a ser substituída por uma outra mais positiva, mas não acredito muito nesse optimismo dado o comportamento e o tipo de atitudes revelado pelos miúdos que, de ano para ano, nos entram na sala de aulas. São em número crescente os miúdos que nos chegam à escola sem regras comportamentais absolutamente nenhumas. Como se tivessem vindo directamente da selva. Ora isso é preocupante, pois eles já entram ali no 5ª ano. Já passaram 4 noutra escola e mais 2 ou 3 num jardim de infância. E pior: os que entram com alguma educação – leia-se “regras comportamentais de convivência em sociedade” - depressa a perdem contagiados pelos que nunca a interiorizaram.

O sistema falha a todos os níveis.
Os pais cada vez têm menos tempo para “perder” com os miúdos em casa. Fruto da voragem dos dias, os que estão desempregados estão desmoralizados porque nunca mais encontram emprego e o dinheiro falta, os que trabalham cada vez têm que trabalhar mais e até mais tarde para manterem o posto de trabalho. Não sobra disponibilidade para com as crianças que crescem ao sabor da televisão e da rua – os mais pobres – e ao da playstation e do msn – os mais “sortudos”.
Os pais perderam a disponibilidade e a paciência – à noite, já cansados – para conversarem com os filhos. Uma grande parte dos pais demitiu-se mesmo da obrigação do acompanhamento da vida pessoal e escolar dos filhos. A escola que trate deles.
E, de facto, a Escola já os alimenta e os entretém. Só falta vesti-los e lavá-los. E já nem isso falta, em muitos casos.

Para muitos pais, a Escola devia estar aberta até à hora de jantar e de preferência devia dar-lhes o jantar também. E a dormida, porque não? E ao fim de semana levá-os a passear. De facto, a escola devia era manter dentro de muros os alunos durante todo o ano, como antigamente acontecia nos seminários e nos colégos internos.
E os pais, no Natal, entre o fim de uma novela e o início da próxima e no defeso da época futebolística iam lá vê-los para fiscalizar se está tudo bem e poderem, eventualmente, processar a escola se esta não ministrasse, aos seus “educandos”, as doses de amor e carinho devidamente estipuladas no regulamento interno.
Essa era a escola ideal para os nossos dias, pelos vistos. Mas essa escola não existe.

Então o que é que existe?
Existe uma escola tradicional frequentada por miúdos provenientes de famílias em grande sofrimento e sem disponibilidade para eles. Pais que se recusam a ir à escola mesmo quando para isso intimados por carta registada com aviso de recepção. Porque já não suportam ser confrontados com mais problemas. Querem é que lhe aliviem alguns.

Pais que, antes que a Directora de Turma possa abrir a boca, já estão a pedir roupa, comida ou qualquer coisa que ela tenha lá em casa e de que não precise.
Pais de miúdos que, no 5º ano de escolaridade, com apenas 11 anos, vivem sem regras e por isso já não respeitam ninguém.

Qual a resposta da Escola a esta nova realidade?
A mais fácil: inventar atabalhoadamente e em catadupa turmas de currículos alternativos. Turmas para onde se segregam crianças cujo grau de desenvolvimento sócio-cultural é o de simplesmente não conseguirem ler com 14 e com 15 anos. E alunos destes são aos milhares por esse interior fora!
Trata-se de crianças e adolescentes absolutamente retardados (ainda não tenho medo das palavras), dir-se-ia expostos a algum tipo de radiação ou doença que lhes tolheu toda e qualquer possibilidade para aprenderem o mais básico de entre o mais comum.
E o que mais me choca é o número galopante de miúdos nestas condições!
De onde vem esta gente? Que lhes terá acontecido para ficarem assim, num nível intelectual tão empedernido?
Vêm das aldeias a apenas 3 quilómetros da cidades. O que lhes aconteceu , não sei.
Nem vejo nenhum assistente social – dos 800 que se acotovelam em reuniões sucessivas em tudo o que é sítio - minimamente preocupado com isso.
Tenho é a impressão de que nem no tempo da fome, da 2º grande guerra , se verificou um grau de subdesenvolvimento comparável nas crianças aqui à volta de Seia.
Na minha Escola existem casos dramáticos de alunos que sobrevivem em condições precárias em seio familiar que não lhes proporciona as mínimas condições de dignidade Humana, nem são acompanhados por qualquer organismo oficial. Alertei para esse facto os órgãos competentes e a Assembleia Municipal de Seia.
O sr presidente da câmara mostrou-se muito sensível ao problema e não percebeu porque não tinha conhecimento desses casos.
Eu explico-lhe: porque as escolas não os reportam.
Abafam-nos, mantendo as crianças e as famílias a passar mal, quando a Segurança Social, logo ali ao lado, disponibiliza, por Lei, programas de ajuda e de socorro a famílias e jovens carenciados.

O subdesenvolvimento no interior começa nas famílias, é certo, mas não termina nelas.

Os professores não são pais dos alunos.
Os professores só são Pais dos seus filhos. Eu tenho 3. Não tenho 70.
Ninguém pense que eu me vou substituir aos 140 pais dos meus 70 alunos.
http://joaotilly.weblog.com.pt/

Sem comentários: