segunda-feira, janeiro 31, 2011

O NEGRO E O VERMELHO

PROUDHON E O FEDERALISMO COMO SUSTENTO DA DEMOCRACIA DIRECTA

"Quem diz liberdade, diz federação,
ou não diz nada.
Quem diz república, diz federação,
ou não diz nada.
Quem diz socialismo, diz federação,
ou novamente não diz nada."


1- Introdução. Federalismo Proudhoniano hoje: Que sentido?

Proudhon é demasiado importante para ser esquecido, pelo menos pelo movimento literário. As suas propostas a nível político, social, económico, religioso constituem algumas das perspectivas mais ricas do anarquismo que embora hoje sejam geralmente desconhecidas mesmo ao nível do movimento, foram depois desenvolvidas a postas em prática por homens por demais conhecidos e deram origem a acontecimentos cruciais que largamente ultrapassaram as fronteiras dos países onde tomaram lugar.
Sabendo nós desde há muito tempo da falência do capitalismo (peço desculpa, do liberalismo como agora mais insistentemente a burguesia o apelida) e tendo bem presente as mudanças que desde 1985 se estão a operar a Leste e que não podem deixar de ser significativas a todos os níveis, e que foi predito, dito e discutido por Proudhon, ou seja a falência do comunismo de Estado de tipo marxista-leninista, é importante descobrir e/ou redescobrir uma forma de vida para além do capitalismo e do comunismo.
O federalismo proudhoniano apresenta-se-me particularmente fecundo nesse aspecto e o dizer-se que é um pensamento caduco, revela fundamentalmente a meu ver, uma grande dose de oportunismo político, quer dos que se dizem da esquerda ou de direita. Para além do que foi até agora referido é importante também ter presente que tendo lugar a breve trecho eleições autárquicas no nosso país não deixa de ser significativo a apresentação destas reflexões sobre o federalismo visto que, e apesar das deturpações do movimento actual autárquico, as ideias de descentralização, regionalização, partilha de poder pertencem na origem a Proudhon e estão presentes no seu federalismo. Daí a importância deste escrito. Daí a sua (im)pertinência.

2 - A ideia federalista

A teoria federalista completa a visão proudhoniana da democracia socialista. Toda a sua obra e toda a sua concepção particular de Anarquismo tomam sentido nesta concepção socio-política geral. Bernard Voyenne (jornalista e professor) sublinha o carácter fundamental da ideia federalista no pensamento de Proudhon: "A ideia federalista sintetiza toda a sociologia política de Proudhon assim como o conjunto dos seus pontos de vista económicos. Do mesmo modo foi com ele que ela tomou lugar entre as grandes doutrinas e permanece nesse nível, principalmente ligada ao seu nome." (1)
Foi sobretudo após a revolução de 1848, após a instauração dum novo estado centralizado sob o imperador Napoleão III, que Proudhon, tomando pela base todo o conjunto da sua teoria política, faz-se o defensor duma concepção federalista generalizada às dimensões da Europa e do mundo. Em 1858, na obra De la Justice dans la Révolution et dans l'Église Proudhon anuncia o princípio do "Federalismo universal." Em 1863, surge a sua grande obra teórica acerca deste tema: Du Principe Fédératif et de la Nécéssité de Reconstituer le Parti de la Révolution.
É a partir desta altura que Proudhon pensa que esta concepção federalista não faz mais na realidade, que confirmar as suas concepções mutualistas. Aliás é isso que ele nos diz na sua última obra De la Capacité Politique des Classes Ouvrières: "Desta maneira, transportado para a esfera política, o que chamamos até ao momento mutualismo toma o nome de Federalismo. Numa simples sinonímia é dada toda a revolução, política e económica." (2)

3 - Federalismo político versus federalismo económico

Proudhon exprime aqui uma dupla intuição, por um lado a continuidade da sua inspiração e por outro a continuidade entre mutualismo económico e federalismo político.
Numa das primeiras obras, formulava nos seguintes termos a questão que se propunha resolver: "Encontrar um estado de igualdade social que não seja, nem comunidade, nem despotismo, nem desmembramento, nem anarquia, mas liberdade na ordem e independência na unidade."(3)
É esta combinação original assegurando "a liberdade na ordem e independência na unidade" que Proudhon não deixou de procurar e encontrar a sua resposta política no federalismo. Depois de mostrar que surge uma pluralidade de ordens imanentes, em permanente criação, Proudhon procura entre estas últimas, equilíbrios susceptíveis de oferecer uma garantia contra qualquer tipo de autoritarismo, venha ele de Estado ou da sociedade económica organizada. Como já se está a ver tais equívocos realizam-se no federalismo, quer económico quer político.
O sistema federativo é portanto a realização dos equilíbrios que Proudhon procurava entre a unidade da sociedade e a multiplicidade dos agrupamentos particulares, entre os grupos e os indivíduos, entre a autoridade e a liberdade.
Proudhon afirma que "o século XX abrirá a era das federações ou a humanidade recomeçará um purgatório de mil anos."(4)
"Quem diz liberdade, diz federação, ou não diz nada. Quem diz república, diz federação, ou não diz nada. Quem diz socialismo, diz federação, ou novamente não diz nada."(5)
Proudhon começa a sua demonstração pelo federalismo no verdadeiro sentido da palavra, mas confederalista embora considere que Proudhon não se dá conta da diferença. No entanto, do meu ponto de vista isso não é significativo. "O que constitui a essência e o carácter do contrato federativo é que, neste sistema, os contraentes se reservam para sí mesmos, mais direitos, autoridade e propriedade do que a que abandonam." (6)
Podemos dizer em suma, que o que seduz Proudhon no federalismo político, é a eliminação da razão de Estado, substituída pelo domínio do direito, é a limitação do poder central pelos poderes particulares e pelos agrupamentos locais. A confederação política e a descentralização dos serviços públicos seriam capazes de transformar o Estado; este deixaria de ser um soberano para se tornar "um senhor entre os seus semelhantes", como Proudhon dizia já numa obra anterior intitulada Théorie de l'impôt. "A ideia de federalismo é certamente a mais nobre a que o génio político se elevou até hoje." (7)
No entanto, não admite uma confederação de Estados demasiado vasta, e declara que a ideia de "confederação universal" é contraditória. "A Europa seria ainda demasiado grande para uma confederação única: só poderia formar uma confederação de confederações". (8) Uma confederação deve, portanto, ser composta por grupos locais, de pequena ou média envergadura. Numa confederação política, a tendência de poder político para a perversão e para a anexação é detida a partir do interior pela própria organização. É por isso que Proudhon está convencido que esta é a organização que a classe proletária deverá escolher para fazer substituir o regime capitalista por um regime socialista.

4 - A recusa do colectivismo estatal

O federalismo proudhoniano é um dos meios essenciais para evitar a reabsorção da organização económica colectivista no Estado. "É necessário ao direito político o contraforte do direito económico"; por outras palavras, os agrupamentos económicos organizados em "democracia industrial" devem limitar o Estado, e não reforçá-lo. A classe operária só veria no federalismo político uma decepção e uma degenerescência, se a "classe capitalista e burocrática" não fosse eliminada, e se "a economia não fosse organizada em federação industrial-agrícola."
"Considerada em si própria, a ideia de uma federação industrial que sirva de complemento e de sanção à federação política, recebe a mais incontestável confirmação dos princípios de mutualidade, de divisão do trabalho e de solidariedade económica." (9)
"Todas as minhas ideias económicas, elaboradas ao longo de vinte e cinco anos, podem resumir-se nestas três palavras: federação agrícola industrial. Todas as minhas perspectivas políticas se reduzem a uma fórmula semelhante: federação política ou descentralização." E como corolário de ambas: "federação progressiva". "A federação agrícola-industrial uma vez fundada não pode dissolver-se", tanto mais que se baseia na atribuição da propriedade dos meios de produção simultaneamente ao conjunto da sociedade económica, a cada região, a cada grupo de trabalhadores e a cada operário e camponês individualmente. Os indivíduos e os grupos podem solicitar a compra da sua parte, mas não a partilha da propriedade federativa, que permanece una e indivisível.
Esta concepção é confirmada na obra póstuma La Théorie de la Propriété e na última obra que Proudhon escreveu e a que já fizemos referência De la Capacité Politique des Classes Ouvrières onde se trata da democracia industrial e da república industrial.
Segundo Proudhon, a democracia industrial apresenta vários aspectos. Antes de mais, elimina a dominação arbitrária dos patrões ou do Estado nas fábricas e nas empresas, e confia o seu controlo e gestão aos representantes dos operários, prefigurando aquilo a que mais tarde se chamará autogestão operária. Mas, esta "república industrial" vai ainda mais longe, pois penetra, como acabámos de ver, no próprio seio das relações de propriedade e converte todos os operários em co-proprietários. Organiza uma propriedade federativa e mutualista dos meios de produção, cujos proprietários são simultaneamente a organização económica total - central e regional - o diversos ramos da indústria, cada fábrica e por fim cada operário. É o melhor meio de liquidar definitivamente todos os vestígios do capitalismo.

5- A propriedade socializada é uma propriedade humanizada

Numa passagem desta última obra de Proudhon, afirma-se que a democracia industrial se revelará como uma "comandita do trabalho pelo trabalho"; e considera que "qualquer que seja o aspecto sob que encaremos as coisas, cada vez é mais evidente que nos encaminhamos, através de uma aparência de restauração feudal, para uma democracia industrial." Equilíbrio entre o Estado e a sociedade económica organizada sobre bases de autogestão operária, constituição social democrática reposta nas mãos dos trabalhadores, constituição política de onde terá sido eliminado todo o autoritarismo, limitação do Estado pela propriedade socializada e mutualista, eis o que será a república industrial.
Em resumo, Proudhon prevê o advento de um colectivismo pluralista descentralizado, destinado a substituir, após a revolução social, o capitalismo organizado. Este colectivismo recorreria à autogestão operária assim como a um "Equilíbrio" realizado entre uma propriedade federalizada dos meios de produção sob o controlo da democracia industrial dos operários, e uma democracia política limitada nas suas funções.
Este ideal é confirmado na Théorie de la Propriété: Estado transformado e propriedade federalizada: tais seriam os dois pólos, as instâncias últimas da sociedade futura, que se equilibrariam, conservando todavia a sua independência.
A propriedade socializada, humanizada, transformada numa função social, definitivamente submetida à regulamentação interna do direito e à justiça, a propriedade expurgada de todos os seus abusos será pois a propriedade federativa. É uma "co-propriedade em comum". Esta propriedade efectivamente socializada muda não somente de sujeitos mas de natureza. É sobre ela que Proudhon faz assentar a federação industrial-agrícola, que se afirma assim como bloco indissolúvel, totalidade irredutível às suas partes e não como uma relação contratual.
Tal propriedade dos meios de produção não é de modo algum uma utopia. Poderíamos mencionar uma série de exemplos ao longo destes últimos cento e vinte anos que denotam tendências de acordo com a propriedade federativa preconizada por Proudhon. Como é que isso, de acordo com o nosso autor, poderia ser possível? "Que nos falta para realizarmos a obra que nos foi confiada? Uma só coisa: A prática revolucionária!... O que carateriza a prática revolucionária é que ela já não procede por pormenor e diversidade, ou por transições imperceptíveis, mas por simplificações e por saltos." (10)
Responde Proudhon: através da prática revolucionária. Exige que a classe proletária se lance na acção propriamente política com vista à tomada do poder. Mas, para Proudhon - no que difere de Marx - a conquista política não poderá ser conseguida a não ser que se conjugue com a da economia, organizada de um modo autónomo pelos próprios trabalhadores. Mas isso é uma outra história, que merece ser contada, mas numa outra oportunidade.


Notas:

(1) Voyenne, Bernard - Le Fédéralisme de P-J Proudhon, Presses d'Europe, Paris, 1973, Pág.15.

(2) Proudhon - De la Capacité politique des Classes Ouvrières, Marcel Rivière, Paris, Pág.198.

(3) Proudhon - De la Célébration du Dimanche, Marcel Rivière, Paris, Pág.61.

(4) Proudhon - Du Principe Fédératif, Marcel Rivière, Paris, pp.355-356.

(5) Proudhon - Ibidem, Pág. 383.

(6) Proudhon - Ibidem, Pág. 319.

(7) Proudhon - Ibidem, Pág. 352.

(8) Proudhon - Ibidem, Pág. 335.

(9) Proudhon - Ibidem, Pág. 113.

(10)Proudhon - Confessions d'um Révolucionnaire, Marcel Rivière, Paris, Pág. 403.

A minha sobremesa desta noite...

Não me entendo com isto, vou antes usar sinais de fumo!...

campo de futebol peculiar...

sócrates, não contes mais mentiras que assim não posso parar de rir...

o mecânico de automóveis

Rui Unas e Claudia Semedo-''Como Tu Me Mentes''

O silêncio e os gorilas do Cavaco

50 anos de Amnistia!...


A intifada está na rua

Depois de Ben Ali o homem que se segue é Osni Mubarak

Estas são as armas dos ditadores...

e estas as dos jovens contestatários.

Que Parva que sou

Que Parva que sou – a nova canção dos Deolinda tornam este grupo no porta-voz da actual geração de precários e desempregados


Que Parva que sou - letra da nova canção do grupo Deolinda

Sou da geração sem remuneração
e não me incomoda esta condição.
Que parva que eu sou!
Porque isto está mal e vai continuar,
já é uma sorte eu poder estagiar.
Que parva que eu sou!
E fico a pensar,
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração ‘casinha dos pais’,
se já tenho tudo, pra quê querer mais?
Que parva que eu sou
Filhos, maridos, estou sempre a adiar
e ainda me falta o carro pagar
Que parva que eu sou!
E fico a pensar,
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração ‘vou queixar-me pra quê?’
Há alguém bem pior do que eu na TV.
Que parva que eu sou!
Sou da geração ‘eu já não posso mais!’
que esta situação dura há tempo demais
E parva não sou!
E fico a pensar,
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

Graves assimetrias regionais eternizam-se em Portugal

O INE divulgou já em 2011 as Contas Regionais Preliminares do período 1995-2009, que estão disponíveis no seu "site". E a conclusão que se tira desses dados é que as grandes desigualdades entre as 30 regiões (NUTS III) em que se divide o País se mantêm com reflexos evidentes na vida dos portugueses que nelas vivem.

Tomando como base de comparação o valor anual do PIB por habitante médio do País (15.805€), o valor relativo à região de Grande Lisboa (25.799€) é 1,6 vezes superior, enquanto o valor por habitante da região da Serra da Estrela (8.310€) representa apenas 54,5% do valor médio do País, ou seja, quase metade da média nacional.

Mas se a comparação for feita entre o PIB por habitante de cada região, as disparidades entre as diferentes regiões são ainda maiores. Por ex., o PIB por habitante da região da Grande Lisboa (25.799€) é 3,1 vezes superior ao PIB "per capita" da região da Serra da Estrela (8.310€), e o desta última região corresponde apenas a 54,9% do da RA dos Açores (15.123€) e a 40% da RA da Madeira (20.761€). O PIB por habitante da Península de Setúbal (11.432€) corresponde apenas a 44% do PIB por habitante da região da Grande Lisboa (25.799€), apesar de serem duas regiões muito próximas uma da outra, e de muitos que habitam em Setúbal trabalharem em Lisboa.

Se a análise for feita com base em remunerações ilíquidas por empregado, que incluem as contribuições sociais dos trabalhadores e das empresas para a Segurança Social, as desigualdades por regiões são também grandes.

Assim, tomando também como base de comparação a remuneração mensal média ilíquida do País (1.247€), a remuneração mensal média ilíquida na região da Grande Lisboa (1.710€) é superior em 37,5% à do País, enquanto a remuneração mensal média ilíquida da região da Beira Interior Norte (725€) representa apenas 58,2% da remuneração média ilíquida nacional.

Mas tal como sucede com o PIB por habitante, também em relação às remunerações médias ilíquidas, se as comparações forem feitas entre as diferentes regiões do País as disparidades são ainda maiores. Assim, a remuneração mensal média ilíquida da região da Grande Lisboa (1710€) é 2,7 vezes superior à remuneração mensal média ilíquida da região do Pinhal Interior Sul (629€), e as das Regiões Autónomas da Madeira (1470€) e dos Açores (1.404€) correspondem a quase o dobro das regiões do Douro (787€), da Beira Interior Norte (725€), da Beira Interior Sul (745€), e da Cova da Beira (740€).

Mas as remunerações mensais médias ilíquidas não são as que efectivamente os trabalhadores recebem. Para além de incluírem as contribuições patronais para a Segurança social, também incluem os impostos (IRS) e os descontos dos trabalhadores para a Segurança Social. Se retirarmos estas importâncias que depois são descontadas nas remunerações do trabalhadores, segundo estimativas que fizemos, tendo como base os dados divulgados pelo INE, conclui-se que o salário mensal médio liquido, ou seja, aquele que é recebido por cada trabalhador, era, em 2009, por ex., de 925€ na região do Grande Porto; de 450€ na região de Alto Trás-os-Montes, de 436€ na região do Pinhal Interior Sul; de 934€ na Região da Grande Lisboa, mas de 723€ na região da Península de Setúbal; de 672€ na região do Alto Alentejo; de 738€ na região do Algarve; de 685€ na região Autónoma dos Açores e de 720€ na região Autónoma da Madeira. Isto apesar de serem estimativas, pois o INE não divulga dados de salários líquidos referentes às NUTS III, e de serem valores médios, eles dão já uma ideia das profundas desigualdades que continuam a existir no País, cujas consequências os portugueses continuam a sofrer.

O terrorista

Avigdor Liberman, o líder da extrema-direita israelita que Netanyahu escolheu para ministro dos Negócios Estrangeiros, é mais conhecido pelo racismo antiárabe que imprime às suas campanhas e que terá culminado na defesa da execução dos deputados árabes do Knesset por defenderem o diálogo com o Hamas.

Em Lisboa, Liberman esteve reunido com Sócrates e Amado. E deixou uma ameaça aos países que nos últimos meses aprovaram o reconhecimento do Estado da Palestina com as fronteiras existentes em 1967, antes da Guerra dos Seis Dias. Ao lado do MNE português, Liberman advertiu contra "decisões unilaterais" em relação à Palestina. É verdade que tem razões para estar preocupado: só no último mês e meio, à iniciativa de reconhecimento por parte do Brasil seguiram-se as da Argentina, Bolívia, Equador, Chile e Peru.

É por causa desta recente vaga de apoio diplomático à Palestina - resultado da recusa israelita de parar com a expansão dos colonatos, que levou ao rompimento das negociações de paz - que Liberman veio esta semana inventar a criação dum Estado palestiniano com "fronteiras provisórias" e que ocuparia 50% do território ocupado por Israel na Cisjordânia, sem retirada dos colonatos. Com isso esperava ganhar apoio internacional para pressionar os palestinianos a voltarem às negociações, enquanto prosseguia tranquilamente a ocupação ilegal de terras para os colonos. A manobra não teve grande sucesso, como seria de prever.

domingo, janeiro 30, 2011

O NEGRO E O VERMELHO

PROUDHON: SOBRE A EDUCAÇÃO

1. Introdução à questão
Sublinharíamos que a noção de “educação progressiva” está no centro de tudo o que, no pensamento proudhoniano, diz respeito ás estreitas ligações entre o desempenho individual e a reforma social. Quando o nosso autor trata da igualdade, do trabalho ou da democracia, é sempre de educação que ele fala. Além desta concepção abrangente, Proudhon tinha também pontos de vista originais sobre a escola e a formação profissional. Pode-se dizer sem excessos que para ele a educação, sob os seus diferentes aspectos, é por vezes o fim e os meios da Revolução.Agitando-se na sua própria conduta e daquela que ele recomenda, não deixou de considerar-se como um estudante perpétuo, a sede do conhecimento era para ele primordial e permanente: “Toda a vida do homem é uma aprendizagem” ( Carnets, 2-84 ). É somente neste sentido que lhe pode atribuir-se de forma positiva o epíteto de “autodidacta”, portanto o termo nele foi frequentemente juntado em má parte. Tanto como, professando que o conhecimento é efémero se ele não é partilhado, ele reivindica como congenital a sua vocação de ensinamento: “É um ensinamento que eu quis fazer, um ensinamento de palavra e de exemplo” ( Carnets, 3-89 ). Aprender sem parar, tendo como objectivo transmitir o seu saber aos demais desarmados afim de torná-los aptos para transformar o mundo, tal é a conversa daquele que nunca renegou as Lumières.Este duplo apelo está desde já proclamado, com uma sonante consciência sua, na célebre carta de candidatura à Pension Suard, que vai determinar o futuro do jovem operário tipógrafo. Mais particularmente no parágrafo final que um conselho prudente fá-lo-á acalmar:“Nascido e criado na classe operária, surgem-lhe ainda, hoje em dia e sempre, no coração, o génio, os hábitos e sobretudo a comunidade dos interesses e dos desejos, a grande alegria do candidato, se ele reunisse os vossos sufrágios, se ria (…) ter sido julgado digno de ser o primeiro representante junto de vós; e de poder muito trabalhar sem descanso, para a filosofia e ciência, com toda a energia da sua vontade e todos os poderes do seu espírito, a libertação completa dos seus irmãos e companheiros.” ( a Ackermann, de 13 de Junho 1838, Cor., I-52 ).Cada um dos instantes do escritor permanecerá fiel a este empenho. É a partir dele que ele praticará as suas três actividades mais ou menos confusas do investigador, do autor e do jornalista. Á parte, uma breve passagem - por outro lado, pouco convincente! - à Assembleia nacional de 48, Proudhon não fará nunca outra: a educação do povo ocupou-a sem descanso e exclusivamente.Portanto, ensinado por gosto e ensinando por dever, enfraquecendo-se ao reunir como a transmitir uma informação sem ser aprofundada e corrigida, colocando todas as suas esperanças no melhoramento dos homens por uma educação a que nós chamaríamos hoje “permanente”, Proudhon não consagrará na totalidade algumas das suas inúmeras obras à educação. É um paradoxo que poderia bem ser revelador.Ele pode, ainda que nada ao nosso conhecimento o prove, que entre o crescimento dos projectos nos quais Carnets conservam a marca, um semelhante trabalho tinha sido considerado. Em Fevereiro de 1847 figura sob a rubrica “Programa”, uma “Crítica de ensinamento e dos sistemas propostos” ( Carnets, 4-94 ). A meio de Maio do mesmo ano, Proudhon regressa sobre um assunto que evidentemente preocupa-o, com um catálogo mais detalhado em pontos a abordar: “Questões de ensino, aprendizagem, etc., etc. Reforma universitária: reforma do Instituto, Organização das bibliotecas; disciplina das escolas superiores” ( Carnets, 5-6 ). Contudo o objecto destas ajudas-memória não é preciso. Ele agita-se num livro, ou de uma parte do livro? A menos que isto não faça o esboço de um dos programas nos quais aquele que se queria “construtor” depois de ter demolido, acumulava os materiais nestes anos onde, desde já, se podia aperceber os signos mensageiros dos acontecimentos próximos? Nós nunca o saberemos.O facto é que, sobre a questão que nos ocupa, nada verá tão depressa o dia. Se excluirmos as anotações sugestivas mas breves reencontradas desde os seus primeiros escritos e em seguida, Proudhon não tratará de um dos assuntos que ele tem como essenciais antes do seu grande livro A Justiça, ou seja, no último período da sua vida. Ele fará ainda uma maneira que se pode estimar senão alusiva, ao menos bastante sumária para responder inteiramente à tentativa que o seu público tinha, tal como nós próprios.Seguros que o “Programa de filosofia popular” inscreve, a partir da segunda edição, em função da mais ambiciosa das suas obras, constitui para ele um único manifesto a favor de uma educação descansando sobre outros princípios do que sobre aqueles onde a burguesia elitista estabeleceu o seu poder. É preciso ler este texto não somente como tal, mas sobretudo tendo no espírito o que eram o lugar da filosofia e a forma na qual ela ensinava naquela época ( sem falar naquilo que elas se tornaram ) para aí aperceber uma acentuação profundamente revolucionária. Tomados pelo sério, a exigência que lá é formulada supõe efectivamente uma concepção e uma prática universalista da cultura nas quais as nossas sociedades ditas “avançadas” são ainda fortemente remotas.Todavia este discurso, por mais significativo que ele seja do fundo do pensamento proudhoniano sobre a educação, talvez tido na sua carta como preliminares sobretudo um exposto completo sobra a educação. É o 5º estudo da mesma obra, que contém justamente este título, que é preciso reportar-se ( II tomo da edição Rivière ) para encontrar a esperança de ver o assunto enfim tratado.Enfim! Apesar da riqueza deste capítulo, tanto sob os ângulos biográfico e literário que tratava as ideias, permanecemos ainda sobre o nosso desejo. As digressões e uma polémica com a Igreja, um pouco obsessiva parecem fazer-nos perder pouco do que está em causa. Mesmo se todos estes aspectos estivessem para o autor estreitamente ligados, é preciso ler nas entrelinhas para discernir o longo comentário do “Pater” ou nas páginas sobre a morte - por mais admiráveis que elas sejam - um programa educativo. Menos ainda a maneira de o aplicar.A resposta encontra-se acima de tudo no 6º estudo, que depois do seu título conduz “O Trabalho” ( III tomo da edição Rivière ). É efectivamente lá que o autor expõe com alguns detalhes a sua concepção bastante pessoal da educação pelo trabalho, fundando-a sobre o axioma iminente proudhoniano: “A ideia, com as suas categorias, nasce da acção e deve retornar à acção” (Justiça, III-69 ). Os mesmos pontos de vista serão retomados, e sobre alguns pontos desenvolvidos, nas várias passagens importantes da Capacidade política das classes operárias.Assim, além das derivas que conduzem o seu impulso à escritura, nós apercebemo-nos que o sentido englobante dado por Proudhon ao conceito de “educação” leva-o a tratar tudo como um especialista, menos ainda como um técnico. O de libertar-se dos determinismos da natureza como dos da sociedade.No fundo, se Proudhon, mais que alguém persuadido pela importância essencial da educação, tem no total escrito pouco sobre o assunto, e em todo o caso nunca lhe foi consagrado um exposto sistemático, é porque provavelmente ela é para si neste ponto fulcral importante, não sabendo tratá-la de uma forma isolada. Ela aplica-se a tudo o que diz respeito ao desenvolvimento humano, individual e social, é uma dimensão de todas as questões que coloca o futuro do homem e dos progressos que ele é capaz de juntar.É isto que exprime esta declaração, no início e para assim no preâmbulo do estudo da Justiça evocada mais alto, que tem justamente como característica não isolar o tema educativo de cada um dos outros. Pelo contrário, ela insere-a no conjunto dos pontos de vista proudhonianos, para formar o objectivo final e o movimento a que pode conduzir:“A educação […] constitui uma arte, a mais difícil de todas as artes; uma ciência, a mais complicada de todas as ciências, já que ela consiste em informar as mesmas verdades dos espíritos que não são semelhantes; a ter os mesmos deveres dos corações que não se abrem do mesmo lado da Justiça. A educação é a função mais importante da sociedade, aquela que tem ocupado mais as legislativas e o judicioso” ( Justiça, II, 333-336 ).Não saberia portanto de admirar que o condensado do pensamento do nosso autor a este respeito, tinha tomado um lugar de destaque na ambiciosa obra onde Proudhon da maturidade quis juntar o conjunto do seu método, da sua moral e da sua filosofia social. Dando acima de tudo confiança às capacidades propriamente indefinidas da razão humana, o reformador afirma que apesar dos acolhimentos provisórios e mesmo da eventualidade - que o assusta - de um insucesso final, inscrito na própria liberdade, a virtude e o direito triunfarão. A Justiça, que é a plenitude do humano, impor-se-à. Ou então tudo se perderá.Educar, educar sem trégua nem descanso, é a única forma de fazer emergir progressivamente esta ideia soberana da Justiça, para que ela se realize um dia senão na sua plenitude, ao menos com a aproximação mais parecida. É assim que o que é sempre tido por um observador e um analista das realidades, não excluem mesmo a hipótese pior, revela afinal de contas um optimista profundo, portanto activo.O combate não parará nunca, porque a liberdade e a igualdade não são “naturais” mas adquiridas. Ou sobretudo conquistas para serem partilhadas. A humanidade será no futuro, mais progresso onde ela é capaz de só obter o concurso com todos os seus membros. “Democracia” é demopedia, educação do povo”, repete Proudhon ( Carnets, 5-12-51 e Cor. IV-217 ). Contudo, o homem está só face a ultrapassar a sua animalidade pela razão, ele é também indefinidamente perceptível. É preciso, portanto apostar sobre esta capacidade de evolução. Ela só pode conduzir a este respeito dos outros que não é definitivo que o amor consequente de si mesmo. Educação do povo e revolução autêntica são sinónimos. Ainda falta demonstrá-lo.Proposição de um “Corpo”As referências são dadas pela edição Rivière, para todas as obras que lá figurem. As outras edições para as quais ele é reenviado, são indicadas entre parênteses do título.Carta de candidatura à Pensão Suard (1838), reproduzida O que é a Propriedade?, pp. 9-16 e na Correspondência, I-24-33.Segunda Memória, Advertência aos proprietários, (1842), pp. 198, 202-203.Da Criação da Ordem na humanidade (1843), pp. 337, 409-412, 426, 442-443, 449-453.Sistema das contradições económicas ou Filosofia da Miséria (1846), II tomo, pp. 262-263.O Direito ao trabalho e o Direito de propriedade (1848), publicado antes da Segunda Memória ( v. em baixo ), pp. 433-436, 448.Ideia geral da Revolução no século XIX (1851), pp. 113, 140, 326-328.A Justiça na Revolução e na Igreja (1858, 2ª edição, 1860), “Programa de filosofia popular”, I. pp. 187-284, em particular pp. 199 sq., 230-231. II ( 5º estudo ), pp. 327, sq., particularmente pp. 381, 387-388, 449, 458-460; III. pp. 86-88 ( a aprendizagem ), 92-93, 103.Do Príncipio federativo (1863), p. 328.Da Capacidade política das Classes operárias (1865, póstumo), pp. 214, 334-345, 414.Cruzamento ( Ed.Lacroix, 1868 ), III. p. 170.Correspondência ( Ed. Lacroix, 1875 ), III, p. 286; IV, p. 222; V pp.88, 300; VI, p. 74, 92; VII, p. 7, 122, 124, 306; VIII, p. 320, 324, 331; XI, p. 14, 330; XIV, p. 307.Carnets ( Edição Haubtmann-Rivière, 4 vol. 1960-1974 ), I. pp. 17, 29, 85, 92; II. pp. 13 ,27, 30-31, 50, 66, 67, 77, 83, 84, 125, 127, 149, 152; III. pp. 67, 78, 89; IV. pp. 10, 16, 20, 36, 72, 94, 138, 139, 160, 169, 170, 183; V. pp. 6, 7, 14, 23, 72, 79, 93, 114, 137, 187, 193, 213, 214, 272-273, 308; VII. pp. 96, 183; VIII. p. 203.EstudosBerthod, Aimé, “A Filosofia do Trabalho e da Escola”, in Proudhon e o nosso tempo, Chiron, 1920.Duveau, Georges, O Pensamento operário sobre a Educação, Domat, 1948, p. 145-159.

sócrates, desampara-me a loja, certo?


A parte traseira dum peugeot


Prestes a perder a cabeça!...


Novo penteado - proposta do Anovis


Exuberante vestido de primavera - proposta do Anovis


Neste momento no Egipto!...


esqueleto humano...


A diferença dos tempos, mas a mesma m...


Turcos unidos contra o fundamentalismo

De bebida alcoólica na mão, os turcos reúnem-se hoje nas praças das cidades para desafiar as leis islâmicas fundamentalistas dos «islamistas moderados» do partido AKP (no poder).

Ergam um copo à saúde deles…

Um povo desafia o seu ditador

Manifestantes egípcios enfrentam canhões de água e gás lacrimogéneo durante as batalhas generalizadas travadas no Cairo.

Pode ser o fim. É certamente o começo do fim. Por todo o Egipto, dezenas de milhares de árabes enfrentaram ontem gás lacrimogéneo, ganhos de água, granadas atordoantes e fogo real para exigir a remoção de Hosni Mubarak após mais de 30 anos de ditadura.

E quando o Cairo jaz ensopada sob nuvens de gás lacrimogéneo de milhares de latas disparadas sobre multidões densas pela polícia de choque, parece que o seu domínio se aproxima do fim. Ontem nenhum de nós nas ruas do Cairo sabia onde estava Mubarak – que mais tarde apareceria na televisão para demitir o seu gabinete. E descobri que ninguém se importava.

Eles foram corajosos, em grande medida pacíficos, estas dezenas de milhares, mas o comportamento chocante dos polícias à paisana de Mubarak – os battagi, a palavra significa literalmente "bandidos" em árabe – que batiam, golpeavam e assaltavam manifestantes enquanto os polícias observavam e nada faziam, foi uma desgraça. Estes homens, muitos deles ex-polícias viciados em droga, na noite passada foram a linha de frente do estado egípcio. Os verdadeiros representantes de Hosni Mubarak quando polícias uniformizados despejavam gás sobre as multidões.

Bispos e banqueiros são velhos companheiros

Tem interesse e ajuda a compreender o que no mundo actualmente se passa, recordar em traços gerais as afinidades que sempre ligaram as hierarquias religiosas aos altos postos e ao aparelho do capitalismo político e financeiro mundial. Necessariamente numa abordagem muito superficial e só para nossa informação.

A expressão igreja começou a ser usada na antiga Grécia vários séculos antes de Cristo. Designava conselhos eleitos entre os cidadãos com a finalidade de gerirem a polis ou cidade, conceito que depois evoluiu para a noção mais sofisticada de cidade-estado ou seja, cidade que era cabeça política de um território mais vasto.

Nessa fase tão recuada não havia grandes religiões organizadas. A igreja – uma estrutura de base popular – ligava-se no entanto aos mitos anteriores ao conhecimento científico e que sobreviveram depois no inconsciente colectivo como milagres. Atribuíam origens fantasiosas aos fenómenos naturais.

Ergue-te Egipto!!!


sábado, janeiro 29, 2011

O NEGRO E O VERMELHO

A PRESENÇA DO PROUDHONISMO NAS SOCIOLOGIAS CONTEMPORÂNEAS

Seria certamente falacioso de imaginar a prolongação de uma “influência” directa da obra de Proudhon nas ciências sociais actualmente. Um conjunto teórico também contestado, rejeitado nos estudos académicos, não pode, apesar dos 130 anos, constituir em legado fielmente transmitido e repetido.
As ciências sociais, e particularmente a sociologia, são, pelo contrário, reformuladas através das rupturas que eram simultaneamente rejeições aparentes da problemática proudhoniana. A ruptura de Durkheim, que foi tão importante para a história das sociologias em toda a primeira metade do século XX, é operada contra os filósofos sociais e as suas ambições excessivas. As críticas severas de Durkheim ao olhar de Auguste Comte ou de Herbert Spencer atingiram também, por alusão, os filósofos da história e os filósofos sociais nos quais Proudhon podia ser suspeito. Por outro lado, a ruptura no que diz respeito ao métodos de procura circunscritos e fragmentados, destría as audácias intelectuais doravante rejeitadas no domínio das ideias políticas. Enfim, a forte difusão do marxismo operou uma poderosa pressão para combater as teses proudhonianas.
Assim também, os sociólogos franceses contemporâneos não tinham sido trazidos a contar Proudhon entre os seus mestres a pensar, apesar dos esforços de Célestin Bouglé depois de Georges Gurvitch. Entre os autores do século XIX e do principio do século XX, estas são sobretudo as obras de Marx, de Weber e de Durkheim que substituiram este papel. Proudhon estava largamente ausente da formação dos sociólogos ao mesmo título que Tocqueville ou Le Play e para as razões diametricamente opostas.
Ora, nós apercebemo-nos, nas sociologias contemporâneas, um paradoxo singular. Se a obra de Proudhon é pouco presente, ao nível das referências explícitas, é impressionante ver surgir os temas, as questões e também as respostas que têm os caracteres de uma repetição de temas e de questões formuladas nos escritos de Proudhon. Mas estas reconquistas não são de modo algum idênticas nas diferenças sociólogas actuais, como tão, implicitamente, se perseguiram os debates, as aprovações e as rejeições, no que diz respeito às teses da anarquia bisontina.
Duas questões colocam-se-nos portanto e que nos querem tratar sucessivamente. Primeiramente, quais as sociologias que reencontram as questões ou os objectos de estudo abordadas por Proudhon ou certas teses? Esta interrogação conduz-nos a examinar nestes quatro sentidos paradigmas contemporâneas: o estruturalismo genético, a sociologia dinâmica, a aproximação estratégica e individualismo metodológico (1). Nós seremos conduzidos a sublinhar quantos diferentes paradigmas se opõem nas relações que nós podemos reconstituir com a obra proudhoniana.
A resposta à segunda questão será muito mais dificil. Na medida onde nós tinhamos colocado em evidência a presença dos temas proudhonianos em certos trabalhos sociólogos contemporâneos, como poderia ele explicar a presença do esquecimento? Sem dúvida não poderemos propôr, sobre este assunto, mais que hipótese.

O ESTRUTURALISMO GENÉTICO
Sem procurar estabelecer aqui uma lista exaustiva dos pontos de aproximação e de afastamento entre os trabalhos de Pierre Bourdieu e os escritos de Proudhon, é preciso sublinhar bem que as análises de Bourdieu – e é um ponto que os vai distinguir de três outras escolas que nós evocare-mos – conduzem a destacar, como junto de Proudhon, a divisão social em classes sociais. Os inquéritos que dizem respeito às práticas culturais (2), às desigualdades no sistema educativo (3) ou as estratégias de distinção (4), convergem para explorar em todas as suas consequências os efeitos, sobre os comportamentos e as representações, desta divisão da sociedade em classes e de dependência dos individuos a uma destas classes.
Mais, qualquer que seja a distância entre as concepções das classes junto dos autores, deve-se sublinhar que o esquema terciário de Proudhon, distinguindo a classe burguesa, a classe média e as classes operárias (5), encontra-se no termo dos inquéritos de Pierre Bourdieu que conduzem a distinguir a grande burguesia, a pequena burguesia e as classes populares (6).
Esta aproximação, apesar das diferenças e divergências, está carregada de consequências e inscreve Proudhon e P.Bourdieu numa certa tradição sociólogica na qual a originalidade é sublinhada pelos debates que o cercam fortemente hoje em dia. Nesta tradição que se pode qualificar de “classista”, no sentido em que ela sublinha a existência das classes enquanto realidades sociais, é também suposto que um certo conhecimento da totalidade social é acessível e que uma “ciência” pode ser constituída sobre esta realidade. Esta intuição fundamental atravessa a obra de Proudhon, que não dúvida que se possa aceder a este saber, como o de P.Bordieu que repreende esta permissa. E esta totalidade é conhecida através das suas divisões essenciais, através da “guerra” que opõe os proprietários e os não-proprietários (7), ou, através das lutas de distinção que opõem as diversas classes sociais (8). Nos grandes tratados, pode-se dizer que a sociologia de Pierre Bourdieu e dos seus colaboradores inscreve-se nesta grande tradição classista inaugurada por Saint-Simon, Proudhon e Marx, que concebe a sociedade como um sistema de classes antagónicas e como um total conhecimento através desta grelha de interpretação.
Nesta ampla tradição, os trabalhos de P.Bourdieu afastam-se fortemente da economia marxista quando eles se atrasam pouco sobre os carácteres económicos das diferentes classes e concentram as procuras sobre a própria cultura de cada classe, sobre as representações e as conduções simbólicas, acordando assim a maior importância aos benefícios de sentido e às dominações simbólicas.
P.Bourdieu reencontra assim um movimento de pensamento próximo do de Proudhon no que diz respeito à mesma concepção das classes sociais. Com efeito, mantendo tudo uma definição economista das classes nos termos de oposição entre proprietários e não-proprietários, Proudhon conclui que cada classe renovaria a sua própria cultura, os seus costumes, seus valores e também as suas ideologias (9). O conceito de habitação proposto por P.Bourdieu para designar os modelos de percepção e de prática, transmitidos ao sujeito, interiorizados, e fontes das reproduções pelos agentes das diferentes classes não é, certamente, um termo proudhoniano, mas corresponde bem às indicações de Proudhon sobre a transmissão e a reprodução das culturas de classe. E, mesmo que ele insista sobre as ilusões colectivas, sobre a importância das religiões, por exemplo, nos comportamentos e na renovação da hierarquia social, as análises de P.Bourdieu reencontram simbologias consideradas como um elemento maior das desigualdade sociais e da sua reprodução.
Um debate encontra-se portanto aberto a partir das premissas comparáveis e vai conduzir a uma oposição viva sobre os pontos de desacordo. Efectivamente, a questão que percorre toda a obra proudhoniana é seguramente a da acção política das classes operárias, questão que encontra a sua resposta na Capacidade política das classes operárias quando são claramente analizadas as condições que permitirão às classes dominadas emancipar-se a dominação capitalista (10). Sobre este ponto decisivo que retine sobre toda a concepção das classes, mas também sobre toda a interpretação da acção social, a resposta de P.Bourdieu, fundada sobre os diferentes trabalhos e inquéritos, é, pode-se dizer, aos antipodas das análises e das tentativas de Proudhon. Na visão dinâmica, mas também “operária” de Proudhon, creditando as classes “operárias” de intensas potencialidades revolucionárias, P.Bourdieu responde por uma análise das classes “populares” sublinhando sobretudo a desapossessão cultural e a ausência dos meios simbólicos de acção contra a exploração das quais elas são vitimas. Tudo se passa como se estas classes operárias portadoras das potencialidades revolucionárias desapareciam da realidade histórica para não deixar subsistir que as massas deculturadas nas quais Proudhon tinha assinalado a presença, não sem inquietação.
A oposição nesta análise encontra-se confirmada por duas respostas, opostas sobre o problema do determinismo. A resposta relativamente optimista de Proudhon que, não sem hesitação, eleva as margens da liberdade e do indeterminismo das condutas humanas, P.Bourdieu opõe uma resposta céptica insistente nos beneficios da força, no peso das desapossessões, no poder dos aparelhos de reprodução.
Não admira portanto que P.Bourdieu cita bastante os escritos de Proudhon. Estas citações sugerem bem a existência de uma problemática comuna sobre as classes, sobre as relações de dominação, os beneficios de sentido, mas elas conduzem sempre a uma denunciação polémica chamando as apóstrofes de Marx e rejeitando Proudhon nos suberfúgios da pequena burguesia (11).

A SOCIOLOGIA DINÂMICA
A segunda grande corrente da sociologia actual, a sociologia dinâmica, vai conduzir a todas as outras coclusões e a uma forte reavaliação da obra de Proudhon. Por este termo de “sociologia dinâmica” proposto por Georges Belandier, entendemos um conjunto considerável de trabalhos que colocam no centro das suas procuras o estudo das mudanças, das mutações, dos movimentos sociais, so tornar as sociedades. Os trabalhos de Georges Belandier, Alain Touraine, Cornelius Castoriadis, Jean Duvignaud, por exemplo, inscrevem-se nesta longa dependência do domínio feudal (12).
Estas procuras interrogam, não só as produções e os determinismos, mas a natureza e a extensão das transformações sociais, não só pelos niveis económico ou político, mas a todos os niveis e em todas as dimensões do social, reencontrando assim o grande questionamento de Proudhon. E, contrariamente a uma inspiração evolucionista simbolizada por Auguste Comte ou Herbert Spencer, estas sociologias actuais não se referem nem a uma teoria do progresso nem a uma filosofia de história. Como próximo de Proudhon, se a mudança é uma evidência e o objecto da reflexão, ele não é reduzido a uma imaginação do progresso ou a um historicismo. É preciso interrogar as mudanças e o seu sentido recusando as ilusões escatológicas e sem negar as possibilidades de decadência (13). O futuro permanece aberto às progressões e às regressões (14).
Ele não é excluído, contrariamente aos filósofos hegelianos ou marxistas, que estas mudanças, tão profundas sejam, façam aparecer as continuidades e as permanências antropológicas, e que assim surja o ecletismo de Proudhon procurando referenciar às vezes a permanência e as desordens sejam a via mais razoável para pensar exactamente e tomar a medida das mudanças.
O olhar antropológico, delectando as permanências para melhor pensar na mudança, encontra perfeitamente a sua pertinência nesta perspectiva. Georges Belandier, desempenhando as linhas de força de uma antropologia política e analizando as tensões que, aos seus olhos, atravessam todas as sociedades possiveis, reencontra, pode-se dizer, uma inspiração proudhoniana que não está nem fascinada pelas repetições nem fechada na ilusão do progresso, mas atenta a apanhar à vez o permanente e a mudança, o antropológico e a história (15).
Nesta concepção de mudanças, “a ordem social” deixa de ser um termo enfeitiçado e uma imagem da perfeição.
O sentido proudhonismo da desordem reencontra uma singular actualidade depois de tantas ilusões da ordem, seja questão das escolas conservadoras seja das escolas ditas revolucionárias. Para estes sociólogos das mudanças, como para Proudhon, a desordem não é necessariamente e somente destruidora; é preciso reconhecer o feito da desordem em ordem (16). A desordem não é, nesta perspectiva, um valor negativo, e a questão coloca-se em saber como se realizam as passagens e as transicções entre a ordem e a desordem.
Mais, a noção de ordem, como a da estrutura, é, nestas sociologias, o objecto de uma avaliação crítica. Duvida-se aqui que as estabilidades, as estruturas, a ordem, sejam as dimensões vivas do social suspeita-se voluntários que o feitiço da ordem renovada das ilusões inocentemente conservadoras. Sugere-se que a vida colectiva só se consagre na ordem e que, pelo contrário, o máximo de vida colectiva supõe o pluralismo, a diversidade, as iniciativas individuais e colectivas e que a verdadeira vida social é assunto desta multiplicidade de acções.
Uma desconfiança essencial aproxima portanto estas sociologias dinâmicas de inspiração proudhoniana: a desconfiança aos olhos das hierarquias e das estruturas estáticas. Ele seria, certamente, bem excessivo em qualificar de anarquistas as sociologias dinâmicas, mas elas renovam a desconfiança fundamental do proudhonismo aos olhos de toda a esclerosa social e, exemplarmente, ao olhar das hierarquicas. Como Proudhon, estas sociologias têm tendência a suspeitar em toda a hierarquia do resultado provisório de beneficios de força e um risco de imobilismo destruidor. Esta desconfiança coloca-se, em particular, sobre as estruturas estáticas, naturalmente consideradas como o símbolo da esclerose e da repressão (17).
Uma questão fundamental coloca-se para estas sociologias das mutações, as de saber como explicar estas mudanças e a partir das questões essenciais. Lá ainda, estas sociologias retomam as críticas proudhomianas aos olhos das respostas simples e, particularmente, ao encontro dos estadiemos. Com efeito, Proudhon, proclamando tudo, mantêm as renovações, a importância das transformações económicas, é vigorosamente céptica ao olhar das teorias redutivas fazendo das únicas estruturas económicas e da sua evolução as leis da história. E, mesmo, ele não se contenta com as teses de Comte sobre o papel exclusivo das “ideias” e dos filósofos. E, bem entendido, toda a sua crítica anarquista denuncia a ilusão segundo a qual as únicas forças políticas ou estáticas, e, menos ainda, os grandes homens, seriam os grandes agentes de história.
Como Proudhon, as sociologias das transformações não têm resposta unilateral a esta questão de explicação e, a exemplo do autor do Sistema das Contradicções (18), elas têm tendência a desconfiar das respostas dogmáticas sobre este assunto. Atentas à complexidade das transformações, elas multiplicam as aproximações e as respostas, reencontram, nestas nuances, as respostas diversas que Proudhon avançara e que podiam parecer confusas a estes contemporâneos. Os conceitos de contradicções, sistemas de contradicções dialécticas, antagonismos, oposições, resistências… que puderam parecer inutilmente complicadas aos leitores ávidos de respostas simples não deixaram de ser retomadas no vocabulário de sociologias atentas à inesgotável complexidade do real.
A noção de conflito é, para estes sociólogos, como era para Proudhon, uma noção maior de análise. O conflito económico nas relações entre o capital e o trabalho é amplamente reencontrado e sublinhado. Mas, este antagonismo não é de modo algum considerado como exclusivo. Como Proudhon o tinha bem sublinhado, o exercício dos poderes e das dominações não é menos gerador de conflitos e de resistências.
Elogiando-se resolutamente o economismo, estas sociologias dinâmicas estão atentas à pluralidade das contradicções, antagonismos, resistências, quer eles sejam de ordem económica, social, cultural ou simbólica. Os conflitos sobre as ideias e sobre os valores não são simples epifenómenos nos quais uma análise económica descobriria as fontes verdadeiras, mas bem os elementos de história mesmo que os sistemas simbólicos são uma dimensão das práticas sociais. Estas sociologias reencontram a intuição proudhoniana que faz da palavra um acto, e do acto um sentido: como escrevia Proudhon em 1849, “Agir, é sempre pensar; dizer, é fazer” (19).
As sociologias de acção (20) são sem dúvida as que perseguem mais estreitamente o projecto proudhoniana. Elas estão, com efeito, atentas aos conflitos e às contradições, e, mais, colocam no centro da sua reflexão as práticas sociais e a sua condição de emergência. Logo que Alain Touraine se interroga sobre as condições pelas quais um grupo, uma categoria social, pode aceder à acção e manifestar-se como “movimento social” (21), ele reencontra estranhamente as análises de Proudhon em 1865. Na Capacidade política das classes operárias, Proudhon coloca, efectivamente, a mesma questão: a de saber como uma classe real, objectiva, podia adquirir a “capacidade política” e portanto conduzir uma acção colectiva. Ele inaugura assim uma problemática tornada central nas sociologias modernas: a de saber como podia constituir-se e afirmar-se uma acção colectiva. E a sua resposta que teoriza a passagem da ecónomia à política pela consciência de identidade fixa, nos grandes tratados, uma resposta que está bem no centro das procuras contemporâneas.
Ele não está portanto surpreendido que a obra de Proudhon faça o objecto de uma leitura positiva no seio desta corrente de pensamento, mesmo se os detalhes dos seus escritos não façam o objecto de uma investigação devota da parte destas sociologias mais inquietas que analisar os fenómenos contemporâneos do que comemorar o passado. G.Balandier, depois G.Gurvitch, Alain Touraine, Edgar Morin, Claude Rivière sublinharam explicitamente esta filiação. Mais uma interpretação foi proposta pela obra de Proudhon que esboça uma explicação desta filiação teórica. Alain Toureine sugere, efectivamente, que duas tendências opostas teriam, depois do século XIX, dividido em classes operárias: uma, virada contra a organização de partidos e de sindicatos hierárquizados, e a outra virada contra a defesa da cultura operária e contra a acção operária autónoma. Proudhon teria sido o porta-voz desta segunda tendência e, por esta razão, o inspirador de uma sociologia de acção colectiva.

A SOCIOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES
É preciso prosseguir a nossa investigação e examinar mais precisamente como uma certa sociologia organizações prolonga, parece-nos, o pensamento proudhoniano. Não se pretenderá obviamente que a sociologia actual repita, ou examine as análises do passado; a aparição de fenómenos novos proibe suficientemente uma tal eventualidade, mas parece-nos que um espírito proudhoniano prossegue sem ambiguidade nas críticas modernas das escleroses organizacionais e das burocracias.
A questão de atelier, de empresa, como lugar de benefícios sociais específicos é bem uma questão essencial na reflexão de Proudhon. E se ele não satisfazia os apelos gerais a uma insurreição como os de Auguste Blauqui, é também porque ele estima essencial uma reforma radical das empresas elas próprias. Afirmar que a empresa deve substituir-se no governo, é simultaneamente colocar que a organização será o centro e o lugar fundamental da sociedade industrial. Logo que Michel Crozier sublinha que, na sociedade contemporânea, o feito determinante está bem constituído pela organizações industriais e administrativas, ele reencontra uma preocupação central de Proudhon.
Desde o Sistema das Contradicções, e acima as análises dos anos 1848-1851, Proudhon inaugura uma crítica veemente das organizações da sua época sublinhando o seu carácter hierárquico, escravizante para os produtores, e a ineficácia deste sistema opressivo. A sua crítica da desqualificação dos operários, no Sistema das Contradicções, toma um vigor que ela não podia ter junto de Adam Smith e seus discípulos em que esta destruição de saberes e de competências está associada a uma visão revolucionária que a apresente como remediável. Esta crítica entende-se a toda a organização do trabalho que não é somente denunciada pela apropriação do capital que lá se realiza, mas pela sua estrutura de dominação que inscreve os beneficios de poder e de submissão na empresa. A extensão das burocracias que não deixariam de realizar uma revolução comunista teria, para Proudhon, caracteres catastróficos tanto para as liberdades dos trabalhadores que seriam destruidos como para a eficácia da produção: a burocratização da economia conduzia necessariamente à “miséria” (22).
Pode-se dizer sem paradoxos, que as análises de Michel Crozier no Fenómeno burocrático (23) tornariam-se de Max Weber a Proudhon. E, sem dúvida, convinha-lhe corrigir, sobre este ponto, as histórias da sociologia que fazem de max Weber o primeiro sociólogo da burocracia. Então, com efeito, quando Max Weber destacava a racionalidade das leis e regras burocráticas e não estava longe de fazer da burocracia o símbolo moderno da racionalidade, Proudhon delineava, pelo contrário, ineficácia. É o que Michel Crozier propõe analizar que coloca no centro da sua análise os pesos, as ineficácias, os insucessos da burocracia, e não o seu funcionamento dito racional (24).
Nesta perspectiva, o fenómeno burocrático não é uma fatalidade e uma certeza de-burocratização é uma perspectiva realista. Proudhon, juntamente com michel Crozier e seus colaboradores, não encaram a sociedade utópica sem organização nem regulamentação. Mas, de forma realista, eles estimam que os defeitos da burocracia (e particularmente da burocracia “à francesa”) (25), podem ser reduzidos por uma reorganização fundamental das organizações.
Não se pretenderá que as proposições das sociologias actuais das organizações reencontrem, por escritos, o anarquismo proudhoniano, e seria excessivo fazer uma tal confusão; mas é marcável que o sentido global das proposições reformadoras reencontrem estreitamente a inspiração proudhoniana e a dos dois niveis.
A nível geral da ecónomia e da administração, um vasto acordo é feito sobre a urgência da descentralização, sobre a necessidade de quebrar as estruturas unitárias, fontes de desperdício, de ineficácia e de efeitos perversos (26). Os críticos que são contra a omnipotência do Estado, contra a expansividade sufocante das centralizações, renovam, com uma impressionante continuidade, as denunciações que Proudhon formulava desde 1846 quando ele afirmava que a centralização estática e económica conduzia necessariamente a ineficácia e à submissão dos produtores.
Ao nível dos benefícios sociais no seio da empresa, é marcante que os apelos de Proudhon é autonomia dos trabalhadores no seio daquilo que ele chama “as companhias operárias”, sua denunciação dos sistemas hierárquicos rejeitando os produtores na submissão e execução, tornaram-se actualmente os princípios de base das críticas aos olhos dos sistemas autoritários e despersonalizantes.
Sublinhemos bem que estas sociologias das organizações não reivindiquem qualquer dependência ao proudhonismo e que estes reaproximentos que nós destacámos aqui não façam parte da sua argumentação. Este silêncio é, ele mesmo, significativo e nós teremos a propôr uma interpretação.
Primeiramente, é preciso pararmos sobre o quarto paradigma que nós distinguimos: o individualismo metodológico. Esta última confrontação levará-nos para os elementos novos de reflexão.

O INDIVIDUALISMO METODOLÓGICO
Aos antipodes das sociologias de inspiração marxista, os sociólogos próximos dets corrente recusam toda a tenteção de fazer noções como “as classes”, “os povos”, “as nações” das entidades às quais se prendia consciência e realidade (27). O princípio fundamental dos métodos individualistas, sublinha Raymond Boudon, é afastar obviamente estas entidades e as ilusões que aí se colocam, tomando por primeiro objecto de observação, como unidade de referência, que o indivíduo, seus comportamentos e suas escolhas. Afastando toda a concepção “holista” fazendo da sociedade uma totalidade transcendente aos seus partidos e impondo-se aos indivíduos, opondo-se também à ilusão de descobrir determinismos sociais, o individualismo metodológico teria vocação para estudar os comportamentos individuais e de observar a emergência das regularidades a partir das condutas e das opções individuais.
A crítica do marxismo, e mais particularmente da sua vulgata, +e um objectivo privilegiado deste paradigma individualista: crítica do conceito de classe social objectiva, das ilusões da “consciência de classe” e da luta das classes, das “leis” da história, de historicismo…
Confrontada a teoria proudhoniana, esta crítica é bastante clara, e permite caracterizá-la melhor e substituí-la mais claramente relativamente às sociologias contemporâneas.
Ao segurarem-se primeiramente as teorias gerais da “força colectiva”, da “guerra” de classes, da trilogia das alienações, não se pode duvidar que Proudhon pertença a esta querela aos defensores da sociologia anti-individualista. O conceito de “força colectiva” que ele elabora desde 1840 (28) é uma boa característica desta orientação que os partidários do individualismo metodológico poderiam qualificar de “sociologista”. Proudhon quer demonstrar, por este conceito, que a reunião dos trabalhos individuais produz uma realidade particular, uma força real, que não se reduz à soma dos contributos individuais. E, sendo este fenómeno geral, Proudhon retoma seguidamente esta ideia que a sociedade é um ser, seja ele um sistema de contradicções, no qual convinha a realidade e as leis (29).
Uma tentação dos sociólogos individualistas é forçar a oposição entre “totalistas” e “individualistas”, como se todos os sociólogos das totalidades sociais se oposessem radicalmente às teorias individualistas e encontrariam-se enraizadas contra as ilusões deterministas, substancialistas ou essencialistas…
Ora se Proudhon é, sem contestar, um teórico das classes, das contradicções e dos conflitos sociais, ele foge contudo da dicotomia simples entre “holismo” e individualismo. E, talvez esta posição complexa explica ela, em parte, a presença dos temas proudhonianos nas sociologias modernas.
Se ele afirma, efectivamente, a existência de um sistema reparável de contradicções, e portanto a possibilidade de pensar a totalidade social, está ele convencido da existência das “leis” da história e faz do sujeito humano o brinquedo das forças económicas ou históricas? Pode-se duvidar: sua sociologia não conduz a um determinismo, poderia-se dizer, noutros termos, o seu anti-individualismo não conduz a negar as liberdades individuais. Que ele lá tinha uma posição original e heterodoxa, que Proudhon tinha podido, seguidamente, hesitar e lançar as fórmulas dificeis em conciliar, não se negará, mas é esta posição original (nem determinismo, nem individualista) que faz talvez a sua força teórica.
A ideia de “força colectiva” não é para confundir com uma realidade (uma “coisa” no sentido Durkheimien) e menos ainda com uma essência. A força colectiva não é um ser perceptível, convindo-lhe sobretudo considerá-la como uma “emergência” já que ela é produzida por uma única reunião activa dos trabalhadores. Também, como o diz Proudhon, se se pode dizer que ela tem uma realidade, é mesmo uma realidade que faz “parte” (30), não física, mas uma única ciência que os processos sociais poderia estuar.
Contudo, é preciso pensar que as contradicções sócio-económicas destruam integralmente as liberdades? Proudhon tenta manter aqui duas afirmações correspondendo a dois tipos de experiências sociais. De um lado, ele não deixa de retomar à análise dos contratos visiveís ou apanhados, económicos, políticos, ideológicos que pesam sobre os grupos sociais e particularmente sobre as classes operárias. Ele não visa demonstrar a existência de um determinismo histórico único e unilateral conduzindo a uma revolução, ele tende, mais exactamente a reparar a pluralidade das necessidades, a pluralidade dos determinismos nos quais a congruência favorece a aparição das rupturas históricas (31). Mas por outro lado, e é todo o seu contido do seu empreendimento crítico, ele esforça-se para demonstrar que as formas de liberação e de emancipação individual e colectiva são possíveis, como são possíveis as realizações de uma maior justiça. A noção de capacidade política é exemplar destas emergências de liberdades concretas. Como se vê no caso da capacidade política das classes operárias: os homens que foram dominados por contratos económicos, políticos e ideológicos, podem escapar a estas forças que os oprimem, escondem as potencialidades de emancipação e é também o papel de intelectual revolucionário do que facilitar a actualização destas liberdades.
Proudhon foge assim à dicotomia simples do determinismo e das liberdades. Se nós não reduzirmos o anacronismo, poderiamos pretender que as suas teorias comportassem argumentos contra a crítica individualista. Ele permanece contudo, apesar destas nuances e destas reservas,que o individualismo metodológico só pode reter, em primeiro lugar, na obra de Proudhon, os temas a criticar. A análise das classes sociais e o seu conflito, a denunciação das ilusões individualistas, a permanência da reflexão sobre a revolução social, todos estes grandes temas do pensamento proudhoniano, permanecem os objectivos de crítica para uma sociologia obviamente individualista, atacada no estudo dos comportamentos individuais e das interacções, e céptico aos olhares das reflexões sobre as rupturas revolucionárias.
No termo deste inquérito sobre a presença do proudhonismo entre as sociologias contemporâneas, chegamos portanto a uma conclusão complexa. Se existe um esquecimento relativo, junto dos sociólogos, nos textos e na carta dos trabalhos de Proudhon, há uma evidente permanência das suas teorias, em particular na sociologia dinâmica e, como nós a tinhamos visto, numa aproximação crítica das burocracias.
Esta permanência solicita, sem dúvida, muitas explicações complementares. Não se pode afastar completamente a importância dos trabalhos críticos, das multiplas reedições que, desde 1865, e apesar das hostilidades convergentes vindas de horizontes políticos opostos, não pararem de chamarem, de dar a conhecer e de actualizar o pensamento proudhoniano. A tradição anarquista não deixou de manter o interesse e de redizer a importância desta obra fundadora. Por isso, deve-se fazer parte de uma sensibilidade revoltada na qual Proudhon fou uma expressão privilegiada e que não deixou de prosseguir através dos dramas e dos eclipses da história.
Entretanto, parece-nos necessário dar à permanência dos problemas mais importância que à permanência dos escritos. Proudhon, efectivamente, colocou questões de ordem geral sobre a alienação no trabalho, na vida política, que têm um carácter universal e que assegura à sua denunciação uma forma permanente da actualidade. Mais precisamente, ele chocou com as realidades sociais que de modo algum desapareceram. A sua denunciação da burocracia de Estado conserva a sua actualidade ligada à permanência do seu objecto. Por isso a sua crírtica de Estado e de análise que ele faz do seu dinamismo centralizador, conserva uma larga parte da sua actualidade. É lá, parece-nos, que reside a razão essencial desta presença do proudhonismo nas sociologias que actualmente se interrogam sobre as dominações políticas ou sobre as lentidões burocráticas. Proudhon está, de alguma forma, presente pela sua permanência dos seus objectos de estudo. E, neste sentido, o desmoronamento do comunismo vem de novo reactualizar as suas análises.
Mas é preciso evocar também a permanência das aspirações que ele tinha tão vigorosamente exprimido. Com efeito, e não somente na Europa, o peso das alienações não deixa de renovar as resistências, as denunciações, as tentativas multiformes para escapar aos contratos sócio-económicos e políticos, para lá encontrar as curas, quer sejam moderadas ou mais radicais. As aspirações à autogestão, ao federalismo sócio-económico, às autonomias políticas, são os “fenómenos”, as realidades que as sociologias da mudança não param de reencontrar na sua observação dos movimentos sociais, as resistências multiformes às opressões. E, ainda lá, os sociólogos reencontram, sem se referirem explicitamente a Proudhon, os dinamismos sociais nos quais ele era o intérprete do seu tempo.
Isto não quer dizer que a obra proudhoniana seja retomada na sua totalidade. As páginas sobre a condição feminina são bem esquecidas, por exemplo, as histórias das ideias. Mas, pelo contrário, certos dos seus audazes permanecem incompreendidos e vão, de algum modo, mais além das sociologias contemporâneas. Assim, a audácia intelectual do sistema das contradicções que consiste em repensar sistemáticamente nas contradicções económicas e nas tensões sociais, fica hoje em dia numa reconquista já que as ciências sociais separam o estudo da ecónomia e o estudo da sociologia, e só ousam ir raramente mais longe destas fronteiras disciplinares. E por isso, não se saberia pretender que o impulso anarquista e denunciador de Proudhon encontre, nas sociologias actuias, o seu pleno eco. E, nisso, Proudhon permanece actualmente a imagem de um limite não-sincero, uma imagem crítica e, numa certa medida, uma obra incentivadora.


Nós tinhamos proposto esta classificação, necessariamente simplificante, numa obra consagrada aos sociólogos franceses dos anos de 1980-1990: Pierre Ansart, As sociologias contemporâneas, Paris, Edições do princípio, 1990.
Pierre Bourdieu e A.Darbel, O Amor da arte, Paris, Edições do Minuto, 1966.
Pierre Bourdieu e J.-C.Passeron, A reprodução, Paris, Ed.do Minuto, 1970.
P.Bourdieu, A distinção, crítica social do julgamento, Paris, Ed.do Minuto, 1979.
Este esquema ternário é constantemente retomado desde a Primeira Memória (1840) até à Capacidade política das classes operárias (1865).
Cf., por exemplo, P.Bourdieu, Boltanski, Castel, Chamboredon, Uma arte média, Paris, Ed.do Minuto, 1965.
Pierre-Joseph Proudhon, Sistema das contradicções económicas (1846), Paris, Marcel Rivière, 1923.
Pierre Bourdieu, A distinção, op.cit.
Cf., por exemplo, na Justiça na Revolução e na Igreja (1856), 6º estudo, “O trabalho”.
P.-J.Proudhon, A capacidade política das classes operárias, parte II, capítulo I.
Pierre Bourdieu, A distinção, op.cit., p.50-52, 424.
A lista de nomes que nós proposemos aqui não tem nada de exaustivo. Cf., P. Ansart, As sociologias contemporâneas, op.cit., Cap.II, VI e X.
P.-J.Proudhon, Da Justiça na Revolução e na Igreja, Paris, Fayard, 1988, 9º Estudo, “Progresso e decadência”.
Excluíremos aqui A criação da ordem (1842), na qual Proudhon permanece, provisoriamente, sob a influência de Auguste Comte.
Georges Balandier, A antropologia política, Paris, PUF, 1967.
Georges Balandier, A desordem; elogio do movimento, Paris, Fayard, 1988.
Cornélius Castoriadis, A instituição imaginária da sociedade, Paris, Ed.do princípio, 1975.
Proudhon, Sistema das contradições económicas (1846).
Proudhon, Confissões de um revolucionário (1849), Paris, Marcel Rivière, p. 193.
Alain Touraine, Sociologia da acção, Paris, Ed. Do Príncipio, 1965.
Alain Touraine, A voz e o olhar, Paris, Ed. Do Príncipio, 1978.
Proudhon, Sistema das contradições económicas ou Filosóficas da miséria, 9ª Época, “A comunidade”.
Michel Crozier, O fenómeno burocrático, Paris, Ed. Do Pr´ncipio, 1963
Ibid., “Introdução”.
Michel Crozier, A sociedade bloqueada, Paris, Ed. Do Príncipio, 1970
Michel Crozier, Estado modesto, Estado moderno: estratégia para uma outra mudança, Paris, Fayard, 1987.
Raymond Boudon, A lógica do social: introdução à análise sociológica, Paris, Hachette, 1979.
Proudhon, O que é a Propriedade?, 1840.
Célestin Bouglé insistiu fortemente sobre este aspecto tentando fazer de Proudhon um sociólogo pré-durkheimien; cf. A sociologia de Proudhon, Paris, A. Colin, 1911, p. 70-81.
Cf. Pierre Ansart, Sociologia de Proudhon, Paris, PUF, 1967, p. 17-30
Georges Gurvitch, Proudhon sociólogo, Paris, Centro de documentação universitário, 1955.

Sem dúvida que deve ser!...


Uma foto do norte de África...isto lembra o quê?...


Como toda a gente sabe...dá um grande resultado!



O povo revoltou-se contra o ditador na Tunísia...


e a revolta já chegou ao Egipto, a esfinge vai ser derrubada...


ao fim de trinta anos de opressão...


o povo exige a cabeça do ditador.


que quando sentir o rabo a arder...


vai procurar refúgio junto do seu amigo Ben Ali.


Em Davos os homens do grande capital estão reunidos...mas pensam mais nos ricos que nos esfomeados do mundo inteiro.


A última ceia


Vaticano preocupado com o aliado

O escândalo sexual protagonizado pelo PM italiano Silvio Berlusconi preocupa a Santa Sé, admitiu o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone. Segundo o cardeal, a Santa Sé “continua preocupada” com a acusação de prostituição de menores de Berlusconi e pediu “moralidade”. De acordo com documento divulgado por promotores, um número “significativo” de jovens mulheres se prostituiu para Berlusconi.

Comentário: A preocupação só aparece por se ter tornado pública.

Simples

Será pacífico aceitar que é irracional manter duas escolas públicas abertas uma ao lado da outra. E o mesmo julgamento será válido se em vez de duas escolas públicas tivermos lado a lado uma escola pública e outra privada paga com dinheiros públicos. Ora, dos 94 colégios com cortes nos apoios, 20 têm uma alternativa do Estado do mesmo grau de ensino a menos de 1 km e só 18 escolas privadas, das 94 com contrato de associação com o Estado, ficam a mais de 15 quilómetros de uma pública com o mesmo grau de ensino. Apenas nestas últimas é válido o argumento de que não há alternativas estatais próximas e, mesmo nestas, apenas se justifica o seu financiamento público se nelas se verificar o critério número mínimo de alunos que levou ao encerramento de tantas escolas por todo o país. Não há grande volta a dar a esta questão. Há pais que querem manter os seus filhos nestes estabelecimentos de ensino. Aceita-se. Pagos com o seu dinheiro. Simples.

EGIPTO: O POVO TOMA O DESTINO NAS SUAS MÃOS

O ditador decrépito decretou toque de recolher, mas ninguém o respeita. O povo sai às ruas em massa e manifesta-se. As sedes do partido do governo foram incendidadas no Cairo, em Alexandria e Suez. Junto ao palácio presidencial há uma dúzia de carros da polícia incendiados. Comissariados de polícia, idem. As tropas do governo saem às ruas com tanques, mas não atacam o povo. Em certos casos há até confraternização e os tanques são aplaudidos. As embaixadas dos EUA e Grã-Bretanha estão cercadas pelo exército, para evitar serem agredidas pela multidão em fúria. Na estação da CIA no Cairo, o ambiente é frenético. Tentam controlar os danos e impor a saída que consideram aceitável. Têm Al Baradei na manga. Querem mudar alguma coisa para que continue tudo na mesma. Mas as mensagens do Twitter dizem: Não queremos só derrubar Mubarak, queremos mudar o regime. É o que eles temem.
Para acompanhar os acontecimentos on line, veja

http://english.aljazeera.net/watch_now/
Front to Defende Egypt Protestors
http://www.mundoarabe.org/

O movimento de protesto no Egipto: "Ditadores" não ditam, obedecem ordens

O regime Mubarak pode entrar em colapso face ao vasto movimento de protesto à escala nacional. Quais as perspectivas para o Egipto e o mundo árabe?

"Ditadores" não ditam, eles obedecem ordens. Isto é verdade tanto na Tunísia como na Argélia e no Egipto.

Ditadores são sempre fantoches políticos. Os ditadores não decidem.

O presidente Hosni Mubarak foi o fiel servidor dos interesses económicos ocidentais e assim era Ben Ali.

O governo nacional é o objecto do movimento de protesto. O objectivo é remover o fantoche ao invés do mestre do fantoche. Os slogans no Egipto são "Abaixo Mubarak, abaixo o regime". Não há cartazes anti-americanos... A influência avassaladora e destrutiva dos EUA no Egipto e por todo o Médio Oriente permanece oculta.

As potências estrangeiras que operam nos bastidores estão protegidas do movimento de protesto.

Nenhuma mudança política significativa se verificará a menos que a questão da interferência estrangeira seja tratada de forma explícita pelo movimento de protesto.

A Embaixada dos EUA no Cairo é uma importante entidade política, sempre ofuscando o governo nacional, não é alvo do movimento de protesto.

No Egipto, em 1991 foi imposto um devastador programa do FMI na altura da Guerra do Golfo. Ele foi negociado em troca da anulação da multimilionária dívida militar do Egipto para com os EUA bem como da sua participação na guerra. A resultante desregulamentação dos preços dos alimentos, a privatização geral e medidas de austeridade maciças levaram ao empobrecimento da população egípcia e à desestabilização da sua economia. O Egipto era louvado como uma "aluno modelo" do FMI.

O NEGRO E O VERMELHO

TÓPICOS PARA UMA FILOSOFIA DO TRABALHO EM PROUDHON

O trabalho, longe de se opor ao progresso do pensamento filosófico, provoca-o e sustenta-o. Permite-lhe concentrar o seu foco na realidade total da vida humana. Para esclarecer a natureza de um trabalho que se inscreve simultaneamente numa perspectiva horizontal e vertical, a filosofia deve apelar para a ciência moderna tanto como para a antiga sabedoria, para a técnica revolucionária como para os valores essenciais. Só por este preço a filosofia do trabalho poderá dar conta da dupla dimensão do trabalho humano, que é devir histórico ao mesmo tempo que aventura espiritual.Para Proudhon a apologia do trabalho manual adquire um sentido polémico: "Certo operário, escreve em L'Avertissement aux propriétaires, despende mais inteligência a ferrar um cavalo que certo folhetinista a escrever uma novela". Sentindo as ameaças que a época moderna faz pesar sobre o artesanato ao qual este filho de cuteleiro se encontra ligado por todas as fibras do corpo e do espírito, insiste no facto de que toda a actividade artesanal empenha o homem inteiro e lhe permite desenvolver a totalidade das suas capacidades. É o exercício de uma profissão que constitui a verdadeira união do pensamento e da acção, da inteligência e da força. Sábio e homem de acção nela se reencontram, numa participação comum e consciente na obra."O Sábio participa na execução, pois é somente tendo em vista a execução que ele avança na descoberta; o homem de acção participa na ciência, porque, para executar o plano do Sábio, é necessário que adquira a inteligência disso."O progresso intelectual resulta do trabalho manual. É na luta contra as resistências da matéria que a mão leva o espírito a tomar consciência das leis que governam a natureza. Toda a vitória conseguida contra a dura forças das coisas é, ao mesmo tempo, a descoberta de um novo princípio de acção. Comecemos por ensinar o aluno a manejar instrumentos, a talhar as árvores ou as pedras, pois é a prática que engendra a teoria. "Virá o tempo em que a partir da prática se chegará à teoria. O homem, da especialidade que lhe é própria, pode sempre passar a outras e elevar-se às leis gerais da natureza e do espírito. O menor dos ofícios, apesar de nele haver especialidade e generalidade, abarca no fundamental toda a metafísica.Guiado pelo seu instinto plebeu, Proudhon encontra fórmulas de uma penetração e concisão admiráveis para por em relevo o valor humano do trabalho. A definição que dá na Création de l' Ordre dans l'Humanité tornou-se clássica:"O trabalho é a acção inteligente do homem sobre a matéria. O trabalho é o que destingue, aos olhos do economista, o homem dos animais; aprender a trabalhar é o nosso objectivo sobre a terra."O trabalho, na medida em que é humano, constitui esforço voluntário, consciente e reflectido. A diferença fundamental entre o homem e o animal reside, com efeito, no facto de que o homem, em vez de ser dominado pelos instintos, sabe conceber e aplicar um plano. O acto, antes de ser realizado pela mão, é previsto pelo cérebro.Foi muitas vezes sustentado que é a invenção do instrumento que constitui o acto de nascimento do homem. A matéria, que é a própria necessidade, torna-se sob a forma de instrumento um instrumento de liberdade. É graças ao instrumento que o ser humano ultrapassa os obstáculos que a natureza lhe põe e domina e organiza a matéria. É também a ferramenta que, para Proudhon, enobrece o trabalho manual. "Quanto mais o homem se aproxima da brutalidade, mais se enterra nas condições miseráveis que os filósofos do século passado designavam por estado da natureza, e mais é reduzido ao uso imediato dos próprios membros, por conseguinte menos de seu põe naquilo que faz, menos trabalha. O progresso da sociedade mede-se pelo desenvolvimento da indústria e pela perfeição dos instrumentos. O homem que não sabe ou não se pode servir de uma ferramenta é uma anomalia, um aborto; não é um homem."Poder-se-ia objectar que certos animais são muito capazes de inventar instrumentos e deles se servirem. Assim, para puxar um cacho de bananas que se encontra fora do seu alcance, os macacos de Koehler sabem fabricar "prolongamentos, encaixando dois paus um no outro. Mas se o animal consegue, por instantes, escapar ao automatismo, é para aí cair de novo, pouco depois. Trata-se sempre de uma construção imediata, devida a uma imaginação posta a funcionar passageiramente. Entre o homem e o animal há uma diferença de natureza e não apenas de grau. Só o homem tem a faculdade de arquitectar um raciocínio.A construção mental prévia é, pois, a tarefa essencial do trabalho humano. O homem pensa a obra antes de a realizar. É assim que o mundo que cria reflecte o seu espírito de uma maneira cada vez mais perfeita. Que conclusão tirar senão que o futuro está de algum modo nas mãos do homem, pois ele será como o homem o imaginar. Mas como derivação de condições materiais concretas. É realizando a obra que o meu pensar se concretiza, se altera, se materializa, se constrói. Só tem sentido o pensar por causa de uma acção. Da mesma maneira só tem sentido a comunicação se houver um receptor, mesmo que seja imaginário...O trabalho implica simultaneamente uma finalidade comunitária e uma finalidade pessoal. É pelo trabalho social que o homem conquista a liberdade pessoal. É pelo trabalho social que o homem conquista a liberdade pessoal. Ora, esta opõe-se à liberdade individual. Querendo libertar a indústria dos entraves que lhe impediam o desenvolvimento, o liberalismo económico tinha confundido os privilégios das corporações com os direitos do homem. Enquanto os primeiros se tinham tornado caducos e mereciam ser abolidos, os últimos são sagrados e imprescritíveis. Desde a Revolução Francesa, a colocação do trabalho fora do âmbito do direito é cruelmente sentida. Babeuf insurge-se contra a igualdade exclusivamente política, afirmando que não passa duma "bela e estéril ficção da lei", e propõe substituí-la pela "igualdade real", ou seja, a igualdade social.A própria máquina exerce sobre nós um efeito alienante; o seu ritmo é como uma nova e monstruosa cadência que nós nos esforçamos por introduzir na nossa vida. A alienação toma então a forma de uma vã e estéril agitação que Scheler estigmatiza, qualificando-a de "fanatismo do trabalho". O trabalho guia a nossa vida ao ponto de lhe excluir qualquer contemplação.É contra este mal dos tempos modernos que se revolta Nietzsche, numa página que não perdeu nada da sua actualidade. "Há uma selvajaria de índios na forma como os Americanos aspiram ao dinheiro: e o seu frenesim do trabalho - verdadeiro vício do Novo Mundo - começa já a contaminar a velha Europa e a espalhar uma falta de espírito totalmente estranha. A partir de agora, temos medo de repouso, a longa reflexão provoca quase remorsos. Pensa-se de relógio na mão, tal como se almoça com os olhos fixos na cotação da Bolsa. Vive-se como alguém que teme a todo o momento faltar a qualquer coisa. É preferível fazer seja o que for a não fazer nada, eis o princípio que também é uma corda que serve para estrangular toda a cultura e todo o gosto superior. Já não há tempo nem força necessária para as cerimónias, para a delicadeza, para todo o espírito de conversação e, de uma forma geral, para os tempos livres... Cada vez mais o trabalho se identifica com a boa consciência; a procura da alegria chama-se já necessidade de repouso e começa a ter vergonha de si própria... Ou pior ainda, pode-se chegar em breve ao ponto em que se cede à inclinação para a vida contemplativa sem se desprezar a si própria e sem ter má consciência."O carácter desumano do trabalho em que o homem deixa de se reencontrar porque ele o ultrapassa é nitidamente captado por Proudhon, quando verifica em De la Création de l'Ordre dans l'Humanité: "Os moralistas tiveram razão ao erguerem-se contra a divisão extrema do trabalho: que é um homem que sabe unicamente rodar a manivela, levar cestos às costas , pilar num almofariz, fazer a cabeça de um alfinete? Será cumprir a função essencial do trabalho reduzir assim o produtor ao papel de um martelo, de uma mola, de uma vela de moinho?" Ora, desde o tempo em que Proudhon escrevia estas linhas, a divisão do trabalho não cessou de progredir.Saint-Simon anunciara a hegemonia do industrial, isto é, do homem que participa na produção, e do sábio no seio de uma sociedade comandada pela máquina. É conhecida a célebre passagem que o conduziu diante dos juízos: "Se numa noite uma horrorosa desgraça fizesse desaparecer as personagens mais importantes da família real, os ministros e os altos magistrados, os Franceses chorá-los-iam porque têm o coração sensível, mas não resultaria daí uma verdadeira perturbação para a nação. Pelo contrário, o desaparecimento súbito dos principais sábios, industriais e banqueiros causaria um enorme dano à sociedade, porque esses são insubstituíveis."Os progressos da ciência e da técnica põem em causa, aos olhos de Saint-Simon, a hierarquia social. Evolução benéfica, que traz aos homens a liberdade. O governo (opressor) dos homens cede o lugar ao governo (libertador) das coisas. É com rara sagacidade industrial. Esquece-se, no entanto, de tirar daí as últimas consequências. O governo das coisas exige que os próprios homens sejam considerados como coisas. O industrialismo totalitário, se garante a liberdade material, não deixa de excluir a liberdade espiritual.A atitude reflexiva que, a partir da actividade humana, permite remontar até ao próprio homem, não é, contudo, uma aquisição da filosofia moderna. Foi já praticada e desenvolvida por Sócrates. Filho de um pedreiro e de uma parteira, ele próprio escultor, se acreditarmos numa tradição antiga, ele estende, com efeito, aquilo a que chama a tecnê, isto é, as técnicas operatórias, à totalidade da vida humana.O pensamento socialista do século XIX, além de insistir na exploração a que o trabalho dava lugar sob o regime capitalista, sublinhara claramente a influência desmoralizadora que a divisão do trabalho exerce sobre o operário, qualquer que seja, aliás, o regime económico a que está submetido. A sua principal consigna era a organização do trabalho destinada não só a por fim à exploração como também a revalorizar o trabalho humano. Dir-se-ia mesmo que é a restauração moral do trabalho que suplanta, nos primeiros socialistas, todas as outras reivindicações. Proudhon, em particular, não cessa de recomendar uma reforma total do próprio trabalho. A questão social ficará em grande parte resolvida quando se conseguir o tédio e embrutecimento do trabalho parcelar pelo interesse e a alegria de um trabalho "seriado na sua divisão". "O trabalho, escreve ele, como o Universo, como a Razão, só reveste formas puras e regulares se estiver agrupado, composto, seriado na sua divisão. Fraccionado em parcelas infinitesimais ou reduzido aos seus últimos elementos, o trabalho é para aquele que o executa algo de ininteligível, de embrutecedor, de estúpido."Esta solução poderá parecer utópica enquanto as duras necessidades da mecanização nascente se lhe opuseram. Ela toma o valor de uma profecia na nossa época, em que o emprego de aparelhos com múltiplos utensílios permite cada vez mais remodelar o trabalho. Tomar consciência desta nova tendência na técnica, favorecida pela electrónica e pela cibernética, é redescobrir o primado do homem e o valor do trabalho humano.O triunfo do trabalho parece completo. É ele que comanda os instintos sociais, económicos e políticos do nosso tempo; é ainda ele que lhes forja a armadura cultural. pode-se, no entanto, perguntar se o seu reino não está doravante ameaçado pela história. A humanidade conseguiu libertar-se progressivamente do trabalho e substituí-lo pelo lazer. Não será conveniente retirar ao trabalho a importância que lhe concedêramos e atribuí-la ao lazer, que é a sua antítese? Situar-se-á a liberdade fora e apara além do trabalho? Já Proudhon opusera ao tempo consagrado ao trabalho o tempo das "composições livres". Quanto a Marx, entrevê a possibilidade de um "domínio da liberdade" que "só começa lá onde acaba o trabalho que é determinado pela necessidade e a finalidade externa" e que encontra "situado para lá da esfera da produção material propriamente dita".É apoiando-se na vida espiritual que o homem toma consciência da sua actividade. O trabalho que, segundo a bela definição de Proudhon, é "a emissão do espírito", tende a deixar o espírito prisioneiro. Uma vez o espírito empenhado no trabalho, os laços que existem entre ele e o Absoluto, que é o seu lar, distendem-se e tornam-se invisíveis. É então que o lazer intervém a fim de libertar o espírito do trabalho. Pela meditação, graças ao lazer, o espírito retoma a sua liberdade fundamental, e, tendo tomado consciência da sua referência ao eterno, empenha-se novamente no trabalho. É deste modo que o lazer mantém entre o trabalho e o espírito um vaivém incessante, que progressivamente os encaminha para a perfeição. O trabalho transforma o mundo, enquanto o espírito o explica. A transformação do mundo não se pode realizar sem ser orientada por uma explicação do mundo. A explicação do mundo só se pode deduzir de uma transformação do mundo que a esclarece e justifica.