segunda-feira, fevereiro 28, 2011

O NEGRO E O VERMELHO

Proudhon: A propósito do mercado

Ter razão sozinho, em democracia, é proceder politicamente mal, pois é condenar-se à ineficiência, mas podemos assegurar por isso que o discurso que melhor se vende é politicamente justo? A democracia apoia-se no consentimento de todos os cidadãos, e não sobre o saber dos sábios, mas a invenção da democracia não é somente a duma arte de fazer prevalecer as opiniões maioritárias, é também a promoção da deliberação, do debate argumentado em vista de efectuar escolhas racionais.
Estamos longe hoje em dia de manter esta distinção necessária. Não somente a economia de mercado parece triunfar - haveria muito a dizer sobre o preço e as modalidades deste triunfo - mas ainda a lei da oferta e da procura e a justaposição dos interesses pessoais que se elevam em modelos políticos. O paradigma económico toma de assalto o paradigma político. O mercado sobre o contrato, e é doravante à luz da economia de mercado que pensamos a coisa pública, em lugar de colocar os apetites irracionais na base duma política pretensamente razoável.
Sobre as ruínas do marxismo, os liberais cantam vitória. Associando nos seus slogans a livre concurrência e a democracia, assumem o economismo mais medíocre… Não propõem eles “soluções liberais” ou o liberalismo económico exacerbado leva à secundarização do liberalismo político?
É bem o sentimento que inspira a leitura do pensador, Friedrich Hayek.
Em Droit, législation et liberté, Hayek empreende mostrar como a intervenção do Estado na vida social, com vista a nivelar as situações materiais, tende a fazer desaparecer as liberdades cívicas. Denunciando o construtivismo, quer dizer o projecto duma reconstituição voluntária da ordem social segundo os princípios da razão humana, enaltece um uso mais modesto da razão, que deve inscrever numa ordem natural, o descobrir o conservá-lo. O mercado participa desta ordem cósmica. É um mecanismo pelo qual cada indivíduo recebe informações sobre a integração possível dos seus projectos no corpo social.
É fácil reconhecer nesta aproximação um economismo e uma teoria da “astúcia da razão” em virtude da qual as iniciativas aparecem as mais despropositadas contribuem indirectamente ao cumprimento da racionalidade. Simples retorno à tradição liberal, diremos nós, mas mesmo se Hayek, explicitamente, reconhece a igualdade dos homens em direito, o seu anti-construtivismo ameaça as liberdades cívicas e políticas que pretende defender dos ataques dum Estado intervencionista. O sistema representativo, e o conjunto das instituições que se unem não são, numa perspectiva hayekena, que as formas, historicamente contingentes, da paz social necessária comércio querido. A teoria do contrato, e portanto duma autoridade soberana legítima, não é ela já suspeita por um anti-construtivismo racional?
O ultra-liberalismo Hayekiano repousa sobre uma profunda desconfiança acerca das capacidades humanas, acerca da vontade e da razão dos homens. A subvalorização de leis que presidem espontaneamente à vida económica e social - leis irredutíveis, as situações de monopólio mostram-no suficientemente bem, às únicas leis do mercado - é uma sacralização dos factos que torna absurdo toda a tentativa para instaurar uma ordem de direito. Logo que se torna neste extremismo desmobilizador, o liberalismo é nada menos que republicano.
Proudhon, preocupado em conhecer os factos para mudar a orientação do curso dos acontecimentos no sentido da justiça, estava bem longe desta renúncia, e dos seus esforços para articular, teoricamente e praticamente, racionalidade económica e racionalidade política, não perderam a sua actualidade.
Um século e meio após o artigo famoso de Pierre Leroux, “Individualismo e socialismo”, que apelava a uma nova economia política, aqueles de entre nós que o liberalismo selvagem não seduz estão confrontados à seguinte questão: É exequível ou não, tirar partido das leis do mercado para atingir fins que o mercado, espontaneamente, não procura alcançar?

Quem é este ET?


Pode ser uma solução...


Uma questão de perspectiva...


Uma ponte é uma passagem para o outro lado...


Trata-se do vosso sangue, não do meu!...

O deus é o dinheiro...

Às vezes sentimo-nos assim...

Quando os assalariados tiverem esta coragem na defesa dos seus interesses a situação do país muda…radicalmente!

Três homens contra 15 leões famintos!

O orgulho e a vaidade...


A palavra que não ousamos pronunciar por trás da revolta árabe

Logo após a invasão do Iraque em 2003 entrevistei Ray McGovern, um dos membros de um grupo de elite de responsáveis da CIA que preparavam o resumo diário de inteligência do presidente. McGovern estava no cume do monolito da "segurança nacional" que é o poder americano e havia-se aposentado com aplausos presidenciais. Na véspera da invasão, ele e 45 outros responsáveis sénior da CIA e de outras agências de inteligência escreveram ao presidente George W. Bush que os "tambores da guerra" não eram baseados em inteligência e sim em mentiras.

"Era farsa em 95 por cento", disse-me McGovern.

"Como é que eles conseguiram escapar sem punição?"

"A imprensa permitiu aos loucos escaparem sem punição".

"Quem são os loucos?"

"As pessoas que dirigem a administração [Bush] têm um conjunto de crenças, um bocado como aquelas expressas no Mein Kampf... elas eram mencionadas nos círculos em que me movia, no topo, como 'os loucos'."

Disse eu: "Norman Mailer disse acreditar que a América entrou num estado pré-fascista. Qual é a sua visão disso?"

"Bem... espero que ele esteja certo, porque há outros a dizerem que nós já estamos num modo fascista".

Em 22 de Janeiro, Ray McGovern enviou-me um email exprimindo o seu desgosto com o bárbaro tratamento da administração Obama para com o alegado denunciante Bradley Manning e a sua perseguição do fundador da WikiLeaks, Julian Assange. "Muito tempo atrás George e Tony decidiram que podia ser divertido atacar o Iraque", escreveu, "Eu disse com efeito que o fascismo já havia principiado aqui. Tenho de admitir que não pensei que isto ficaria tão mau assim rapidamente".

A sustentabilidade do SNS e o "modelo" da presidente da ES Saúde

– ou como destruir o Serviço Nacional de Saúde
– ou como transformar a saúde num grande negócio financiado pelo Estado
No dia 24/2/2011, foi feito o lançamento do primeiro número dos "Cadernos de Saúde e Sociedade", revista coordenada pelo Dr. Adalberto Fernandes e aberta a várias correntes de opinião que procura promover o debate objectivo sobre os problemas da saúde em Portugal, em que estivemos presentes. Para essa sessão foi convidada como conferencista a engª Isabel Vaz, presidente do grupo Espírito Santo Saúde, que aproveitou a ocasião para apresentar o seu "modelo" para a saúde em Portugal que, segundo ela, garantiria a sustentabilidade do SNS.

Interessa conhecer e analisar esse modelo, até porque é aquele que os grupos privados da saúde defendem e a que o PSD, na sua proposta de revisão da Constituição da República que apresentou em 2010, dá cobertura. Por outras palavras, é um "modelo" que tem importantes apoios quer a nível dos grupos económicos quer junto dos partidos da direita.

Mas antes de o analisar interessa ter presente alguns dados sobre os grandes grupos privados da saúde em Portugal, até para que a questão seja devidamente contextualizada e compreendida.

Em Portugal, os principais grupos privados de saúde são a Espírito Santo Saúde, HPP Saúde e a Mello Saúde que detêm 70% da quota de mercado privado da saúde. A Trofa Saúde e a AMI - Assistência Médica Integral são líderes de uma segunda linha de unidades independentes do foro bancário. Estes grupos tiveram, em 2009, um volume de negócios que, segundo os respectivos relatórios e contas, atingiu 641 milhões €, repartidos da seguinte forma: HPP do grupo CGD: 143 milhões €; ES Saúde do grupo Espírito Santo: 185 milhões €; José Mello Saúde : 254 milhões €; Trofa Saúde : 59 milhões €.

domingo, fevereiro 27, 2011

O NEGRO E O VERMELHO

PROUDHON E A EUROPA

É a partir de uma longa reflexão sobre a questão das nacionalidades tão delicada do seu tempo e desde já temível, que Proudhon veio à Europa.
Desde a época dos seus primeiros escritos, desde então as suas reflexões sobre a propriedade parecem monopolizá-lo, ele confia a um amigo o seu desejo de compreender, desde que ele o possa, suas procuras para o bem de outros assuntos, entre os quais ele inscreve “a psicologia das nações” (Carta a Micaud, de 18 julho 1841). Suas obras posteriores não transmitem vestígio mas pode-se acreditar que a sua curiosidade universal registaria desde já, quase sem ele saber, as observações que transportarão muito mais tarde os seus frutos.
Em 1848, ele cede – com uma exaltação com a qual ele se denunciará, não sem excesso de outro modo, por consequência – ao admirável ambiente pela causa da liberação dos povos. Como, efectivamente, o seu sentido profundo das autonomias, o seu culto pela liberdade e pela justiça, não teriam eles arrastado àquele entusiasmo aos olhos do grande impulso que parecia erguer a Europa contra as opressões seculares? O movimento ganha admiravelmente, escreve ele. Diz-se que a Bélgica está constituída numa república (…). Com a Bélgica, a Suíça, a Itália em breve, existirá uma federação de repúblicas bem grandiosa para pronunciar a guerra estrangeira quase impossível” (Carta a Maurice, de 26 Fevereiro 1848). E, na carta seguinte, ele argumenta o seu pensamento; “Como eu vos dizia, a confederação das repúblicas europeias forma-se e nós não teremos diante de nós a questão social. É certo.” (no mesmo 21 Março).
Primeira intuição do federalismo… Mas, tudo imediatamente, primeiras reticências de um espírito nunca descansado e social de não deixar tomar o passo ao sentimento sobre a razão. Porque, a lufada de emoção apagada. Proudhon empreende a análise do príncipio nacionalitário e ele discerne depressa os equívocos. Sob a mentirosa aparência dos significados, escondem--se com efeito duas realidades fortes diferentes e praticamente contraditórias. De uma parte a reivindicação pelas comunidades oprimidas do direito de se governar livremente e de estabelecer relações com quem elas entendem; mas, por outro, a afirmação que existe nas afinidades “naturais” entre tantos e tantos grupos separados pela história e, consequentemente, a reivindicação por estes grupos de um Estado unitário que assemelhava-se contra todos os outros.
Entre a aspiração produtiva à “autodeterminação” e a vertigem da fusão, entre a dignidade colectiva e a vontade de poder, é difícil de fazer a partilha agradável de prever o que lhe arrebatará. Proudhon reconheceu, sob a sua máscara democrática, a última transformação do inimigo de sempre, que se chama César ou Napoleão, monarca absoluto ou povo soberano. Governo por governo, opressão por opressão, mais valiam então as velhas monarquias que não iludem ninguém. Enquanto “o que chamamos hoje em dia restauração da Polónia, da Itália, da Húngria, da Irlanda (…) é a ilimitação monárquica com aproveitamento da ambição democrática; isso não é a liberdade, menos ainda o progresso” (Justiça, II, p.289).


A CENTRALIZAÇÃO, EIS O INIMIGO

As existentes pretendidas “realidades” sobre as quais se baseam a aspiração unitária só existem na imaginação simplificadora daqueles que leêm a história ao contrário. A verdade é que ele não existe mais, desde os milénios, de povo homogénio da Europa. Proudhon não parece ter conhecido os pontos de vista racistas de Gobineau, do qual sai o sucesso que elas deviam reencontrar na Alemanha. Mas pode-se pensar que ele próprio não inventou o necessário para os refutar, tanto que elas iam ás vezes contra a evidência dos feitos e contra a base do seu pensamento.
Quanto ás pretendidas “fronteiras naturais” das quais os teóricos nacionalistas faziam uso moderado, ele tem-nas estudadas de muito perto, empreendendo ao assunto vastas leituras que o deviam conduzir aos pontos de vista originais e, de boas maneiras, avançando sobre o seu tempo; ele também tinha sido sedentário, ele estenderá, antes de deixar a Bélgica, ao fazer uma viagem ao longo do Reno unicamente para completar, sobre o terreno, suas procuras. As suas conclusões, se ele tem necessidade, confirmam-se: por toda a parte os limites arbitrários entre Estados não só se dividem mas, pelo contrário, atravessam regiões de povoamento por partes muito semelhantes. É, diz Proudhon, que os agrupamentos humanos são originariamente fixados seja, como aqui, seguindo-se a passagem dos grandes rios, seja algures a partir dos desfiladeiros da montanha. É por isso que os grandes conjuntos “produto da política mais ainda do que da natureza” que pretendem ocultar-se nos altos muros da soberania – como os proprietários atribuem um direito absoluto sobre uma parcela do solo comum – longe de ligar entre elas as afinidades separadas, decidem pelo contrário no tecido vivo das comunidades humanas. Estas centralizações ditas nacionais, e que são na realidade estáticas, esforçam-se de provocar o entusiamo para uma liberação abstracta desde que elas representem frequentemente, como na Polónia, o último sobressalto das grandes feudalidades; em todo o caso, elas não se podem estabelecer mais suprimindo o que substia ainda das liberdades locais e pessoais:
“O primeiro efeito da centralização, não se move aqui de outra maneira, é de fazer desaparecer, nas diversas localidades de um país, toda a espécie de carácter indígena; enquanto se imagina por este meio exaltar na massa da vida política, destrói-se as suas partes constitutivas e até aos seus elementos. Um Estado com 26 milhões de almas, como seria a Itália, é um Estado no qual todas as liberdades provinciais e municipais são confiscadas com o objectivo do lucro de um poder superior, que é o governo. Lá, toda a localidade deve calar-se, o bairrismo silencioso: fora o dia das eleições, no qual o cidadão manifesta a sua soberania por um nome próprio escrito sobre um bolhetim, a colectividade é absorvida pelo poder central(…). A fusão, numa palavra isto é, o aniquilamento das nacionalidades particulares, onde vivem e se distinguem os cidadãos, numa nacionalidade abstracta na qual não se respira nem se conhece mais: eis a unidade” (A Federação e a Unidade na Itália), pp.98-99).
E que não se venha prometer, com uma inacreditável ligeireza, como o fazem Mazzini e seus amigos nacionalistas europeus, que depois de ter fragmentado as continuidades naturais para as recompor em grandes conjuntos nacionais nos quais o orgulho é o único fundamento, obter-se-à das suas nações que elas abdiquem uma vez das suas prerrogativas, para se assemelhar pacificamente sob a bandeira de alguma repíblica europeia! A Europa dos Estados é um mito, bem como a Europa unitária. Ou ela se dissolveria na incapacidade, pela regra da unanimidade; ou ela aboleria, seguindo a lógica centralizadora, a hegemonia de um super-Estado que seria ainda mais opressor que os outros, se não fosse impossível:”…ele não é a santa aliança, congresso democrático anfictiónico, comité central europeu, que lá pode qualquer coisa.
Depois dos grandes corpos assim construídos há necessariamente interesses opostos: como eles não se querem fundir, eles não podem mais reconhecer a Justiça: pela guerra ou pela diplomacia, não menos imoral, não menos funesta que a guerra, é preciso que eles lutem e que eles se combatam (…); é isto que explica porquê a monarquia nunca pôde representar-se universalmente. A monarquia universal é na política o que a quadratura do círculo ou o movimento perpétuo é na matemática, uma contradição (…); se o poder é exterior à nação, ela sente-o como uma injúria; a revolta está em todos os corações: a instituição não pode durar” (Ideia Geral, pp.333-334).
A Europa de Proudhon está também afastada das mensagens parlamentares que das iluminações dos místicos. Isto não é nem uma combinação diplomática nem uma entidade puramente verbal mas uma realidade política, económica, social – numa só palavra humana – que tem o seu passado, o seu presente e, por conseguinte, o seu futuro. Ele entende-a como um todo harmonioso, uma “união” (Carta a Chandey, 11 Abril 1859) que descança sobre uma civilização comum e, sobretudo, sobre um estado de direito, ou seja um ajustamento reciprocamente garantido das forças e uma identidade dos príncipios.

CONTRA A RUÍNA DA EUROPA

É porque, Proudhon o revolucionário (mas ele sempre disse que ele entendia este desenrolar como aquele de uma artífice da ordem) está tão firmemente partidário dos tratados de 1815, no grande escândalo dos republicanos e dos autocrátas que uniam-se para os denunciar. Estes tratados não fizeram, aos seus olhos, mais do que coroar um século de esforços modestos, mas produtivos, para estabelecer um equílibrio europeu sobre as ruínas do velho sonho unitário da cristandade. Ora ele está sempre sujeito a modificar uma ordem, a menos que não esteja à vista de uma ordem superior. O equílibrio é a forma prática da justiça e a justiça não se faz com as palavras, menos ainda com preferências sentimentais. Aqueles que afirmam que os tratados de 1815 ”deixaram de existir” não propõem, para os substituir, mais que um estado de desiquílibrio e de conflito permanente.
Os tratados de 1815 são “o esboço da constituição da Europa” (Da Justiça, II, p.315); se eles não foram aplicados “a verdadeira táctica para os amigos da liberdade, era recordar sem parar os soberanos ao espírito e ao respeito dos tratados”, “porque há sempre mais a perder do que livrar-se de uma lei necessária, a respeitá-la na sua aplicação, mesmo na mais imperfeita. Ora, entre populações aglomeradas, como aquelas da Europa moderna, um direito das pessoas, uma legislação internacional é necessária, já que as relações não podem ser quebradas …”. “Mas, se a Itália chegar a fundar a sua unidade, as condições do equílibrio são mudadas pela Europa. No estado de guerra onde ele é forçada a se conter, ele não chega mais à França da anexação de Nice e de Savoie (…) é necessário um suplemento se compensações. A unidade na Itália significa a França no Reno, desde Bale até Dordrecht. Porque se os tratados não garantem mais que o equílibrio, ele refere-se a si mesmo, e nenhum poder o saberia impedir. O equílibrio é a própria justiça: é o direito das pessoas, apesar das fronteiras naturais e das nacionalidades. Uma vez começado, o movimento compensatório não se prende mais (…). “Assim, no pensamento superior de 1815, os dois grandes príncipios do equílibrio dos poderes e da instituição das garantias constitucionais estavam ligados um ao outro e solidários: atentar contra este, era comprometer aquele; ameaçar uma nação nas suas liberdades, era fomentar a guerra universal” (Ibidem, pp.316, 317, 320, 321).
E, quanto mais a folia política das unidades enganadoras e do autêntico imperialismo se persegue, mais claramente aparece a Proudhon o que serão as suas trágicas consequências: a guerra entre Estados europeus ou a guerra civil europeia. Ele tem, para as denunciar, os acentos proféticos; mas, não nos iludimos, esta visão exacta do futuro não é somente o feito de uma angústia. Ela só deriva da apreciação lúcida dos efeitos directos e das consequências longínquas de uma falsa filosofia da história: “A velha Europa precipita-se contra a ruína; (…). Nós marcharemos para uma formação de cinco a seis grandes impérios tendo todos como objectivo defender e restaurar o direito divino e de explorar a cidade plebeia. Os pequenos Estados são sacrificados à partida (…). Então, não existirá na Europa nem direitos, nem liberdades, nem príncipios, nem costumes. Então também começará a Grande Guerra dos seis grandes Impérios uns contra os outros (…). A Europa culpada será castigada pela Europa armada. (…) Por toda a parte, eu vejo as guerras nacionais, não as guerras políticas da origem” (Correspondência X, 3 Maio 1860, pp.38-39 e 3 Maio 1860, p.47). Eis o estado da Europa, esquartejada entre as suas contradições sociais e políticas, atormentada entre “o príncipio da nacionalidade, o mesmo das fronteiras naturais, o direito dinástico, o direito feudal, as constituições, as autonomias… bem misturadas, confusas “que só os canhões, a última conta directiva, poderão decidir nesta inexplicável confusão. A Europa procura a sua unidade sem querer, nem poder, renunciar às suas diversidades. Um príncipio de ordem, mais inspirado na astúcia do que na sabedoria, apareceu lá; o funesto fermento da nacionalidade, inventado pela França revolucionária tanto quanto imperial, e comunicado por ela a todos os seus vizinhos, está em vias de o destruír. A Europa quer viver, mas ela ainda não existe. O empirismo, o provisório e os mais temíveis equívocos mantem-na à beira do abismo: “A Alemanha procura a sua federação: doença do mundo, se ela vier a tombar na rotina unitária! A Prússia debate-se entre a sua democracia e a sua dinastia; (…) A Itália prejudica-se da reunião das suas provincias; a Bélgica, com o objectivo do parlamentarismo, maldito clerical e liberal, e revolta-se contra as suas velhas instituições comunitárias; (…) a Inglaterra parece estar bem, tanto mais que ela explora o mundo: mas mudem a sua condiçâo económica; e ela cai na combustão: quanto a nós; franceses; mais avançados que os outros; estamos em plena dissolução” (Contradições Políticas, pp. 145,146,149).

A REVOLUÇÃO DO DIREITO

Face a estas confusões, sucessivamente cínicas e humanitárias, que preparam os despertares sangrentos, Proudhon, fiél ao seu método, esforça-se para remontar aos príncipios e de colocar as questões em termos simples e rigorosos, mas não rígidos nem simplistas.
Do que é que ele se agita? As fronteiras, os Estados, todas as futilidades nacionalistas, não são, o melhor dos meios. A própria Europa não é um fim em si. São os homens que contam. Só a justiça e a liberdade, seu corolário, podem ser procuradas como objectivo.
Quer-se realmente o progresso, a elevação de uma ordem mais equitativa, e não, sob diferentes palavras, a eterna escravatura? Preocupemo-nos então com o que lá se conduz, no lugar de se estimular para o afastar. Criar novos Estados, com novas bandeiras, não mudará nada os privilégios de classe ao interior destes Estados. Convencer as nacionalidades que elas são oprimidas para fazer dos opressores, não suprimerá a exploração do homem pelo homem. Que as dinastias hesitantes e as aventuras incertas não se preocupam com estas contradições, é normal. Mas que republicanos, democratas, ou chamado, não veêm a cilada, o que será desesperante, se, desde há muito tempo, a vida destes demagogos não fosse revelada. O movimento das nacionalidades pretende-se revolucionário mas, na realidade, aqueles que o dirigem não fazem mais do que enganar os povos iludindo as suas verdadeiras esperanças. Aqueles homens não querem a revolução, eles têm pena; eles só procuram instalar a antiga desordem num novo caderno que os favorecem. Proudhon depressa fez desembocar nos mais entusiastas nacionalistas um novo alibi do incorrigível reformismo:
“Aqueles que falam tanto de restaurar as suas unidades nacionais teêm pouco gosto pelas liberdades individuais. O nacionalismo é o pretexto do qual eles se servem para evitar a revolução económica. Eles fingem não ver que é a política que fez cair na tutela as nações que eles pretendem hoje em dia emancipar. Porquê recomeçar estas nações, sob a bandeira da razão do Estado, uma prova alcançada?”(Da Justiça,II,p.289).
Se se atingia aquilo que é, segundo a análise de Proudhon, a primeira e a principal questão - a da propriedade - a solução do irritante problema das nacionalidades será fornecer como por acréscimo:”Deêm aos povos as liberdades que eles reclamam; executem, ó príncipes, segundo o seu verdadeiro espírito, os tratados de 1815; façam ainda melhor, preparem a definição do direito económico, e avisem-me que vós não entenderam apenas falar das nacionalidades e das fronteiras naturais” (Da Justiça,II,p.323). “ Ele é, com efeito, da económia política como das outras ciências, ela é fatalmente a mesma por toda a terra(…) cujo governo tornou-se inútil, todas as legislações do universo estão de acordo. Não existe mais nacionalidade, mais pátria no sentido político da palavra. Não há mais lugares de nascimento” (Ideia geral,pp.328-329); “a compenetração livre e universal das raças sob a lei única do contrato, eis a revolução” (ibidem,p.232). A Europa unida, o mundo unido, e o direito, não são mais que uma mesma realidade.

A AUTONOMIA, FUNDAMENTO DA EUROPA

Tal é a hipótese mais geral que Proudhon fixou nas suas pesquisas. Mas ela não forma o projecto, nem o termo. Se ele nunca a recusou, ele não deixou de se inclinar atentivamente sobre as estruturas que poderão dar-lhe vida; e ele tem pouca dúvida que, se o tempo o tivesse deixado, ele teria impelido ainda as suas proposições concretas. Da anarquia universal ao federalismo europeu ou, mais exactamente, contra a anarquia pelo federalismo; é a fórmula que parece resumir melhor o último estado do pensamento proudhoniano.
Porque Proudhon não é de modo algum, como o pretendiam os adversários sem grande informação e sobretudo sem boa fé, um defensor de imobilismo, um revolucionário”pequeno burguês” que, finalmente, se reune na desordem estabelecida. A menos que o realismo não seja uma qualidade especificamente da (pequena) burguesia! E por outro modo, ele respondeu “ chamem-me como desejarem: eu não me aborreço nada” (Se os tratados …p.420). Enfim, o que abomina é a mudança pela mudança ou, o que volta ao mesmo, as “cosmogonias” das ideologias de todas as margens, que são às vezes inaplicáveis e catastróficas. Se ele defendeu os tratados de 1815, não é de forma alguma o que ele tinha ignorado das imperfeições e das hopócrisias; menos ainda porque ele considerava-os como” a última palavra do direito das pessoas”. Mas porque ele sabia que aquela explosão terrível e que aquelas negações da justiça resultariam da sua revisão.
Os tratados de 1815, mesmos resultados de uma série de ajustamentos sensatos em vias de estabelecer a paz na Europa, asseguram progressivamente um equílibrio entre poderes, desde que formularam as regras de uma garantia mútua deste equílibrio pelos Estados, que renunciaram assim toda pretenção hegemónica. Principios baseados sobre aqueles que Proudhon fundou todas as suas concepções em matérias filosófica, social e política: quando ele as vê realizadas, fê-las parcialmente, nos benificios europeus, ele só as pode aprovar. Mas ele quer completá-los por um terceiro príncipio que será o coroamento da instituição: o da autonomia. O que é bom, com efeito, nos benificios entre Estados, deve sê-lo também pela constituição interna destes Estados. Não é nesta condição que a justiça será respeitada a todos os nivéis da pirâmide humana, e tão somente na sua base nos benifícios entre individuos ou no seu extremo nos benifícios entre grandes poderes que se respeitam unicamente porque elas se respeitam.
“ Toda a aglomeração de homens, compreende num território claramente circunscrito, e podendo aí viver uma vida independente, é predestinado à autonomia” (Novas observações, p.211). Eis o axioma, homólogo daquele dos direitos do homem sobre o qual deve repousar o direito social. E, primeiro, na Europa, pátria do direito. Desde de logo que seria respeitada esta regra primordial, as questões de nacionalidades e de fronteiras, tão equívocas no regime actual dos estados, tomariam o seu sentido verdadeiro e tornariam solúveis. Proudhon, depois de ter batalhado tanto contra as reivindicações nacionais, encontra marcas paulinianas para os defender a sua volta: eles são pela independência, eu também… eles são pela Europa das pátrias, eu também! “À excepção de um, muitos outros falam sem os conhecer, eu inclino diante do príncipio da nacionalidade como diante daquele da família: é justamente por isso que eu protesto contra as grandes unidades políticas, que não me parecem ser outra coisa senão confiscações de nacionalidades” (Novas Observações…, p.219).
As nacionalidades assim reconhecidas e o falso príncipio da soberania dos grandes estados (impropriamente chamados nações) anulado pela redistribuição da soberania, a unidade poderá fazer-se, sem fusão nem hegemonia, pelo reconhecimento e garantia mútuas das autonomias. A primeira, e finalmente a única condição da federação europeia é assim que ela mesma seja composta de federações, desde as mais pequenas comunidades capazes de autonomia até ás maiores. Neste conflito igualitário, Proudhon não hesita, por outro lado, em reconhecer o Ocidente, uma preponderância, não de direito mas de impulsão, razão do seu longo passado civilizado. Ele não apanha mesmo o local que ele queria ver reservado à França, num texto que a sua actualidade nos autoriza a citar, primeiro que muitos outros conhecidos: “Ele está certo (…) que a Europa é uma federação de Estados que os seus interesses pareciam solidários, e que nesta federação, fatalmente ameaçada pelo desenvolvimento do comércio e da indústria, a prioridade de iniciativa e a preponderância surgem a Ocidente. Esta preponderância (…) o interesse da nossa conservação, bem mais que aquele da nossa glória, comanda-nos de a retomar. Quer-se, com este objectivo, proceder pela via das conquistas ou por aquela das influências? Quer--se que a chave do Estado francês seja o Presidente da República europeia ou, se se ama melhor, deixá-lo apanhar a oportunidade de tornar-se a monarquia, ao riso de uma terceira invasão e da dilaceração da pátria?” (Filosofia do Progresso, antes-proposto p.p.39-40).
Mesmo que ele tenha esta preponderância e esta escolha, nada seria mais contrário ao pensamento proudhoniano que a ideia de uma Europa limitada na extensão e, a razão mais forte, dominadora na sua inspiração. Todo o nacionalismo europeu é, por definição, estranho ao autor do Príncipio Federativo que foi o primeiro, e que é estacionário aquele da Justiça visto que, segundo ele, “O federalismo é a forma política da humanidade” (Justiça, II, p.288), suas conquistas pacíficas uma vez estabelecidas não poderão ouvir-se pouco a pouco, pela força de uma atracção invencível, até que a “hora tenha soado na federação universal, na qual toda a evolução histórica deve resolver-se” (Correspondência, XII, p.88).

Já tinha reparado!


Tirem-me isto daqui!!!


Aí! É aí mesmo que o piolho me morde!...


o imperialismo norte americano


O que andará o sócrates a tramar?


moda primavera jovem - proposta do Anovis


Adeus lénine...


gráfico da economia sob o capitalismo


revolução...


Religião nos Censos 2011


Este ano é ano de censos em Portugal. Os censos são uma ferramenta indispensável e cientifica que nos permite não só analisar a realidade presente como também verificar tendências, movimentos sociais, lacunas de infraestruturas, alterações ao tecido social, entre muitas outras análises possíveis. Através de correlações, podem averiguar-se relações de causa/efeito que sem os dados fornecidos pelos censos serão impossíveis ou pelo menos muito difíceis de vislumbrar. Num país moderno e organizado, as informações estatísticas fornecidas pelos censos devem servir de base para decisões políticas importantes, tanto a nível regional como nacional. Bem vindos ao maravilhoso mundo das estatísticas.

Contudo, como estes estudos acontecem apenas de 10 em 10 anos, se a sua implementação não for adequada à realidade ou se o questionário do censo não reflectir a realidade da população alvo, perde-se – para além de muito dinheiro – uma oportunidade única de se conseguirem atingir os objectivos indicados no parágrafo anterior. Por outras palavras, se o questionário não permitir uma caracterização o mais exacta possível da população os resultados das análises aos dados obtidos serão sempre incompletos, insuficientes ou, mais grave ainda, enganadores.

Ora, parece-me que a caracterização da religião da população portuguesa prevista para os Censos 2011 é francamente decepcionante. Decepcionante porque se baseia em preconceitos culturais que não podem caber num estudo com esta importância e envergadura. Embora, de acordo com “Programa de Acção para os Censos 2011″ do Instituto Nacional de Estatística (INE), os Censos em Portugal se realizem de acordo com as normalizações internacionais, parece-me que, no que diz respeito ao capítulo específico da religião, se optou por uma implementação minimalista dessas mesmas normalizações.

Para os censos de 2011, eis as opções (modalidades) disponíveis no quadro de questionário individual referente à variável religião:

•Católica
•Ortodoxa
•Protestante
•Outra cristã
•Judaica
•Muçulmana
•Outra não cristã
•Sem religião
Estas opções demonstram uma completa ignorância quanto ao fenómeno religioso em Portugal e impedem qualquer tipo de análise face às tendências perceptíveis na nossa sociedade através de outros factores. Através deste leque de opções constata-se que:

•Ateus, agnósticos e indivíduos crentes mas sem religião específica são todos parte da mesma modalidade!
•A comunidade chinesa que cresceu imenso em Portugal nos últimos anos é ignorada ao não serem descriminados o Budismo e o Taoísmo
•A comunidade oriunda do subcontinente indiano (e também de Moçambique) é igualmente ignorada ao não se considerar o Hinduísmo
•A importância de igrejas protestantes específicas a que pertencem milhares de emigrantes brasileiros e às quais muitos portugueses têm aderido é também ignorada
Com este curto leque de variáveis possíveis será impossível responder a várias questões, nomeadamente:

•Qual a percentagem de ateus em Portugal?
•Qual a percentagem de agnósticos em Portugal?
•Qual a real relação entre as diversas denominações cristãs?
•Qual a relação de tendências entre as diversas variáveis?
•Como podemos correlacionar os movimentos migratórios com a taxa de sucesso de cada variável de religião?
Enfim, muitas outras questões ficam por responder. Infelizmente, uma pesquisa sobre religião no site do INE permite-nos constatar que não existe nenhum estudo sobre o fenómeno religioso em Portugal. Pelos vistos, tudo ficará assim por mais uma boa dezena de anos uma vez que com o questionário aprovado para os Censos 2011 não se conseguirá responder às questões fundamentais que um estudo sério colocaria.

Fé cristã dos portugueses permanece firme

Sim, mas firme em quê??!!!

Crise financeira ou... de superprodução?

Consideramos que um dos equívocos nas interpretações correntes da crise capitalista atual é que ela seria uma crise financeira que contaminaria o setor real da economia. Ao contrário, defendemos que ela é uma crise do capital cujo surgimento e manifestação ocorreu na esfera financeira, devido à gigantesca financeirização da sociedade capitalista nas últimas décadas. Nós apresentamos alguns elementos para sua análise em um artigo recente. Ao longo da história do capitalismo, os conhecimentos acumulados pelas ciências sociais em geral, e pelos economistas em particular, foram forjando formas, mecanismos, instituições e instrumentos de intervenção estatal que permitiram uma gestão estatal da crise, principalmente após a grande depressão dos anos 1930, estendendo-a no tempo, distribuindo-a no espaço entre diferentes países e amenizando os seus efeitos mais destrutivos no centro do sistema mundial, de onde partiu a crise atual. Mas, quais são efetivamente os fundamentos, as medidas e o alcance das políticas anti-crise adotadas atualmente? Quais as perspectivas que se colocam para a sociedade contemporânea?

sábado, fevereiro 26, 2011

O NEGRO E O VERMELHO

P. J. PROUDHON, K. MARX E L. L. ZAMENHOF

Esta contribuição poderia conter um sub-título: “História de um contrasenso.”Pierre-Joseph Proudhon, Karl Marx e Louis Lazare Zamenhof foram contemporâneos, mas serão eles reencontrados? As obras de uns e de outros sofreram influências mútuas? Para Proudhon e Marx sabe-se que se pode responder pela afirmativa, mas e por Louis Lazare Zamenhof?Primeiramente algumas datas. Em termos seguros as suas biografias podem resumir-se em seis datas:P. J. Proudhon: 1809-1865K. Marx : 1818-1883L. L. Zamenhof: 1859-1917Quando Zamenhof nasce, Proudhon tem cinquenta anos e Marx tem quarenta e um. Eles são efectivamente contemporâneos, mas encontram-se sobretudo cruzados. Apesar do aparecimento da primeira brochura tratar de Esperanto, a 25 de Julho de 1887, Proudhon é morto 22 anos antes e Marx 4 anos. Nem um nem outro têm portanto hipótese em se pronunciarem sobre este assunto. L.L.Zamenhof, é ainda um homem novo com quase 28 anos. Mas curiosamente, até este dia, essencialmente no movimento esperantista, as alusões a Proudhon e Marx são constantes sobre o tema preciso da língua universal.Estes dois homens, pares do século XIX, prestaram verdadeiramente um interesse de algum modo a este conceito?É o sujeito central desta contribuição?Um exame, mesmo superficial, das suas obras, não permite revelar uma preocupação evidente para este sujeito. Isto não é para surpreender-nos.Mesmo depois do tempo dos pensadores iminentes (Decartes, o pai Mersenne, Leibnitz, …) serem inclinados sobre a ideia da criação de uma língua auxiliar utilizável à escala do globo, o príncipio do século XIX (do qual fazem parte Marx e Proudhon) preocupa-se mais com o desenvolvimento económico, do maquinismo, das transformações sociais, continuações da Revolução Francesa. A ideia de uma língua de comunicação internacional aparecerá sobretudo no fim do século com a explosão dos meios de comunicação (caminhos-de-ferro, barcos a vapor, telégrafo, etc.).Na época de Proudhon e de Marx, o obstáculo linguístico é contornado pela frequente utilização divulgada… do Francês!E assim os esperantistas continuam a falar de Marx e de Proudhon sob um ângulo linguístico. Para melhor compreender este paradoxo, façamos uma pequena excursão pelo microcosmo constituído pelo movimento esperantista.Nascido em 1887, o Esperanto tem hoje em dia (em 2001) mais de cem anos. Desde as suas origens, há centenas de milhões de homens que estudaram (ou começaram o seu estudo…), mais de 40.000 volumes foram editados em cinco continentes, centenas de publicações apareciam regularmente e dezenas de milhares de reencontros, regionais, nacionais e internacionais têem desde os primeiros balbuciamentos reunido legiões de partidários convencidos.Apesar destes impressionantes números, o movimento esperantista permanece bastante marginal e pode-se estimar os seus locutores entre algumas centenas de milhares (hipótese base), a alguns milhões (hipótese alta). Mas estes são persuadidos que o futuro lhes pertencerá… As recentes propostas de Umberto Eco no jornal Le Monde (29 Setembro 1992, pág. 2) mostram que o seu optimismo não é talvez sereno.Sem conhecer os sucessos fulminantes ou os espectaculares enfraquecimentos, o movimento esperantista, muito diverso nos seus componentes, mantem-se com uma saúde robusta, e constitui um dos fenómenos culturais originais do nosso tempo.Este movimento subdivide-se numa multiplicação de associações bastante variadas. Alguns retirarão a nossa atenção. Os que re-agrupam os membros do movimento operário organizado.Para não alongar esta contribuição, indiquemos que desde o impulso do movimento esperantista, os operários, os intelectuais tinham o “coração à esquerda” viram o interesse capital de uma língua internacional para o seu combate político ou sindical.Mesmo antes de 1914 uma primeira associação de vocação mundial, Liberiga Stelo (Pétala Libertadora) cria-se e encontra a sua forma definitiva em 1921 aquando um congresso em Praga pela criação do S.A.T. (Associação Universal Anti-nacional). Tal como no resto do meio social, o movimento operário esperantista vai conhecer os golpes, os conflitos que afectam o movimento operário geral: sociais-democratas, estalinistas, anarquistas, etc… coabitam amargamente. Neste sub-grupo, um sub-sub-grupo, o dos marxistas-esperantistas (muito ortodoxos devido à linha do P.C.U.S. – Partido Comunista da União Soviética) vai conhecer diversos azares. Entre outros na Rússia, apartados entre a sua fidelidade a Estaline e o seu desespero de ver o seu grande homem favorável à expansão do russo, muitos vão acabar no goulag apesar dos processos de Moscovo. Mas contra ventos e marés, eles vão conservar a sua confiança nas duas principais pessoas que baseam a sua acção: Marx e Zamenhof. O que nos conduz ao principal sujeito desta constituição.Na morte de Proudhon, a 19 de Janeiro de 1865, Johann Baptist von Schweitzer, redactor de Der SozialDemokrat, orgão da sociedade alemã geral do trabalho, aparecia em Berlim, obriga Karl Marx a enviar-lhe uma notícia necrológica. Este redigirá uma carta que aparecerá nos números 16, 17, e 18 do SozialDemokrat, dias 1, 3, e 5 de Fevereiro de 1865 ( esta carta será retomada nas edições alemãs da “Miséria da Filosofia” em 1885 e 1892 ).Que continha esta famosa carta? Entre outros, este parágrafo; traduzido pelo marxista-esperantista alemão ( ex-R.D.A. ) Detlev Blanke:“Eu não me sigo pelos primeiros ensaios de Proudhon. A sua memória escolar no sujeito da “Língua universal” mostra que sem complexo ele tratou um problema para a solução da qual lhe faltavam os conhecimentos elementares.”Destacar-se-á a passagem da lendária cortesia de Marx quando ele fala dos seus contemporâneos… Em toda a obra ( vasta ) de Marx, procurar-se-à em vão uma outra alusão a este problema da “língua universal”. Ele está portanto pronto a ser abusivo extrapolando-o, a partir desta frase insignificante, um interesse qualquer da parte de Karl Marx para este conceito.Mas ele agita-se lá com um comportamento humano muito compreensível. Os marxistas-esperantistas, sinceros propagandistas de Espérauto, entregam a eles próprios a ilusão que o seu grande homem teria apoiado a sua adesão a esta “língua universal” que é, por natureza, a obra do Dr. Zamenhof. Que nem por um dia se sentiu tentado em solicitar uma frase inofensiva…Mas Proudon, estará ele efectivamente, como o pretende Marx na sua carta, interessado na problemática da “língua universal”? Lá nós estamos em terreno mais conhecido, mas eis, completamente em redor do sujeito! Como cada um sabe, Pierre-Joseph Proudon tinha recebido até aos 17 anos uma educação clássica muito sólida, ao ponto de ser capaz de escrever tão bem em latim como em francês. De 1826 a 1838 ele vai, sózinho, prosseguir o estudo das línguas ancestrais entre outras, a sânscrita e a hebraica. Mas sobretudo durante este período de doze anos ele vai trabalhar, quer com os irmãos Gauthier, quer com o seu amigo Lambert, no mundo da edição e singularmente como corrector. Com este título ele vai ler – e corrigir – em francês, hebraico e latim, as obras religiosas monumentais, entre as quais a Bíblia Sagrada Comum. Ele vai igualmente corrigir e imprimir as obras consagradas à linguística. é o período da vida de Proudon onde ele se vai apaixonar pela teologia ( o que deixará em si os traços profundos e definitivos ) e o estudo das línguas ( que ele abandonará seguidamente ).Uma das grandes questões desde o ínicio do século XVII é efectivamente a “língua universal”, mas no sentido da língua primitiva, da língua adâmica, dada por Deus a Adão, língua perfeita e racional, nas quais as línguas contemporâneas não são mais que descendentes abastados. Á unidade da Génese devia corresponder na cosmogonia cristã a unidade da língua dos primeiros homens. Inúmeros trabalhos tinham tentado reencontrar, a partir das línguas existentes, esta língua original… e universal por natureza. Da “Gramática Geral e Racional” destes mensageiros de Port-Royal ( 1660 ) aos “Princípios gerais da gramática para todas as línguas” de Condillac ( 1798 ), as procuras não tinham faltado. Diante do interesse traduzido pelo público para estas questões, Proudhon e os seus associados decidem reeditar em 1837 uma obra clássica do pastor Bergier, reedição contendo o seguinte título completo: “Os elementos primitivos das línguas, descobertos pela comparação das raízes do hebraíco com as do grego, do latim e do francês, por Bergier. Nova edição argumentada de um Ensaio de gramática geral, pelo impressor-editor.”Notar-se-á que o nome do autor deste Ensaio não está indicado. Mas o anonimato é transparente e as biografias de Proudhon atribuem-lhe no geral a paternidade desta obra.Em 1839 Proudon apresentará uma versão modificada deste Ensaio ao Instituto de França pela obtenção do prémio Volney, mas desde 1842, ele vai desinteressar-se do sujeito e vai mesmo re-negar esta primeira obra, pois ele está consciente que a sua teoria sobre a língua primitiva não está suficientemente fundada. Poder-se-á destacar, entre parentesis, que quase dois séculos mais tarde, de Chomsky a Dumenzil, nós não avançamos em nada…Mas regressemos a Proudhon. Destacar-se-à que no título de Ensaio ele não faz alusão à “língua universal”, mas à gramática geral.Mas Karl Marx não elabora contrasensos quando ele fala de uma obra consagrada na “língua universal”. É exactamente isso que ele agita, mas no sentido da língua primitiva.É portanto abusivamente, mas sem nenhuma maldade, que as publicações esperantistas, e particularmente as do corrente marxista-esperantista, citam Karl Marx e Pierre-Joseph Proudhon entre os “percurssores”.Excepto se, não tendo pena de fazer um contrasenso à nossa volta sobre as intenções de Proudon, nós pretenderíamos que ele esperasse que a descoberta da língua primitiva poderia ser seguida da sua aplicação como língua veículadora mundial. Mas eu penso que ele não disse nada de semelhante.Pode surpreender-se e deplorar que Proudhon e Marx sejam postos de lado de um problema não-negligenciável, o da comunicação mundial. Mesmo que se possa espantar, e deplorar, Zamenhof havia mostrado pouco interesse para os problemas políticos.

um ligeiro engarrafamento!

Não foi assim que as torres gémeas vieram abaixo em 2001?

O respeitinho é muito bonito! - Diga senhor guarda!


o violinista


É aqui o teu lugar...


A Oposição diverte-se…


Treta da semana: ironias

Segundo a revista Máxima, os ateus são «uma raça em extinção». «Para os ateus é o cúmulo da ironia. A evolução, o processo que acreditam ser o único responsável por criar a humanidade, parece estar a discriminar os não-crentes e a favorecer os religiosos.» Irónico, e triste, é não perceberem o que escrevem. Parece-me que a pessoa que escreveu isto se limitou a copiar partes da versão preliminar da notícia, publicada no blog do Michael Blume.

O Michael Blume (e não “Blumer”), recolheu dados demográficos de comunidades religiosas e de vários países, e notou uma forte correlação entre religiosidade e o número de filhos por mulher. Em média, pessoas que participam regularmente em cultos religiosos têm mais filhos do que aqueles que não praticam qualquer religião. E estes últimos, com uma média de 1.7 filhos por mulher, estão abaixo do necessário para manter a população.

Queixa no TPI contra o Papa

Dois advogados alemães apresentaram uma queixa no Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o Vaticano. O tribunal terá de decidir se acusa Bento XVI de “crimes contra a humanidade“. Se isso acontecer, será a primeira vez que um Papa é processado pelos tribunais civis.

Realidades virtuais, acidentes... ou democracia viciada?

Sendo assim, a menos que eu tenha criado uma súbita paixão por futebol, para que serve esta minha exibição gratuita de habilidade (mesmo que moderada e rudimentar!) para manipular repetidamente a mesma fotografia?
Serve para percebermos que tipo de gente está ao comando dos grandes meios de comunicação social. O tipo de gente que todos os dias manipula fotografias de futebol... mas também opiniões, análises políticas, notícias, sondagens eleitorais. Gente que faz “desaparecer acidentalmente” das suas páginas e telejornais as verdades inconvenientes, as lutas dos trabalhadores, a cultura incómoda. Gente que trata a realidade e a verdade, como eu acabei de tratar a pobre fotografia nº1.

Crimes de estado

A utilização de uma arma eléctrica (taser) pelo Grupo de Intervenção dos Serviços Prisionais contra o preso Carlos Gouveia, em greve de fome na prisão de Paços de Ferreira, apesar de alguns o apresentarem como um caso isolado, é um indicador significativo do tipo de sociedade repressiva em que vivemos. Foi um acto repugnante, particularmente no contexto em que se verificou. E que teve o apoio do Sindicato dos Guardas Prisionais. Provavelmente é para acções repressivas deste tipo (cá dentro e lá fora) que recentemente aumentaram os gastos dos Ministérios da Administração Interna, da Justiça e da Defesa.

Ainda Galileu


Faz hoje precisamente 395 anos que Galileu recebe o seu primeiro aviso formal da Igreja Católica; da voz do Cardeal Belarmino, o génio Renascentista é "aconselhado" a abandonar o ensino e divulgação das ideias heliocêntricas de Copérnico. E o resto é conhecido! As suas publicações são banidas, mas a audácia e coragem de um já na altura conhecido e enorme editor holandês de seu nome Louis Elzevir, que retira às escondidas da Igreja a obra de Galileu com a ajuda e conhecimento do próprio, fazem com que a palavra de Galileu chegue a toda a Europa...

Louis Elzevir, mais um herói completamente desconhecido mas fundamental da História da Ciência.

O NEGRO E O VERMELHO

Proudhon e o Jornalismo


“ Quando evoco esta máquina a que chamamos jornal e medito de todo o bem que pode fazer e no mal que faz quase todos os dias, não sei qual importa na minha alma, a cólera ou o desgosto. ( Advertência aos proprietários, 1842). Desde um dos seus primeiros escritos, Proudhon deixa aparecer a aliança complexa de atracção e de repulsa que não deixará de caracterizar a sua atitude em relação à imprensa. Tendo a “demopedia” – a educação do povo- pela primeira finalidade da acção social, sonha bem antes de Péguy do verdadeiro jornal que dirá os factos, os esclarecerá e fornecerá os meios de se libertar dos seus constrangimentos. Mas, ao mesmo tempo, a sua indignação é igualmente grande a verificar que tantos jornalistas viram as costas e este ideal ao entregar-se à futilidade, quando não é mesmo à venalidade. Que não possa ele próprio mostrar a via, pondo os seus conhecimentos e a sua pluma ao serviço da Revolução.
Isso realizar-se-à em 1848 e durante os anos seguintes. Período relativamente curto que é também aquele que foi o mais intimamente misturado nas lutas públicas, com aliás os mesmos sentimentos contraditórios de ardor e de decepção. Mas, bem antes desta confrontação quotidiana com o acontecimento, o jovem Proudhon tinha sido com várias repetições sobre o ponto de abordar o jornalismo, chocando cada vez com o insucesso. Na outra extremidade da sua vida, frustrado de não ter mais nenhum periódico para se exprimir, tentará inutilmente em recriar um. De modo que, paradoxo ajuntando-se a tantos outros, se o teórico que conhecemos foi também um dos grandes jornalistas do século XIX, foi em parte devido a si e sempre por eclipses. Nunca integralmente publicado, a sua obra puramente jornalística não fornecerá mesmos matéria de vários grossos volumes.
Vamos então ao começo, ou antes ao que poderia ter sido. No fim de 1832, tipógrafo na tipografia Gauthier em Besançon, Pierre-Joseph é solicitado pelo fourierista Just Muiron, que lhe pede de tomar conta da redacção da sua folha o “Imparcial”. Com a idade de 27 anos, é ainda completamente desconhecido, a não ser duma mão cheia de notáveis locais que desvendaram as suas aptidões. O jovem homem está tentado, mas na conclusão dum curto ensaio, acaba por recusar. “ Sou o homem do mundo incapaz de fazer o trabalho que iria empreender”, escreve na primeira carta dele que foi conservada ( Cor., I- 13). Nalguns dias experimentou as servidões do jornalismo local, que o regime político e o estado da sociedade faziam na época ainda mais pesados que o são hoje em dia. O que não é dizer pouco.
Pouco tempo depois, na sua carta de candidatura à Pensão Suard que lhe vai abrir uma nova carreira, o mesmo recorda o seu início marcado por um evidente alívio, colorido dum certo desprezo se não pelo jornalismo em geral, pelo menos por aquele que tinha sido tentado em comprometer-se: “ (...) Vi-me talvez, pressionado pela fome, obrigado em colocar-me no testemunho de qualquer jornalista.” ( Cor., I-28). Uma maneira de dizer que tinha escapado de boa.
Todavia, quatro anos mais tarde, enquanto que o autor de “O que é a Propriedade?” está em vias de se tornar o terror da burguesia e o porta-voz dos proletários, o jornalismo vem de novo buscá-lo. Em Agosto de 1843 dois militantes republicanos Ferdinand Flocon e um certo Dessirier transmitem-lhe a oferta feita por Louis Blanc de se juntar à futura equipa do jornal “A Reforma”, do qual os iniciadores ambicionam fazer a parelha, na extrema esquerda, do “Nacional” de Ledru-Rollin. É mesmo questão da função de redactor em chefe.
Fixado em Lião, onde se ocupa com interesse mas sem conseguir dominar-se do assunto de transportes fluviais, Proudhon está decidido desta vez a aceitar e parece mesmo entusiasmado: “ Conto este Inverno estar em Paris onde comecerei a minha carreira de jornalista; então mostrarei um outro homem. Enquanto que me crêem enterrado na metafísica, irei revelar de súbito conhecimentos práticos, adquiridos sobre um conjunto de pontos, e com os quais irei enraivecer, espero, muita gente.”, escreve ao seu amigo Ackermann (Cor., II-100). Quase simultaneamente duas outras proposições, mais modestas, lhe são feitas. O comunista Cabet, que pretende dispor de fundos, solicita-o para o seu projecto do “Populaire” e por outro lado, fala-se dele para a direcção do “Franc-Comtois”, um semanário da sua vila natal.
Em definitivo nenhuma destas ofertas é concretizada. A desconfiança de Louis Blanc, que se manifestará de novo logo das discussões em vista da criação do “peuple”, fecha-lhe as portas de “La Réforme”. Uma outra das eventualidades que não terá também continuidade, por causa da sua própria exigência de ter “a direcção superior e absoluta” (Carnets, I-39). Reencontraremos esta atitude constante nele, pelo menos se o assunto o interessa profundamente. Quanto a Cabet, mais sonhador que homem de negócios, não conseguirá reunir a soma necessária para a caução que a legislação impunha para qualquer orgão de imprensa.
Continuando a proclamar nos seus momentos de pessimismo a sua “grande repugnância pelo jornalismo” (Cor, II-121), Proudhon não renunciou no entanto a entrar. No curso do período de efervescência que precede os acontecimentos de 48, pensa sucessivamente na “Revue indépendante” de Pierre Leroux, do mesmo modo que noutras publicações às quais poderia – com defeito do conduzir- pelo menos colaborar. Os seus “Carnets” guardam não somente o traço destas eventualidades mas também aquela, mais precisa, dum quotidiano que será verdadeiramente o seu. Estipula o orçamento, construído na perspectiva sobretudo temerária de 20000 assinantes no segundo ano e de 50000 no terceiro (Carnets, I-99/100). O vírus parece portanto possuí-lo logo que a história ajudando-o, o período de incubação está nas vésperas de acabar.
Com efeito uma oportunidade menos aleatória se apresenta. Desde o mês de Março de 1847, quando está ainda em Lião, Proudhon está associado às transacções complicadas, que se esforçam de superar as divisões do socialismo nascendo para dar como resultado a criação dum jornal comum: “Le Peuple”. Apesar do desacordo com muitos dos participantes, que aliás não têm menos preconceitos a seu respeito, o autor das “Contradictions économiques” ( aparecidas justamente por esta altura) doravante tem suficiente peso para fazer prevalecer as suas opiniões. Entusiasma-se com a ideia do futuro jornal, sobre o qual não hesita a escrever em letras capitais que marcará “ Inauguração da Revolução Social” ( Carnets, II-252). Na realidade esta aurora tarda a aparecer: após conflitos inúmeros, “Le Peuple” só sairá dezoito meses mais tarde.
No intervalo a revolução, política aliás social, estalou bela e bem. Tomando a dianteira sobre um projecto que se atolava, um publicista hábil de nome Jules Viard, vindo da imprensa de variedades dita “humorista”, tomou a dianteira. Sózinho, conseguiu em fazer sair desde o 27 de fevereiro de 1848 um quotidiano aparentado ao que foi o “Le Peuple”. Admirador de Proudhon sem verdadeiramente partilhar todas as suas ideias, pergunta-se no mês seguinte que segue à saída, de colaborar no seu jornal. Proposição de seguida aceite. Em plena febre política o filósofo da economia realiza enfim o voto que não sem apreensão, trazia no fundo de si.
O orgão de Viard é suspenso no dia 21 de Agosto. Um intermediário terá entretanto sido assegurado quase simultaneamente pois que, no 2 de Setembro, “Le Peuple”, “ Jornal da Republica democrática e social”, vê enfim o dia. Mas cessa de aparecer desde o dia seguinte, em falta dum depósito completo de caução. O verdadeiro impulso não poderá ter lugar que no dia 3 de Novembro, e o aparecimento será contínuo até ao dia 13 de Junho de 1849.
Eleito para a assembleia, na ocasião das eleições complementares do 4 de junho, Proudhon é doravante elevado à condição de vedeta. O primeiro papel que lhe foi reservado desde o período preparatório – fornece a Louis Blanc um pretexto para se retirar – aparece sem contestação, com o título ( que não figura que após alguns números) de redactor em chefe. O director- administrador segundo a lei é Victor Pilhes, Do qual a lealdade não será desmentida. O programa é no essencial aquele que foi traçado desde o primeiro prospecto de apresentação na Primavera de 1847. O original foi perdido mas conhecemos a substância pelo livro de lembranças de Alfred Darimon, onde é precisado que Proudhon tinha sido o principal redactor. Num estilo bem da época, este texto dá como objectivo ao futuro jornal “ que o Peuple, quer dizer cada trabalhador do mesmo modo que a colecção inteira dos trabalhadores, possa adorar Deus sem padre, trabalhar sem mestre, permutar sem usura, possuir sem hipoteca, formar o seu coração e a sua razão sem preconceitos participar no governo da sua pátria sem se fazer representar por heróis ou por vivaços”.
A apresentação figurando no número de amostra distribuído na véspera do dia do aparecimento é mais simples, pois que ela se limita a indicar que “ O jornal “Le Peuple” é fundado por uma reunião de representantes, de capitalistas, de proprietários, de comerciantes, de operários e de pessoas de letras. Tem como finalidade a propagação e a defesa dos princípios da Republica democrática e social, fora de toda a escola, e sob a inspiração exclusiva das necessidades e das tendências da sociedade.” É precisar igualmente que a empresa será uma sociedade por acções e em comandita, da qual as acções de 100 francos serão colocadas em subscrição junto ao público.
As precedentes reservas de Proudhon, dizendo respeito ás dependências da imprensa, foram dissipando-se no calor da acção. Somente contam doravante os imperativos da obra comum que vem de tomar o seu progresso. O seu principal animador repete numa carta entusiasta que ela será “ o primeiro acto da revolução económica” ( Cor., II-272). Para ele, espera não somente uma mais larga difusão das suas ideias mas o princípio duma decisiva etapa na sua realização. “Da critica passo à acção, continua, e esta acção principia por um jornal.”
O solitário, o homem de gabinete que tinha sido até aí, dá-se a fundo às suas novas responsabilidades que são pesadas. Certos “Le Peuple”, como a maior parte dos seus concorrentes, contenta-se com quatro páginas no formato 41 cm x 20,5 cm, à razão de quatro colunas por página. Isso não impedirá o programa de redacção de ser copioso, pois que ele ambiciona cobrir o conjunto da política nacional – o que não é insignificante tendo em conta o período – a informação vem dos departamentos e do estrangeiro. Ainda por cima um suplemento semanal de 8 páginas mais consagrados às questões económicas. Comparado às páginas que conhecemos, o conteúdo é bastante maciço. Fora do sumário seguido de alguns “avisos práticos”, a primeira página é toda ela consagrada ao artigo de cabeça. Este, do próprio Proudhon continua no interior e faz cerca de uma dezena de colunas ou mais ainda, o equivalente a um capítulo de livro.
A equipa de redacção era naturalmente reduzida – e pelo número dos seus membros dispersos por outras actividades – o redactor em chefe em seguida promovido “director” deve ocupar-se de tudo. Reler o conjunto e fazer a ligação com a gráfica é, para o antigo tipógrafo, quase uma distracção. Mas quando é que encontra o tempo para preparar e redigir as suas próprias contribuições, o de Ter assento na Assembleia ou de se consagrar aos outros trabalhos que não pode inteiramente remeter? Quando foi aprisionado, condenado precisamente por delito de empresa, disporá infelizmente para ele, de mais tempo e continuará, à distância, a assegurar a direcção. Para nosso proveito é deste período que data uma carta ao seu principal colaborador, graças à qual podemos ter uma ideia da maneira que deveria levar, quando estava presente, os conselhos de redacção:
“ Meu caro Darimon, o folhetim literário é uma excelente coisa; desejo somente que se lhe dê o maior espaço possível. A brochura de M. Raudot, por exemplo, merece três artigos de três colunas, duas de citação. Se os folhetins- romances fazem vender o jornal, tomá -los; não tenho nada a objectar. Escolhei –os bem, curtos, positivos e substanciais(...). Se o teatro não existe mais, como você diz, não compreendo a utilidade do folhetim, a menos que seja para verificar a morte do teatro, e as probabilidades do seu renascimento. (...) Quanto aos Italianos, não digo nada de mal, se não é o povo que não vai mais que eu, e nada conhece. Ainda se os relatórios eram uma revelação feita aos operários de coisas que deve saber e ver; mas, macaqueamos a moda, e não somos mais que mortos de fome. A republica disse-vos que estáveis vendidos. Citaste o propósito e não respondeste (...). Tendes boas inspirações, boas ideias, fazeis excelentes artigos. Mas(...) a camaradagem cerca-vos (...) A que propósito os dois anúncios de B*** à cabeça do jornal? Isso sente-se a comércio a cem léguas” ( 7 de Janeiro de 1850, Cor., III – 76/77).
Não acreditamos estar a entendê-lo? Preocupado do mínimo detalhe, atento ao seu público, com o bom senso popular e a autoridade sem arrogância do democrata.
Não era somente jornalista de instinto mas um autêntico homem de jornal. Sob o seu impulso, da qual a empresa directa foi no total bastante fugaz, “ Le Peuple” acaba por se tornar num lugar bem dele no meio as numerosas publicações que vêm de aparecer – e morrer- os primeiros meses da II Republica. Se o destino deste jornal ia ser interrompido como aliás o de muitos, isso não é devido a fraquezas do seu director que não tem responsabilidades neste facto.
No dia 28 de Março de 1849, apesar da sua qualidade de representante do povo, Proudhon é condenado a três anos de cadeia devido aos seus ataques contra o principe-presidente Louis-Napoléon Bonaparte. Trata-se dos famosos artigos do “Peuple” de 26 e 27 de Janeiro do mesmo ano, nos quais o polemista, apesar do rigor da lei, apela à desobediência civil, e se esta não chega à insurreição popular, para barrar o caminho ao golpe de Estado prevê:
“ A reacção não ia tão depressa segundo o gosto de L. Bonaparte. Ousou desafiar a Assembleia, desafiar a revolução, significando aos representantes a ordem da sua dissolução. Bem! A revolução ergueu a luva. O pacto foi aceite: na segunda o combate. Que a Assembleia ouse contar com ela própria, que ela conte com o Povo de Paris, e a vitória não será um instante céptico.
L. Bonaparte colocou a questão da dissolução da Assembleia. A uma boa hora! Segunda próxima, a Assembleia colocará por sua vez a questão da demissão do presidente(...).
Representantes da Republica! A ocasião nunca foi para vocês bela, a situação mais favorável (...). Ah! Certos, se o Povo, como o macaco da fábula, tomando por falta de atenção o nome dum porto por um nome de homem, tinha eleito presidente da Republica o urso Martim ou o bode Dagobert, se esta eleição do sufrágio universal ordenasse fazer como ele e de caminhar com as quatro patas, acreditaria Ter de obedecer?” ( Citado por P. Haubtmann, P-J. Proudhon, sa vie et sa Pensée, pp. 1031-1032).
No dia seguinte da sentença, o primeiro movimento do condenado é de se refugiar na Bélgica. Aí fica alguns dias, e de seguida volta a Paris para se dirigir clandestinamente ao seu jornal. Pouco após as eleições do dia 19 de Maio Proudhon, cujos traços fisionómicos estavam popularizados pela caricatura e que não tomava qualquer precaução, é reconhecido no dia 5 de Junho na praça de “La Fayette” – sem dúvida por uma denúncia – preso imediatamente e encarcerado na prisão de “Sainte-Pélagie. No dia 13 do mesmo mês, “Le Peuple”, esmagado por multas e com grandes possibilidades de perseguições judiciais, deve cessar o seu aparecimento. Será substituído, a partir de Outubro seguinte, pelo “La Voix du Peuple” que não é mais que a reprodução do mesmo.
O nome de Proudhon não figura mais no cabeçalho mas o prospecto não receia mencionar a sua colaboração e para sublinhar este laço, os mil primeiros assinantes recebem como prémio “Les Confessions d`un révolutionnaire” que vem de aparecer. De facto, beneficiando das condições relativamente favoráveis da prisão política, o detido dá regularmente ao novo orgão artigos não assinados mas todavia identificáveis. Logo que o jornal será também suspenso, um novo título “Le Peuple de 1850” tomará o seu lugar até á sua morte definitiva no dia 13 de Outubro de 1850.
Libertado no fim da sua pena, no dia 4 de Junho de 1852, Proudhon é condenado ao silêncio jornalístico. Por acréscimo, casado durante o seu encarceramento e doravante chefe de família, as colaborações alimentares monopolizam-no para o futuro. Mesmo se voltam a tornar-se as suas preocupações fundamentais como foi o caso para “Manuel du spéculateur à la Bourse”, estas preocupações desviam-no das lutas da praça pública.
Longe de estar consolado e parecendo totalmente esquecido das suas repugnâncias anteriores, é como uma falta que sente e se aborrece na nostalgia do tempo onde, dispondo dum tribuno, os seus ataques e as suas réplicas intervinham em plena contenda. A febre do jornalismo tomou-o e não o deixará mais, como o confia a um dos seus companheiros: “...Nós não queremos nada, nada, a não ser jornalistas e dizer a verdade. ( A Langlois, Cor., IX-12). O que é talvez um exagero num outro sentido, aliás conforme ao seu temperamento. Mas o facto está em que o desejo dum periódico graças ao qual poderá escoar a quente o grosso dos seus humores e comunicar as suas ideias ao grande público não o deixará jamais. Sem nunca ter a satisfação de reencontrar totalmente este papel, estará à espreita por uma ocasião de se tornar a aproximar.
No decurso dos anos de 52-53, o projecto duma revista por sua vez científica r empenhada socialmente, aparecerá diversas vezes na “Correspondance” ou nos “Carnets”, sem nunca ir por diante. A partida par o exílio, para escapar a uma segunda estadia na prisão após a condenação do livro “De la justice”, impedi-lo-à do meio parisiense durante mais de dez anos. É portanto em Bruxelas que o proscrito irá encontrar uma modesta folha, o “Office de Publicité” para acolher as suas reacções à actualidade. Este mesmo editor publica também em fascículos, a partir de 1860, a Segunda edição bastante aumentada de “De la Justice”. Com o título “Nouvelles de la révolution”, o autor acrescenta a cada entrega explicações polémicas ou documentais que são verdadeiros artigos de imprensa, ou, pelo menos, o seu substituto.
Entrado tardiamente em Paris, devido ao facto da sua recusa de beneficiar da amnistia, um dos primeiros pensamentos do homem doravante consumido e assaltado pela doença é de sondar de novo o puro jornalismo. Mas, mais que nunca, à condição de ser sozinho o mestre a bordo: “ É preciso portanto que eu seja redactor, ou melhor, director da minha folha; fora disso recuso todas as proposições.” ( De 9-1-61, Cor. X-294). Não tendo aparentemente nenhuma, pelo menos conforme a esta exigência, pouco tempo antes da sua morte acarinha ainda o projecto duma publicação intitulada “Le Fédéraliste”, para o aparecimento da qual uma autorização é pedida ao ministro do interior. Será o canto do seu cisne jornalístico, abafado como muitos dos precedentes.
Crítico da imprensa mas também o seu apaixonado repelido, Proudhon é também, um jornalista verdadeiro, grande leitor de jornais. Para os condenar frequentemente, como na célebre invectiva: “ Os jornais são os cemitérios das ideias” ( Carnets, II-281), ou ainda este julgamento sem amenidade sobre os que nunca chamou de seus colegas: “ Um jornalista é um bisbilhoteiro que acredita que a retórica é a chave de tudo” ( Cor., II-92). Aforismos vingadores do qual encontramos sob a sua pena inumeráveis exemplos. O moralista que domina sempre nele não pode que estar chocado pela futilidade, a versatilidade e a corrupção duma imprensa que não escapa o mais das vezes à insignificância da política de negócios.
A convivênvia com Émile de Girardin, do qaul admira os múltiplos talentos, inspirou palavras duras para a “astúcia selvagem” ( Cor, IV-25) do fundador da imprensa moderna. Fatal ou não, a corrida às tiragens que tem por motor o abaixamento do preço de custo com o recurso maciço à publicidade não pode receber o aval por parte daquele cuja obra condena a assimilação do pensamento a uma mercadoria. A sua leitura pessoal é, antes de tudo, o do “Journal des Débats”, orgão da alta burguesia liberal à qual é esbanjada uma admiração que acorda a poucos:” Não jornal que estimo mais. Para a destreza da sua redacção (...) e quem sabe melhor aguentar-se nos maus tempos.” ( Justice, III-240). Portanto , eclético à sua maneira, quer dizer bom conhecedor, o ex director do “Peuple” igualmente apreciou Prévost-Paradol, analista por sua vez brilhante e profundo. Mas também Nefftzer, antigo colaborador de Girardin em seguida fundador do “Temps”, jornalista segundo o seu coração porque ele “sabe calar-se registando os factos” (Cor., X-183). No fundo de si, sem dúvida pensava que ele próprio não merecia quase nada o primeiro destes elogios! Diferente igualmente a bem dos olhares mas próximo por eloquência e a força das convicções, o católico Veuillot tem um lugar à parte. Esta consideração era aliás recíproca pois que, logo que Proudhon for privado de meio de expressão, ver-se-à provisoriamente oferecido uma tribuna no ultraconservador “Univers”.
Só se fustiga o que merece. A severidade de Proudhon em relação à imprensa explica-se, já o dizíamos desde o início desta conversa, pela importância que atribuía e é o corolário da atracção que ela não deixou de exercer sobre ele. Em muitos aspectos esta forma de comunicação correspondia ao seu temperamento como ao seu ideal duma filosofia destinada ao povo e não a um círculo estreito de intelectuais. À seu imensa necessidade de ser entendido, também. Este homem macambúzio só o foi por força, reconhecendo um dia do fundo do seu isolamento que privado de interlocutor dialogaria com o seu chapéu. À vez porta voz e eco, este instrumento privilegiado do diálogo social que é o jornal foi feito para ele.
Ou sobretudo, teria sido com a condição que a sociedade fosse melhor feita. Eis a razão final da ambivalência proudhoniana a respeito do que lhe parece uma confusão monstruosa. Informar, explicar, retomar a verdade e combater o erro, não é a essência da própria revolução? Que um tal poder seja colocado ao serviço dos interesses particulares é um escândalo que nunca será demais denunciar. Não é a imprensa enquanto tal que é objecto dos anátemas de Proudhon mas o comportamento daqueles que tiram partido da injustiça reinante para se apropriar. As suas cóleras não são mais que desprezo, ou sobretudo raiva. Primeiro em ter consciência, na véspera de se lançar numa aventura que lhe fazia por sua vez medo e vontade, confiava a um amigo que não era mais que a dupla face duma única paixão contrariada: “ O vosso horror pela imprensa e o jornalismo, horror que é igualado pelo meu, rende-vos injustiça sobre um outro ponto: saber a minha determinação de tornar-me jornalista; (...) é porque estou irritado contra o jornalismo que abraço esta profissão, como Juvénal, que, de cólera se tornou satírico.” ( A Micaud, de 27-8-47, Cor. VI-366/367). Não podemos melhor dizer em poucas linhas a violência dum apelo que, antecipadamente, se sabe inevitavelmente não realizado.

sexta-feira, fevereiro 25, 2011

Você viu esta pessoa?



Porque é que 45% das mulheres entre 25 e 35 anos são solteiras?

Os vampiros a pouco e pouco vão sendo expulsos pelo povo...

Kadafi da Líbia já sente o buraco onde vai cair...

Está a mergulhar o seu povo num banho de sangue.

Sarkozy e Berlusconi estão preocupados com o destino do amigo...

É desta maneira que os cães de guarda se revelam!...

A Líbia e o imperialismo

De todas as lutas que agora decorrem no Norte de África e no Médio Oriente, a mais difícil de deslindar é aquela na Líbia.

Qual é o carácter da oposição ao regime Kadafi, a qual consta que agora controla a cidade de Bengazi, no Leste do país?

Será apenas coincidência que a rebelião tenha começado em Bengazi, a qual é a norte dos mais ricos campos petrolíferos da Líbia bem como próxima da maior parte dos seus oleodutos e gasodutos, refinarias e o seu porto de gás natural liquefeito (GNL)? Haverá um plano de partição do país?

Qual é o risco de intervenção militar imperialista, a qual apresenta grave perigo para o povo de toda a região?

A Líbia não é como o Egipto. Seu líder, Moamar Kadafi, não tem sido um fantoche imperialista como Hosni Mubarak. Durante muitos anos, Kadafi esteve aliado a países e movimentos que combatiam o imperialismo. Ao tomar o poder em 1969 através de um golpe militar, ele nacionalizou o petróleo da Líbia e utilizou grande parte do dinheiro para desenvolver a economia líbia. As condições de vida do povo melhoraram radicalmente.

Por isso, os imperialistas estavam determinados a deitar a Líbia abaixo. Os EUA em 1986 realmente lançaram ataques aéreos a Trípoli e Bengazi que mataram 60 pessoas, incluindo a menina filha de Kadafi – o que raramente é mencionado pelos media corporativos. Foram impostas sanções devastadoras tanto pelos EUA como pela ONU a fim de arruinar a economia líbia.

Europa mostra medo da democracia

O governo português coloca-se sempre ao lado das chancelarias, que suportaram, financiaram, negociaram, confortaram e elogiaram estas ditaduras que o povo árabe está a derrubar agora.

De Tripoli e de Benghazi chegam ecos de exibições de barbárie. No estertor do seu consulado, Khadafi mandou bombardear os gritos pela liberdade. São crimes contra a humanidade que hoje se multiplicam na Líbia. Venho por isso manifestar a preocupação e protesto contra esses ataques aos direitos humanos, contra a violência que atinge as populações, contra as ameaças que o regime multiplica prometendo um banho de sangue. A essa preocupação junta-se naturalmente a que abrange todos os residentes na Líbia, incluindo os cidadãos portugueses que optem por partir ou por ficar no país, esperando que a sua segurança seja garantida e protegida.

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

O NEGRO E O VERMELHO

PROUDHON E A PROPRIEDADE

Em 1840, um homem escreve: “A propriedade, é o roubo!” e ele crítica violentamente os fundamentos. Seis anos mais tarde, ele “balança”: “A propriedade, é o roubo, e a propriedade é uma instituição de justiça”. Dois anos antes, ele escreve: “É preciso armar a propriedade contra o comunismo”. Quatro anos ainda, e afirma: “A propriedade deve ganhar sem cessar na liberdade e na garantia”. Seis anos passam, e este indivíduo proclama: “Pela justiça… a propriedade tornou-se num elemento económico e social”. Quatro anos passam e o mesmo homem, na sua teoria da propriedade conclui: “A propriedade… é o apoio e a grande mola real do sistema social”. E quando ele aflige, três anos antes, um revolucionário (Marx) que ele admira sempre, em seguida repreende-o pela sua versatilidade, não havia razão de o tratar, no artigo necrológico que o consagra de “sofista” e de “pequeno burguês”?

CONTRADIÇÕES E DESMENTIDOS PROUDHONIANOS?
O homem “versátil” que está em questão é mesmo Proudhon. Estas linhas contraditórias são bem as suas, e este procedimento da exposição, à rigorosa lógica cronológica, é certamente aquele, tão conhecido, das citações mutiladas. Mas isso diz, deve-se constatar que este conjunto tão terrivelmente imperfeito, resume muito perfeitamente o que, até à nossa época, um homem medianamente sensato, com as ideias sociais afirmadas, era ajuizado em conhecer o autor das contradições económicas.
Com este desconhecimento, ainda todo relativo, existem razões históricas. A maldição pura dos moderados (Proudhon, o anti-proprietário, o anarquista) e, sucedendo aos elogios ditirâmbicos, a maldição furiosa de Marx (Proudhon, “o merceeiro”, o “pequeno burguês”) são reencontrados para afastar os espíritos demasiado conformistas desta obra genial. E a reivindicação que os “maurassiens” fizeram – pelo preço de um verdadeiro contrasenso – não contribuirá para a confusão. Além disso, se Marx tivesse a felicidade de ter em Engels um amigo fiel e um grande clarificador, Proudhon não teria a oportunidade de ter, pelo menos em França, discípulos cuja envergadura intelectual e fidelidade teriam servido a inteira difusão e a exacta sobrevivência da sua mensagem. Desde logo, as deformações conscientes ou inconscientes que farão suportar à sua obra ignorantes e malévolos, produzirão as confusões resistentes; e estes contrasensos afastarão da obra proudhoniana aqueles que eram os mais certos a ler.
Será que Proudhon é exclusivamente a vítima de circunstâncias contrárias e de intrigas políticas? Não é ele de algum modo ou em parte, responsável por estas confusões de facto?

UNIDADE DAS INTENÇÕES MAS VARIAÇÃO DAS POSIÇÕES?
A parte constituída pela ignorância e pela malevolência, o pensamento de Proudhon não variou defronte do problema que está no mesmo centro da sua obra, o tal da propriedade? Relativamente a esta última, não tomou ele diversas posições? Elas comprometeram o fundo ou simplesmente a forma? E, num e noutro caso, estas variações exprimem uma inversão de opinião ou traduzem uma resposta progressiva a um problema complexo? Enfim, não se constata nesta evolução, além de um aperfeiçoamento constante dos meios e das soluções propostas, uma unidade profunda, uma coerência indiscutível nos princípios e nos objectivos?
A esta série de questões, todo o intérprete de boa fé que foi firme, o saboroso e o paciente prazer de ler atentamente o conjunto da obra proudhoniana, faz geralmente a resposta de um Sainte-Beuve.
Para ele, a unidade do príncipio é inegável. Ele vê-a no ideal de uma justiça social e de uma economia “moralizada”: “Esta unidade consiste, escreve o autor das Segundas em que o autor não parou de procurar determinar a justiça social universal que deverá lucrar todas as classes da sociedade (…) e a introduzir a moral na economia política, nele “submetendo a liberdade de cada um ou as forças egoístas da sociedade”.
Mas, para a grande crítica, esta unidade dos princípios e dos fins não impede nada, mas justifica pelo contrário, a evolução das posições proudhonianas e a franqueza com a qual ele a expõe: “Esta espécie de confissão pela qual ele oferece um tão grande dia (…) sobre a evolução do seu pensamento, foi-lhe censurado (…) pelos ininteligentes e pelos malevolentes que se purificam a transformar o que ele tinha dito da variedade dos seus estudos numa confissão descarada da variação dos seus sentimentos (...). proclama-se ao sofismo e à forma que lá se emprestará, mas o fundo da sua doutrina descansará sempre na união invariável de sentimentos (…) que ele professará até ao fim”.
É esta posição clássica de um Proudhon “de boa fé” que um economista como Gaëtan Pirou repreende: “Apesar das contradições que lhe seria ingénuo negar, apesar das incoerências e das hesitações inevitáveis, a obra de Proudhon tão espessa, tão complexa, apresenta uma unidade profunda porque ela é dominada pela preocupação constante de fazer em tudo e por tudo triunfar a justiça”. Esta tese de unidade “na intenção”, encontramo-la junto de um teólogo, como Henri de Lubac que falará da “justiça, ideia central da sua obra”, e junto de um sociólogo, como Célestin Bouglé, que revela “sob as variações que a diversidade das circunstâncias explica, uma mesma vontade fiel aos mesmos princípios (…) e apesar de tantos obstáculos (…) o mesmo ideal social”. Exprimida aqui por personalidades diversas como aquelas do escritor, de um economista, de um sociólogo e de um teólogo novalista, esta posição mediana significaria que se os princípios e os objectivos morais e sociais de Proudhon não mudaram, as traduções concretas que ele deu mudaram. Assim, a “invariância” ou constância das proposições e dos fins – mais evolução ou variação das posições e dos meios: tal seria o condensado destes julgamentos.
Desde logo, as diferentes posições que Proudhon teria tomado defronte da propriedade aparecem – intelectualmente – como as sucessivas traduções de um mesmo ideal de justiça social, e – pragmaticamente – como os progressivos ajustamentos de um empirismo na base do realismo, de boa fé e de experiência renovada.



FIRMEZA DOS PRÍNCIPIOS E DAS POSIÇÕES
Esta explicação corrente, por conter uma parte de verdade, assemelha-se um pouco superficial e própria a ancorar nos espíritos rápidos ou de má fé a imagem de um Proudhon cuja firmeza das boas intenções teóricas não impede nada a incoerência de um pensamento prático. Ora, a unidade do pensamento proudhoniano é uma unidade na fé racional e pragmática cujas concepções e construções traduzem simultaneamente a permanência. Para melhor discernir esta unidade inteira, Bouglé não nos mostra nada do caminho quando ele escrevia, na passagem já citada: “É preciso, para decidir (a unidade deste pensamento) seguir passo a passo o seu desenvolvimento, assistir ao trabalho íntimo por aquele, no fundo da experiência aumenta, ela procura responder aos problemas que ainda lhe coloca… Talvez então apercebia-se que uma mesma solução económica o assediava, cuja obsessão explica as suas reacções diversas”.
Tirando lucro das inúmeras interpretações proudhonianas, e de leituras e reflexões renovadas, nós não poderíamos demonstrar que para resolver o problema da propriedade, Proudhon propõe do príncipio ao fim da sua obra “uma mesma solução económica”?
Desde logo, as pretendidas variações de posição não aparecerão na realidade como a conjunção de uma variação de vocabulário, de uma diferença de acentuação e de uma formulação cada vez mais precisa, ou seja, de uma estruturação cada vez mais desenvolvida do seu pensamento primitivo.
-Formalmente, se lá houvesse variação da posição de Proudhon sobre a propriedade, isso seria essencialmente uma variação de vocabulário. Se as definições da propriedade – monopólio e da propriedade – função ficarão nos mesmos de uma ponta à outra da obra proudhoniana, os seus nomes mudarão. Com efeito, Prouhon, depois de ter respectivamente nomeado “propriedade” e “possessão”, chegará, seguidamente, a dar-lhes a mesma denominação corrente de “propriedade”. Mas abandonando o nome de “possessão”, é com a causa das confusões e das consequências jurídicas que ele implicava (domínio eminente reservado ao poder público) chegaria com o mesmo golpe a suscitar, em sentido contrário, uma nova confusão de linguagem para aqueles, numerosos, que identificam as coisas com o mesmo nome, mesmo que as qualificativas precisas os diferenciem.
-Circunstancialmente, ele teria igualmente uma diferente acentuação nos papéis que Proudhon dará à “solução económica” que deve resolver o problema da propriedade. Primitivamente, ele ergue a sua propriedade – possessão, a fé contra a feudalidade capitalista, e contra o estatismo comunista. Seguidamente, consciente da força grandiosa do estadismo – continuando a criticar violentamente a feudalidade industrial onde ele profetiza o desaparecimento – insistirá sobre o papel protector e libertador da propriedade – função (individual ou colectiva), face a este estadismo super- proprietário onde o comunismo autoritário é para ele a expressão mais perfeita. Desde logo, os espíritos partidários serão tentados a revelar, nesta acentuação, uma variação ideológica – Proudhon não parou de lutar a fé contra o absolutismo proprietário de uma raça identificando-se com a sociedade, e um Estado identificando-se com um povo.
-Fundamentalmente, ele não teria variação, nem na concepção da propriedade – função, nem no essencial da construção proposta. Mas uma formulação cada vez mais explícita leva Proudhon a adaptar esta propriedade - função (a “possessão” dos primeiros tempos) – prevendo-lhe o estabelecimento progressivo no tempo, e a aplicação diversificada segundo os diferentes espaços económicos (agricultura, indústria, serviços), sociais e políticos (esfera nacional ou internacional).
Desde logo, a construção proposta tomará uma complexidade tanto mais que a sua exposição se encontrará projectada entre muitos livros e que o carácter espesso, e por vezes altivo, destas obras desmascarará a lógica e a coerência.
É a conjugação deste enriquecimento fundamental, desta acentuação circunstancial, e desta variação formal que fará criar ignorantes e malévolos no desmentido, e ocultará de inúmeros comentadores de boa fé a constância das posições e das soluções proudhonianas.

UMA SIMPLES MUDANÇA DE VOCABULÁRIO
Desde a sua Primeira Memória, Proudhon distingue dois tipos de direitos: a propriedade – roubo “direito de usar e abusar”, “direito ganho, ou seja, de produzir sem trabalhar”, “direito de invasão e de exclusão” – e a propriedade – utilitária (propriedade – função nomeada por ele como “possessão”): “direito de usar uma coisa conforme a utilização geral”, direito “colocado sob a vigilância da sociedade, submetida à condição do trabalho e da igualdade”.
Este último direito aparenta-se-lhe como o direito de usufruir. Com efeito, ele escreve, “misturais de interesse geral, até à plena saturação esta propriedade – monopólio, vós terão um príncipio novo análogo, não idêntico, ao direito de possessão e de uso conhecido dos velhos juriscônsules”. (sobre o direito da propriedade, explicações). Mas pode-se então exigir-se porquê Proudhon se recusa, antes de mais, chamar este novo direito com o nome de “propriedade – utilitária” ou de “propriedade -função”. “A possessão individual foi “nomeada primeiro propriedade” reconhecia bem Proudhon (Segunda Memória) e segundo M.Leroux, “ele não teve propriedade e propriedade: uma boa e a outra má?” Na realidade, Proudhon crê que uma identidade de nome não serve para justificar, por uma simples confusão de linguagem, a propriedade – monopólio ao mesmo tempo que a propriedade – função.
“Convêm-lhe, escreve ele, de chamar as coisas diferentes de nomes diferentes. Se se conserva o nome da propriedade pela primeira espécie, é preciso chamar a segunda “furto”. Se, pelo contrário, reserva-se para aquele o nome de propriedade, é absolutamente necessário substituir aquele por este de possessão ou por outro equivalente. Tanto mais que ele arrebatava uma sinonímia odiosa,” (Segunda Memória).
Mas os espíritos mais evoluídos receiam, no seu conservadorismo mental, a publicidade de uma mudança de nome que a realidade de uma mudança de definição. “Se eu dizia, escreve Proudhon, que a propriedade é um bem, mas a propriedade – casta, a posição da propriedade, é um mal, eu seria um génio pregado pelos bacharéis das investigações. Se, pelo contrário, eu prefiro a língua clássica de Roma e do código civil e se eu digo que a possessão é um bem, mas a propriedade é um furto, imediatamente os súbditos bacharéis protestam o monstro… Poder de expressão!” (Segunda Memória). O que chama ele de “propriedade”? Ele esclarece-o claramente: “Existe na propriedade uma loucura de abuso e odiosos abusos… eu chamo exclusivamente propriedade a soma destes abusos…” (Segunda Memória). Entretanto, Proudhon hesita diante do equívoco seduzido pela sua apelação de “possessão”. Presentemente a “diferença está bem estabelecida entre propriedade e possessão, e a primeira” (a propriedade – monopólio) “deve necessariamente desaparecer, convêm-lhe para a frágil vantagem de restaurar uma etimologia de conservar o significado da propriedade?”
Assim o puro Proudhon balança com o Proudhon realista. Mas ele não comete um “laxismo”, em sentido contrário, recuperando do significado de “propriedade” “a soma dos abusos proprietários”? Na sua Terceira Memória, nós vemo-lo ainda atordoado no equívoco da linguagem que estes escrúpulos criaram.
“A propriedade é hoje em dia abusiva, refere. É preciso devolvê-la à sociedade…- Eu não exigo o melhor. – Por isso, é necessário substituir o trabalho dividido, a concorrência egoísta, a repartição arbitrária, pela exploração unitária, a solidariedade e uma melhor repartição dos produtos. – É isto que eu não paro de repetir. – então, vós nunca declamareis contra a propriedade? – Sem dúvida… porque então a propriedade não será mais…”
Mas, desde 1843, com a Criação da Ordem, Proudhon admite que há falta, o que ele tinha chamado “possessão” e definido como propriedade. “A propriedade, desde que ela existe, é indefensível, ela inclina-se contra a sua ruína, ou se quisermos, se o significado parece bastante duro contra a sua metamorfose (…); a responsabilidade do trabalho aplicado à propriedade mudará aqui um direito novo que não teria nada mais em comum com o antigo que o príncipio (a individualidade) e talvez o nome”. E neste mesmo capítulo V da criação da ordem, Proudhon vem conceder esta definição que parece ser extraída da teoria da propriedade, que ele escrevera vinte anos mais tarde: “o direito da propriedade (já o nome de possessão é abandonado) é uma ficção legal na qual reconhecemos mais tarde a utilidade para a formação e a mobilização dos capitais, a responsabilidade dos trabalhadores e a liberdade individual. “Era reconhecer na propriedade das funções económicas, pessoal e social, às quais iria juntar, cinco anos mais tarde (Direito ao trabalho e à propriedade) uma função política, como” equilíbrio do estadismo. Desde logo, em 1846, nas Contradições económicas, propriedade-monopólio e propriedade-função são denominadas da mesma maneira: “A propriedade é o preço do trabalho e a negação do trabalho … a propriedade é uma instituição de justiça, e a propriedade é o furto”. Sob o mesmo nome e com a mesmo instituição, existem dois direitos diferentes, dois princípios contraditórios.
Assim apresentada a casa aparentava-se entretanto um pouco à deriva da prestidigitação: com efeito, Proudhon entende reunir nesta formulação duas constatações: de um lado a propriedade presente, justificando os seus abusos para as suas utilidades, é ela mesma contraditória: do outro lado, esta contradição interna (entre a propriedade-trabalho e a propriedade-fortuna) produz um processo dialéctico que, voluntariamente e judicialmente utilizado, pode permitir à propriedade fazer-se “equação”, de se equilibrar purificando-se. O que ele explicará doze anos mais tarde na Justiça, escrevendo: “o que eu procurava desde 1840 definido a propriedade, o que eu quero hoje em dia (…) é que se faça o balanço”.

UMA MESMA DEFINIÇÃO DA PROPRIEDADE
E Proudhon, numa passagem pela capital da sua teoria da propriedade resume o publicado exacto da sua evolução: “Em 1840, ele tinha 22 anos, pronunciava (…) a condenação da propriedade, desde que ela fosse produto no direito romano e no direito francês, na economia política e na história. Eu repousava, nestes termos não menos energéticos, a hipótese contrária, a comunidade. Qual era então o meu pensamento? Que a propriedade deveria ser sintetizada numa fórmula superior dando igualmente satisfação ao interesse colectivo e ao interesse individual. Eu dava (nota-se a confissão claramente proibida) a esta fórmula superior prevista e afirmada por mim desde 1840, o nome provisório e equívoco de possessão, termo equívoco que eu não podia querer e que eu abandonei:
Qual era esta fórmula superior? A “propriedade – função” é a mesma que ele definia sob o nome abandonado de “possessão” como “um direito de usar uma coisa conforme a utilização geral”, um direito “colocado sob a vigilância da sociedade”. É esta mesma instituição que ele previa, desde 1843, como um “direito novo” de propriedade, assegurando “a responsabilidade do trabalhador e a liberdade individual”. A propriedade, esclarece ele na sua Teoria, “não pode ser um direito já que ela é uma função”. E esta função é quádrupla: pessoal, económica, social e política.
É ela antes de mais pessoal: a propriedade “é acordada ao homem com vista a protegê-lo contra os atentados do poder e as incursões dos semelhantes. Assim concebida “ela revela-se como uma função à qual todo o cidadão é chamado”.
Mas esta função é igualmente económica. “A humanidade não é ela própria a proprietária da terra (…) nós devemos cultivá-la, possuí-la, usufruí-la”, não arbitrariamente, mas segundo “as regras e os fins que excluem todo o absolutismo”. A este respeito, todo o proprietário contracta em presença daquele dos “compromissos” que limitam o seu próprio direito.
Ele segue-se que esta função é também social. “O cidadão, enquanto trabalha, produz, possui,” fá-lo” em função da sociedade, mas não é de todo funcionário do Estado”, pois esta propriedade serve justamente para o precaver contra as usurpações estatais.
Também, finalmente, esta função revela-se igualmente política:” Servir de equilíbrio ao poder público, balançar o estado, e por este meio assegurar a liberdade individual: tal será, no sistema político, a função principal da propriedade”.
Na verdade, mais ainda que o poder capitalista, “o poder do estado é um poder de concentração”. Se deixamo-lo agir sem equilíbrio, “toda a individualidade desaparecerá (…) a sociedade tomba na comunidade”. Que é que sobressai finalmente desta aproximação e deste encadernamento de textos que vão desde os primeiros escritos de Proudhon até à sua morte? Uma condenação constante da propriedade – monopólio: uma mesma concepção prática de uma propriedade – função: o abandono do nome provisório de “possessão”, reconhecido equívoco e inadequado ao seu pensamento; enfim a descoberta, no centro do feito proprietário, de um processo dialéctico real, relativizando os absolutos que se afrontam, e permitem, pela organização da sua oposição permanente, um equilíbrio dinâmico da propriedade.

FIRMEZA NOS MEIO E NAS SOLUÇÕES
Através de uma experiência sem aumento, uma grande firmeza de concepção política: tal é a constatação à qual nós provocámos o exame dos testes. Mas não se pode ir mais longe na análise, e mostrar que Proudhon, do príncipio até ao fim, nem sempre proposto, para resolver o problema da propriedade, que uma mesma solução económica? Sem dúvida, de esquemático a simples, esta solução se tornaria muito detalhada e muito complexa. Sem dúvida, a sua crença no estadismo obrigará Proudhon a acentuar-lhe algumas clarezas. Mas o esboço ficará idêntico de uma ponta à outra da obra.
Desde o seu primeiro livro, Da Celebração de domingo, Proudhon indica os limites práticos nos quais se inscreve a procura de uma solução económica na qual define os princípios de uma vez por todas: “Descobrir e constatar as leis económicas, restritivas da propriedade, distributivas do trabalho, (…) encontrar um estado de igualdade social que não seja nem comunidade, nem despotismo, nem fragmentação, nem anarquia, mas liberdade na ordem, e independência na unidade (…) e, este primeiro ponto resolvido, (…) indicar o melhor modo de transição”. E na sua Primeira Memória, ele esclarece o seu programa pela procura “de um sistema no qual todas as instituições actuais, menos a propriedade ou a soma dos abusos da propriedade (nota-se a nuance essencial) podem não só encontrar lugar, mas que elas sejam elas mesmas um meio de igualdade”. Assim, desde esta época, Proudhon indica o meio e a prática de “purgar” a propriedade abusiva: a acção das instituições sobre a propriedade e a “socialização” do meio económico. E na sua Segunda Memória, ele destaca um segundo meio: a relativização da propriedade pela generalização dos direitos de todos. E isto que ele explica muito claramente na sua Terceira Memória: “Esgotar as consequências do regime proprietário desenvolvendo os direitos de todos, é na minha opinião o único modo racional de nos elevarmos sem impulso a uma forma social sintética”. E, na mesma época, ele resume assim os princípios de acção da solução económica que ele preconiza: “Em duas palavras, abolir progressivamente e até à extinção da fortuna, eis a transição. A organização resultará do príncipio da divisão do trabalho e da força colectiva combinadas com a conservação da personalidade do homem e dos cidadãos”.
Uma vez cercados os assuntos e os carácteres desta solução económica, e desempenhados os princípios gerais da acção, que meios vai ele efectivamente emprestar para acelerar o acontecimento desta solução económica? É diante de toda a acção institucional dobrada numa acção reivindicadora? Esta acção institucional deve traduzir-se pela constituição de um “direito do trabalho” e “a consequência necessária” desta constituição “será a transformação do direito absoluto, sob o qual nós vivemos, no direito profissional”. Animado pelo príncipio de reciprocidade e de respeito mútuo, este “direito do trabalho” e suas implicações práticas conduzirão à perturbação da jurisprudência… reconstituí-la a ajudar um novo direito administrativo e do elemento económico” (Terceira Memória).
Desde a sua Primeira Memória, Proudhon marca a consequência prática da aplicação deste direito económico à propriedade:
direito de operário “na participação dos produtos e nos benefícios” e na “propriedade – social” resultado do trabalho colectivo;
direito do caseiro “a uma porção da propriedade (…), ao novo valor”, produzido pelo seu trabalho.
Mas estas consequências proprietárias não deverão ser, em caso algum, assimiladas pelo direito do Estado identificando-se com uma comunidade. “A comunidade, é a morte!”, escreveu Proudhon, desde a sua primeira obra, porque a comunidade é o proprietário absoluto por excelência. “A comunidade é proprietária, e proprietária não somente de bens, mas de pessoas e de vontades”. Também, desde 1846, nas Contradições, ele engloba este direito económico “numa teoria da mutualidade (…) num sistema de garantias (…) que tem lugar de dar crédito ao capital e o Estado (…) e sem interditar a iniciativa individual (…) restabelecem incessantemente a sociedade, as riquezas que a apropriação destroi”, e , na sua revolução social, ele exige uma restruturação mutualista da economia “substituindo sobretudo o direito relativo e móvel da mutualidade, ao direito absoluto da propriedade”.
Desde já, na sua criação da ordem, Proudhon tinha delineado a sua concepção prática da economia, concebida como uma sócio-economia articulando-se numa compatibilidade económica, uma sociologia económica, e um direito económico. As Contradições económicas esclarecem esta articulação, indicando claramente a natureza, colocando-a no papel que ele entende reconhecer neste direito económico no qual a mutualidade será a fonte e o príncipio director bem como realizador. Assim, esta solução económica que Proudhon indica desde os primeiros escritos – este direito económico real à base da reciprocidade, de responsabilidade, de trocas e de trabalho; este regime económico restruturando propriedade e instituições – não é mais que o direito mutualista, regime que insere, no centro de uma economia contratual, propriedades – função diversificadas e instituições especializadas. Desde logo, este “direito económico” aparece como a expressão de um “mutualismo económico” apresentando-se conjuntamente como um príncipio permanente do “equilíbrio” e da “organização” (“o príncipio da mutualidade”) – como uma acção institucionalizante traduzem, regularizam e protegem as instituições abertas e evoluídas da vida dos grupos e das realidades sócio-económicas; enfim, como um direito pluralista exprimindo as relações vivas e os benefícios dinâmicos das forças, das pessoas e dos grupos que constituem a economia e a sociedade económica.
“ O que é que constitui o direito económico no qual eu tenho vezes falado nas publicações económicas, concluí Proudhon neste testamento que é a capacidade política das classes operárias, (…) deve-se compreender imediatamente, que é o regime da mutualidade. Ao redor das instituições mutualistas livremente formadas pela experiência e pela razão, os feitos económicos não são mais que uma confusão de manifestações contraditórias, produto do destino, da fraude, da tirania e do furto” (capítulo XIV).
Assim, na exposição sem riqueza da sua solução económica, a linha é contínua, sem falhas. Ele cansa-se de seguir muito atentamente, de passagem em passagem, de um livro ao outro, a corrente do rio proudhoniano, sem o deixar agarrar pelos braços mortos das digressões nem pelas rupturas de plano, e sem se afastar ao horizonte de uma só obra.

A CONSEQUÊNCIA DE UMA FIDELIDADE
As suas últimas obras: Do Príncipio federativo, Da Capacidade política das classes operárias, e Teoria da propriedade – que os espíritos superficiais ou mal intencionadas consideram por vezes como contraditórias – formam na realidade um ”tryptique”, na qual as superfícies complementam-se perfeitamente para expor em toda a sua fecundidade esta solução económica na qual Proudhon dá antes de mais, o esboço essencial, mas que ele não deixou de desenvolver. Esta “teoria mutualista e federativa da propriedade” a que Proudhon fala no fim do capitulo XIII da capacidade devia ser a exposição sintética desta solução económica que ele tinha ocultado após vinte e cinco anos. Se a morte impediu a publicação desta livre síntese, a Teoria da propriedade dá-nos, com os seus outros dois testemunhos ( Princípio Federativo e Capacidade), o essencial. E com as passagens construtivas dos seus livros anteriores (nomeadamente a Justiça, a Guerra e a Paz, A Ideia geral da Revolução) nós poderemos reconstituir a estrutura e as aplicações.
A propriedade é uma função. As suas funções são pessoal, social, económica e política. Desde que a propriedade permaneça um direito absoluto, mas desde que ela seja um absoluto ao qual são chamadas todas as pessoas individual ou colectiva - ela relativiza-se diante dos indivíduos e das colectividades sociais.
Direito absoluto, mas direito absoluto de todos, ela torna-se:
Uma função relativa a todo o homem que tem direito à propriedade da sua pessoa e dos frutos do seu trabalho;
Uma função relativa à sociedade e às colectividades sociais que pela sua existência e pela coordenação dos esforços que elas mantêm e permitem trocas, divisão do trabalho e desempenho de um excesso colectivo.
Assim todo o homem possui, mas em função da sociedade, e os membros das colectividades sociais têm, em muitos ganhos pessoais, um direito de propriedade sobre o excesso colectivo produzido pela união dos esforços.
Como função económica, este direito absoluto de propriedade produz igualmente um trabalho absoluto de produzir “Segundo os fins e as regras “. Este trabalho absoluto relativiza o direito absoluto de possuir.
Quanto à função política da propriedade, ela não conduz a conceder ao direito absoluto da propriedade a um Estado identificando-se ficticiamente a uma comunidade, mas a relativizar o Estado pela propriedade. Com tanto que absoluta, ela deve contrabalançar com este outro absoluto que é o Estado.
Assim, pelas suas funções pessoais, sociais e económicas, a propriedade direito absoluto é provocada a relativizar-se pelo exercício deste direito absoluto pelos outros homens, pela sociedade, pelos trabalhos absolutos que ele conduz em matéria económica. Ela é à sua maneira obrigada a relativizar o absolutismo do Estado sabendo face a si como um direito absoluto exercido pelo conjunto dos proprietários individuais e colectivos.
Desde logo, a propriedade – “relativizada” interiormente pelo exercício do direito absoluto de todos os titulares deste direito – tornam-se exteriormente, mesmo em conjunto, adestrado face ao estado, um direito absoluto com o qual deve compôr a natureza absolutista do poder político.
Tal é a “metafísica” profunda desta teoria pragmática. Ela anima e explica toda a estruturação mutualista e federalista que unifica e diversifica á vez esta “solução económica” oculta com todo o cuidado.
A mutualização da agricultura e da constituição de propriedades de exploração:
a “socialização” progressiva da indústria pela participação e co-gestão, e a constituição ao lado das propriedades artesanais, de propriedade empreendidas
a organização cooperativa dos serviços (seguros, crédito, comércio)
a multiplicação das instituições mutualistas suscitam entre eles conjuntos, o tecido de uma economia contratual
a criação de “federações agrícola-industriais” destinadas a compôr, face ao Estado e à “constituição política”, a sociedade económica, detentora de um direito absoluto de propriedade e fecham da “constituição social”: toda esta estruturação parte da “teoria mutualista e federativa da propriedade”.
Também Proudhon, nas últimas páginas da sua Teoria da propriedade conclui: “Graças a esta solução económica, a terra não está nas mãos do Estado, mas sob a mão de todos (…) cada trabalhador tem a mão sobre uma porção de capital”, e ele prevê “cedo ou tarde a exaltação destas estruturas libertadoras”. Mas para que esta exaltação seja possível, é preciso que as estruturas políticas sejam animadas e dispostas segundo os mesmos princípios.
Qual é este “príncipio político” que deve ser “adequado e idêntico ao príncipio económico?” É “o príncipio federativo, sinónimo de mutualidade e de garantia” (Capacidade, capítulo XIII). Assim, “transportado na esfera política, o que nós temos chamado até aqui de mutualismo, toma o nome de federalismo. Numa simples sinonímia é-nos dada a revolução toda inteira” (Ibidem).
Mas, federação política implicará federação económica, e emancipação política, emancipação económica: “O problema do proletariado e aquele do equilíbrio europeu estão solidários (…). É preciso ao direito político confrontá-lo com o direito económico (…). Se a ordem federativa não serve para proteger a anarquia capitalista e mercantil, melhor será para os povos, a unidade imperial que a federação” (Príncipio federativo, capítulo XI).
As propriedades submetidas ao regime da mutualidade, os Estados submetidos à ordem federativa, serão suficientes? Não, pensa Proudhon. “O elemento da regeneração” é ainda com “o equilíbrio da propriedade… a revolução moral” (Teoria da Propriedade, conclusão); é ainda com a “federação (…) os princípios da justiça iminente (capítulo I).
Parti da justiça e do direito absoluto que todo o homem possui. Proudhon chega à propriedade mutualista e à ordem federativa. Alguma variação, alguma mudança real de posição; um enriquecimento constante, uma boa fé absoluta. Um sistema completo? Não, pois isso seria a mensagem da utopia: “O povo queria acabar, ora (…) ele não teve o fim” (carta a Langlois, Dezembro 1851). “Nós nunca seremos o fim do direito, porque nós nunca cessaremos de criar entre nós novos benefícios” (Justiça, I, capítulo IV).