quarta-feira, novembro 23, 2005

MORAL CIENTÍFICA OU CIÊNCIA MORAL EM PROUDHON

Proudhon não procura propor valores que se apresentassem como resgatados da Verdade, uma verdade científica, mas sobretudo um projecto económico implicando uma estrutura social geradora de Justiça, noutros termos, uma ciência moral.
Se a ciência parece, na sua natureza, ser a voz pela qual se afirmam as verdades, como supor-lhe uma qualidade moral? A resposta a esta questão passa por dois pontos; o primeiro está contido na hipótese segundo a qual a ciência, a Verdade, se eleva inevitavelmente do Bem (hipótese de Deus); o segundo ponto reside no facto que a Verdade e as leis económicas podem ser ridicularizadas, a economia política não pode ser a justificação “científica” da experiência social do facto económico (hipótese segundo a qual o funcionamento duma economia não prova nem a sua veracidade, nem o seu valor). O que é antes de tudo esta hipótese de Deus?
Proudhon, ao colocar a hipótese duma racionalidade transcendente à racionalidade humana, cuja colocação tenderia à criação duma Ordem relevando do Justo do Bem na humanidade, tem necessidade, pelo menos assim o pensa, duma justificação divina. (1) Por esta hipótese, Proudhon liga o Justo e o verdadeiro, e pela segunda conserva o seu objectivo revolucionário. Retomemos a lógica de Qu`est-ce que la propriété? :
“On a dit, en parlant de l`aveuglement et de l`obstination des passions, que si l`homme avait quelque intérêt à nier les vérités de l`arithmétique, il trouverait moyen d`en ébranler la certitude; voici l`occasion de faire cette curieuse expérience.J´attaque la propriété, non plus par les aphorismes, mais par le calcul.
Que les propriétaires se tiennent donc prêts à vérifier mes opérations: car si par malheur por eux elles se trouvent justes, ils sont perdus.
En prouvant l`impossibilité de la propriété, j`achève d`en prouver l`injustice; en effet:
Ce qui est juste, à plus forte raison est utile;
Ce qui est utile, à plus forte raison est vrai;
Ce qui est vrai, à plus forte raison est possible;
Conséquemment, tout ce qui sort du possible sort donc par là même de la vérité, de l`utilité, de la justice.Donc, a priori, on peut juger de la justice d`une chose par son impossibilité; en sorte que si cette chose était souverainement impossible, elle serait souverainement injuste”.(2)
É portanto da Ciência, seja ela humana ou social, que relevam o verdadeiro e o possível mas também o justo e o útil. (3) Os factos nada provam, a moral nada justifica, a realidade pode ser “impossível”.
Como evitar então cair no dogmatismo duma “moral científica”? Se há confusão, ou relação, entre Valor e verdade em Proudhon, esta não pode ser levada a uma justificação de todas as acções, à negação de todo o diálogo pela Ciência?
Contrariamente a Marx, Proudhon não se pode impedir de raciocinar sem referência moral ( não fala ele de “roubo” onde Marx fala de “exploração”? ) .(4) A noção de Justiça está omnipresente na sua obra e teria concedido de boa vontade a Engels que uma “indignação moral” não é “um argumento mas somente um sintoma” (5), não teria sabido decidir-se à negação de toda a moral tal qual a praticava Marx.(6) Neste sentido, escapa ao dogmatismo duma “moral científica”, quer dizer à submissão da consciência a um sistema, a uma lógica abstracta, a uma “Ideologia” que se apresentasse como relevando do Verdadeiro, (7) mas construindo o que ele quer ser uma “ciência social”, não realiza a que ponto os entorses metodológicos que impõe ao pensamento científico são inválidos para pretender uma certa cientificidade.
A diligência de Proudhon é portanto suficientemente complexa para que nos detenhamo-nos sobre a maneira da qual ele faz malabarices com as noções morais e o discurso científico sem se afundar nos flancos duma moral “dogmática”. Antes de tudo, é preciso fazer residir o seu sistema sobre uma economia política aberta a toda a forma de críticas ( é aliás o que faz a confusão da sua teoria), é deste modo que procura tecnicamente a abraçar a realidade e as suas interpretações na sua totalidade(8), e, teoricamente, a nunca colocar a cientificidade irrepreensível das suas análises, quer dizer, a nunca a apresentar como o detentor da Verdade única, imutável e universal(9). É por isso que se ele “afirma a realidade duma ciência económica” (10), ele “afirma por outro lado (...) o carácter progressivo da ciência económica” (11) e precisa que “emprega a palavra ciência por antecipação” (12) (13)



NOTAS



1- Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, ed. Rivière, 1923:
“ J`ai besoin de l`hypothèse de Dieu pour montrer le lien qui unit la civilisation à la nature”, t.I, p.54.
O antiteísta Proudhon não é, entretanto, simplório da natureza falaciosa do argumento, assim, acrescenta sob a forma de arrebatamento:
“Ainsi, grâce à l`hypothèse de Dieu, toute opposition stationnaire ou rétrograde, toute fin de non-recevoir proposée par la théologie, la tradition ou l`égoisme, se trouve péremptoirement et irrévocablement écartée.” ( Proudhon “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed. Riviere, 1923, t.I, pp.53-54), e enfim:
“ J`ai besoin de l`hypothèse de Dieu pou témoigner de ma bonne volonté envers une multitude de sectes, dont je ne partage pas les opinions, mais dont je crains les rancunes.” ( Proudhon “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed. Riviere, 1923, t.I, p.54.)
Estas precauções tomadas por Proudhon não nos devem conduzir a minimizar a importância desta hipótese ou a por em causa a sinceridade do autor; não declarava ele já no dia 13 de Agosto de 1839, que era impossível de “penser, de parler, de raisonner sur une science quelconque sans nommer Dieu” ( Proudhon “carnets de P.J. Proudhon”, Paris, ed. Riviere, t.I, 1960, (página 26 do terceiro Caderno)).
Entretanto, Deus toma depressa uma outra forma na obra de Proudhon. Com efeito, no princípio a hipótese de Deus parece ser apresentada como condição de Ordem (“ La société est gouvernée avec conseil, préméditation, intelligence. Ce jugement, qui exclut le hasard, est donc ce qui fonde la possibilité d`une science sociale.” ( Proudhon “Système des contradictions économiques”, Paris, ed. Riviere, 1923, t.I, p.52).
Supor Deus é portanto necessário ao fundamento da ciência social. Ora o que vai construir esta última não será que negação sistemática de Deus( “supposer Dieu, dira-t-on, c`est le nier” (Proudhon “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed. Riviere, 1923, t.I, p.33)).Com efeito:
“Qu`est-ce que Dieu?
Dieu est, hypothétiquement, l`éternel le tout-puissant, l`infaillible, l`immuable, le spontané, en un mot, l`infini en toutes facultés, propriétés et manifestations. Dieu est l`être en qui l´intelligence et l`activité, élevées à une puissance infinie, deviennent adéquates et identiques à la fatalité même Summa lex, summa libertas, summa necessitas. Dieu donc est par essence antiprogressif et antiprovidentiel: Dictum factum, voilà sa devise, sa seule et unique loi. Et comme en lui l`éternité exclut la Providence, de même l`infaillibilité exclut làperception du mal: Sanctus in omnibus operibus suis”. (Proudhon “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed. Riviere, 1923, t.II, p.248).
Deste modo, o quadro general do qual o homem procura libertar-se, e do qual o absolutismo e a imutabilidade não têm igual a não ser a injustiça, é totalmente legitimada pela ideia de Deus:
“Mais si la propriété, spontanée et progressive, est une religion, elle est, comme la monarchie et le sacerdoce, de droit divin.Pareillement l`inégalité des conditions et des fortunes, la misère, est de droit divin: le parjure et le vol sont d`institution divine; l`explotation de l`homme par l`homme est affirmation, que dis-je? manifestation de Dieu.
Les vrais théistes sont les propriétaires; les défenseurs de la propriété sont tous hommes craignant Dieu; les condamnations à la mort et à la gêne, qu`ils exécutent les uns les autres par suite de leurs malentendus sur la propriété, sont des sacrifices humains offerts au dieu de la force.Ceux-là, au contraire, qui annoncent la fin prochaine de la propriété, qui provoquent avec Jésus-Christ et saint Paul l`abolition de la propriété, qui raisonnent sur la production, la consommation et la distribution des richesses, sont les anarchistes et les athées, et la société, qui marche visiblement à l`égalité et à la science, la société est la négation incessante de Dieu.” (Proudhon “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed. Riviere, 1923, t.II, p.247).
A ciência moral progressiva e a-dogmática, não portanto que a revolta do homem moral contra as justificações mystiques des divers pouvoirs:
“Si Dieu n`existait pas, il n`y aurait point de propriétaires: c`est la conclusion de l`économie politique.
Et la conclusion de la science sociale est celle-ci: La propriété est le crime de l`Être suprême.Il n`y a pour l`homme qu`un seul devoir, qu`une seule religion, c`est de devoir renier Dieu. Hoc est primum et maximum mandatum.” (Proudhon “Système des contradictions économiques”, Paris, ED. Riviere, 1923, t.II, pp.236-237).

2- Proudhon - “Qu`est-ce que la propriété?”, Ed. Riviere, 1926, p.243.

3- Estamos longe da estricta distinção walrasiana: Art (Beau); Science (Vrai); Industrie (Utile); Moeurs (Juste), “Études d`économie sociale”, 4ª lição; e “Études déconomie politique appliquée”, p.457.

4- Seria sem dúvida necessário relativizar esta proposição quanto ao que ela implica sobre Marx(J. Elster “Karl Marx, une interprétation analytique”, Paris, P.U.F., 1989, pp.299 à 326, P. Moride “Karl Marx et l`idée de Justice”, revue d`histoire des doctrines économiques et sociales, Paris, Librairie P. Geuthner, nº2, 1909, ... etc)

5- F. engels “Anti-Düring”, Paris, Ed. Sociales, p.181.
6- K. Marx citado por P.D. Dognin, “Initiation à Karl Marx”, Paris, Ed. du CERF, 1970,cap.IV:
“Les communistes ne prêchent pas la morale”, “le communisme abolit les vérités éternelles, il abolit la religion et la morale au lieu d`en renouveler la forme”,...

7- Ver a explicação de Comte Sponville segundo a qual o desvio marxista leninista (“ce qui est moralement bon c`est ce qui est politiquement efficace”, “un collège de malades ne remplace pas un médecin”, ...) que, em legitimando-se pelo conhecimento, a “ciência da história” (mito platónico do filósofo-rei), pela qual “tudo é possível” (H. Arendt), augurava só por si a pior das barbáries ( com o nazismo, que se protegia por detrás dum conhecimento pseudo-científico da natureza).

8- J.Langlois - “Défense et actualité de Proudhon”, Paris, Payot, 1976, p.58:
“(...) Proudhon est à tour sociologue, philosophe, doctrinaire social, théoricien politique, économiste, critique d`art.”

9- J.Langlois - “Défense et actualité de proudhon”, Paris, Payot, 1976, p.59:
“(...) Proudhon n`a jamais pensé que ses propositions puissent être éternelles.Son projet incessant était de “détruire et édifier” à la lueur de l`expérience, sans préjudice de ce que feraient ses successeurs. Il se contentait de définir les axes de recherche et d`action, à charge des militants présents et à venir de développer une pratique et une pensée autonomes”.

10- Proudhon - “système des contradictions économiques”, Paris, Ed. Riviere, 1923, t.I, p.65.

11 - Proudhon - “systéme des contradictions économiques”, Paris, Ed. Riviere, 1923, t.I, p.65.

12 - Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed. Riviere, 1923, t.I, p.98.

13 - Proudhon - “carnets de P.J. Proudhon”, Paris, Ed. Riviere, t.I, 1960, p.280 (Caderno nº3. p.83):
“La science encore dans le chaos chez A. Smith : mais les traits principaux commencent à paraître”.
Proudhon - “Carnets de P.J. Proudhon”, Paris, Ed. Riviere, t.III, 1968, pp.389-390 (Caderno nº8, pp.131-132):
“Je vais du connu à l`inconnu: chose très simple dans les sciences, mais qui me semble encore neuve dans l`économ. soc. même après les travaux d`A. Smith et de Say”.

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