quarta-feira, novembro 23, 2005

O ANARQUISMO DE PROUDHON

Os históricos do anarquismo sublinhavam justamente a permanência de alguns temas intelectuais desde o século XVIII até à obra de Proudhon e a existência de uma tradição anarquisante maracada pelos nomes do abade Meslier, e dos Enraivecidos de 1793, Jacques Roux, Varlet, Leclerc e Claire Lacombe (1). Assim o tema central de uma contradicção insuperável entre o poder do Estado e a Revolução que Varlet exprime dizendo que “governo e Revolução são incompatíveis” tinha encontrado a sua formulação bem antes que Proudhon não a descobriu. Esta continuidade é tanto mais convencível que o meio social dos Enraivecidos de 1793 é comparável, numa certa medida, ao meio dos mutualistas e que a cidade de Lion não tinha deixado de ser tocado, naquela época, pela propaganda dos Enraivecidos parisienses (2).
Esta permanência ideológica não pode ser negligenciada, ela parace-nos contudo facilmente explicativa da organização particular dos temas proudhonianos. É preciso notar que Proudhon, que tem costume de citar todas as leituras, não evoca rapidamente o movimento dos Enraivecidos e não parece ter conhecido com precisão os escritos e declarações de Varlet ou de Jacques Roux. Este silêncio convida a pensar que uma experiência directa poderia ser mais determinante e consequentemente mais clara para a compreensão da sua obra. Mas sobretudo, o anarquismo socialista de Proudhon marca uma ruptura na história do anarquismo. Enquanto os Enraivecidos, exprimindo todo o escândalo da injustiça e da miséria, continuavam a raciocinar os termos políticos, Proudhon concentra a sua reflexão na crítica da sociedade económica e na edificação da nova organização sócio-económica. Aquela que pode ser a importância das reminências intelectuais de permanência em explicar o essencial do pensamento proudhoniano, ou seja, a promoção dos problemas económicos de uma parte e o laço rigoroso que se encontra estabelecido entre a crítica do presente e a ampla elaboração do futuro sistema. Mais que uma tradição, Proudhon participa nesta geração dos anos 1840 que interiorizou o fim das barreiras jurídicas das ordens e dosestauttos e que descobre a resistência das desigualdades económicas e a aparição de novas classes sociais. Os mestres de atelier lioneses tiraram de 1789 e de 1830 a lição de que as revoluções políticas mais não fizeram que destituir as fontes dos poderes, que os problemas a resolver devem portanto ser colocados sobre um novo terreno. Como o escrevem dois entre eles em 1832: “A ordem das coisas tinha mudado, mas o despotismo, expulsado dos castelos, tinha-se refugiado nos escritórios” (3). Mais precisamente o seu pensamento, que une estreitamente a construção imaginária da futura sociedade à crítica do presente,evoca um meio social que realizou desde logo, pela sua prática, esta ligação orgânica entre a negação do actual e a afirmação do futuro. As associações operárias e, mais particularmente o Mutualismo, tinham criado esta ligação orgânica entre a negação e a afirmação já que eles exprimem praticamente a sua revolta contra a sociedade existente e simbolizam o que eles pensavem ser a sociedade do futuro.
O que tinha sido a língua que os mutualistas davam à sua empresa, ofereciam a Proudhon o modelo de uma anarquia realizada ou, segundo o seu vocabulário, uma anarquia positiva.
A certeza de Proudhon segundo a qual a instauração do mutualismo marcaria uma ruptura essencial na história da humanidade repete o sentimento milenarista que aprovariam os primeiros mutualistas fundando a sua associação. Apesar de quarenta mestres de atelier, agrupados ao redor de Bouvery, constituirem definitivamente o Mutualismo de 28 de Junho de 1828, eles acreditam nesta data o ponto de partida de uma nova era, o primeiro diado “1º ano da Regeneração” (4). E mesmo apesar dos douradores nos bosques de Paris fundarem em 1832 a sua União, eles acreditam neste ano “o primeiro ano da renovação industrial”. Proudhon aprova este sentimento colectivo partilhado por inúmeros operários segundo o qual a criação espontânea das associações operárias marcava o acontecimento de um mundo radicalmente novo. Mas este milenarismo não é em nada uma tentativa passiva e não saberia ser confundida com a tentativa religiosa de um paraíso que poderia acontecer a todo o momento: o mutualismo tem o sentimento de viver, de criar ele mesmo esta regeneração da existência social. O seu acto é imediatamente revolucionário e instituído. Ele revela-se, não a esperar a revolução que chegará a desenrolar, mas em começar, a fazer a revolução lá onde ele se encontra e contra as instituições que o rejeitariam até então. O acto fundador é, mesmo em si, a resposta à questão colocada pela servidão económica. O acto revolucionário traz, ao realizar-se, a organização da futura sociedade. Também o mestre de atelier, se ele está quase a fazer a revolução, não está quase a fazer uma qualquer revolução. Se ele anima a insurreição de Novembro de 1831, não participa com o mesmo título na revolução política de fevereiro de 1848, nem mesmo nas jornadas de Junho. Em Paris, os marceneiros do subúrbio de Saint-Antoine só intervirão 48 horas após o levantamento da insurreição (5). É que, para estes chefes de atelier, uma revolução autêntica não pode ser nem uma colisão com as classes possedentes, nem uma insurreição política, nem um motim da fome, mas sim a acção de organização das condições de existência, acção ameaçada pelos próprios produtores, realizando a sua “emancipação” nesta criação.
A revolução anarquista só pode portanto ser feita pelos produtores. Como Proudhon não deixará de o repetir durante a Revolução de 1848, é radicalmente impossível que o anarquismo seja realizado por uma decisão do estado. É impossível que uma sociedade comunista seja instituída por uma revolução “por cima” já que ela deve realizar a submissão dos indivíduos e a sua integração numa forma única (6). Ao contrário uma sociedade anarquista liberando a pluralidade das vontades individuais só pode ser realizada “por baixo”… “pela iniciativa das massas” (7). Ela não pode portanto mais ser realizada pela força irreflectida de um multidão provisoriamente unificada numa integração paroxistica. Ela só pode ser realizada pelo “instinto” popular: ela exige “o concerto” dos trabalhadores, a sua razão e a sua experiência, como exige da sua parte a compreensão da sua acção. Ela deve realizar-se sem líder já que o produtor não saberia demitir-se da sua vontade no proveito do mestre, ou, como o diz Proudhon, de um “ídolo”. O culto do chefe pode convir a uma plebe alienada, não pode encontrar lugar numa sociedade anarquista (8) (9).
O termo de revolução não designa portanto este único momento excepcional onde a insurreição vem destruir o antigo edificio social. Apesar dos mutualistas começarem a Regeneração da fábrica eles têm a certeza, não em anunciar uma revolução, mas de a realizar na sua própria escala. Assim Proudhon falará tanto da revolução breve e excepcional, como deste “movimento mais profundo” que pode durar bastantes décadas senão mesmo bastantes séculos e pelo qual se realizavam a justiça e a liberdade. E isto não é contraditório já que podem alternar as fórmulas da última violência e as reflexões marcadas pela moderação; mesmo os mutualistas participam nos sangrentos combates das insurreições depois usam uma linguagem ponderada para comentar a sua organização. Proudhon inventa com virulência os obstáculos à exaltação da anarquia depois da razão contando com o registro do direito e de o ter na ecónomia mutualista. Os dois discursos não odem ser dissociados, eles esclarecem-se um por outro como o acto de instauração responde à crítica e clareza. Para os mutualistas como para Proudhon, a anarquia é simultaneamente destruição, crítica e afirmação.
A negação mutualista ou proudhoniana vai trazer por sua vez sbre o capital, sobre o Estado e sobre a religião e comportar os carácteres similares: a denúncia destes três “sistemas” como três poderes sociais e a sua assimilação num beneficio da analogia. Sem dúvida a crítica teórica e a crítica prática traz acima de tudo a apropriação capitalista; a prioridade deste problema junto de Proudhon responde à prioridade desta preocupação na associação operária. Mas se este refúgio está no primeiro lugar económico ele inscreve-se também num conflito de poderes contra os fabricantes. As fórmulas valorizantes que empregam os operários para designar a sua associação exprimem bem a sua vontade dos empresários. Ele agita-se para eles, mais ainda que para os companheiros, escapar à autoridade dos fabricantes e retomar o controlo da sua actividade. Na medida na qual eles permanecem detentores dos seus meios de produção e habituados a gerir uma pequena empresa, eles estão presos num conflito de autoridade com os seus empregados e desejosos em negar a autoridade que os domina. Logo que Proudhon denunciara o roubo proprietário, não faltará fazer também de empregar um poder que uma sociedade anarquista deveria aniquilar. Neste sentido a luta económica implica desde logo uma luta política.
E mesmo a negação anarquista do Estado, se ela luta também contra as classes dominantes, é acima de tudo uma luta contra a autoridade exterior ou, no vocabulário de Proudhon, contra o poder “transcendente”. Com efeito a história do Mutualismo faz aparecer, pelo menos as origens do movimento, uma profunda indiferença na vida política e uma singular tolerante à pluralidade das opiniões. Pierre Charnier tem simpatias carlistas, o chefe de atelier Jacques Lacombe é o chefe dos Volontaires du Rhône e os fundadores inscrevem nos seus estatutos a interdição das discussões políticas e religiosas. Mas esta aparente indiferença, que se reencontrara no tom desrespeitoso de Proudhon aos olhos do poder, revela o seu significado nas insurreições, quer os revoltados coloquem as sentenças dos representantes do governo, semelhante ao prefeito Bouvier-Dumolard em Novembro de 1831, quer eles persigam do Hotel da Cidade o estado-maior republicano. Eles recusam efectivamente verem-se frustrados da sua victória e que uma nova autoridade exterior vem impôr uma outra vontade que a sua. E deste ponto de vista com efeito todos os poderes são equivalentes: Proudhon retomará este movimento do pensamento dizendo que a restituição da liberdade aos produtores passa pela destruição de todo o governo e que face à reivindicação operária da autonomia todo o Estado é opressor e absolutista. Sem dúvida estas fórmulas são, no seu pensamento, um limite, mas elas são um momento necessário e não ultrapassado já que é a partir deste refúgio absoluto que deverá colocar-se o problema das centralizações na sociedade federada. O sufrágio universal, a democracia são os termos que devem ser suspeitados e críticados.
Uma assimilação deve portanto ser estabelecida entre o capital e o poder político. Como o diziam os chefes de atelier que situavam os novos poderes nos “escritórios”, o princípio de autoridade não está simplesmente encarnado no Estado ou, como se diz então, no Ministério, está analogicamente presente na propriedade. aos olhos de Proudhon, como aos olhos do mutualista que vê os poderes políticos tomar partido dos fabricantes, o capital e o governo não são mais que dois aspectos complementares da mesma opressão. Como ele o escreveu no Sistema das contradicções económicas: “O problema consiste portanto, para as classes trabalhadoras…, em vencer tudo à voz do poder e do monopólio.”
Esta assimilação entende-se, e pelas mesmas razões, na religião e mais exactamente na Igreja católica. Antes de ser discutida nestes princípios teóricos, ela é recusada enquanto o poder, enquanto a autoridade que escaparia ao controlo dos operários associados. Sem dúvida um estudo das “influências” não poderia negligenciar o bem teórico da crítica racionalista e da franco-maçonaria sobre o pensamento proudhoniano e sobre o pensamento operário lionês, mas a atitude dos mutualistas aos olhos da religião exprime acima de tudo a sua vontade de autonomia pelo bem de uma força social. Eles excluem das suas reuniões e ao mesmo tempo as discussões políticas e as discussões religiosas, recusam assim toda a ingerência da política como do religioso. Assim que Proudhon, eles reaproximam à religião não ser fiel aos princípios gerais do Evangelho e asim entrar em conflito social com as suas prórpias exigências. Esta crítica social da religião constituí, neste tempo, um momento essencial do pensamento dos mutualistas, na mesma medda onde ela é mais anticlerical do que anti-religiosa. É no assunto da religião que os mutualistas se dizem eles mesmos anarquistas, como eles o escrevem em Março de 1834 na sua resposta à letra ao deputado Charles Dupin, se eles consideram como “anarquistas” é precisamente com vista ao desenvolvimento social da Igreja que, em vez de entrar em conflito com os poderes opressores, participa directamente e analogicamente nesta opressão (10).
O anarquismo será neste triplo refúgio unitariamente um pensamento. O pensamento de Proudhon, como o pensamento e a prática dos mutualistas, opera uma totalização das autoridades e recusa-las num mesmo movimento. Como o escreve Proudhon, reprimindo esta síntese prática: o movimento operário deve esclarecer e substituir todas a transcendências e realizar a todos os niveis da realidade social a filosofia da imanência (11). Mas este movimento de refúgio e de falta não pode de forma alguma dissociar-se da afirmação que o justifica: a possibilidade para os produtores em assumir integralmente a organização e a gestão da produção. Os contemporâneos que não reterão que as negações de Proudhon e, em particular, o seu ateísmo só poderão ver em si um espírito rebelde em defender e em destruir, não trazendo nem a desordem nem a violência. Ora, no seu pensamento que toma como modelo e como argumento as organizações operárias, o anarquismo designa positivamente um feito operário, uma organização espontânea na qual á preciso descobrir e promover os próprios carácteres. O trabalho organiza-se, ou seja, os produtores, desde que mutualistas lioneses, não aguardam de um governo o plano racional da sua organização, eles crêem em si próprios e livremente numa organização contractual e móvel onde eles só alienem a sua liberdade nos limites das suas escolhas. É com razão nestes feitos e nestas potencialidades efectivas que tem lugar combater não somente a usurpação política mas também as tentativas dos socialistas autoritários que pretendem “organizar o trabalho” por um poder “tutelar”, ou seja, submeter os produtores a um novo constrangimento exterior. Qualquer agrupamento particular não saberia portanto atribuir-se, sob pretexto de racionalidade, o direito de reger as forças económicas. Proudhon pode retomar a expressão de Saint-Simon segundo a qual o regime industrial subsistiria no governo das pessoas a administração das coisas mas erguindo a ambiguidade desta fórmula. A administração das coisas podia, efectivamente, ser guardada, não nos trabalhadores, mas aos sábios ou aos chefes industriais detentores das capacidades e encarregados em gerir razoavelmente a ecónomia para o melhor dos executantes. Ora a razão ou a ciência assim entendidas poderão reconstituir, como o indica Proudhon n’A Justiça, um novo despotismo: a razão contêm uma sabedoria transcendente, ela só tem lugar no reencontro com os produtores realizando incessantemente a “razão colectiva” (12).
A organização espontânea dos operários apresentava, em 1840, muitas formas diversas para que o teórico possa aceitá-las todas. Quão flexível que seja o projecto proudhoniano e se pode integrar, depois dos socialismos de troca, as associações de produção, ele recusa os limites da camaradagem assim como os ateliers nacionais. O anarquismo exige, segundo o modelo fornecido pelo mutualismo e susceptível de alargamneto, uma concepção nova da empresa, a manutenção da pluralidade dos pólos de produção e instauração da sua mutualidade.
As indicações de Proudhon concernando a empresa e as companhias industriais tendem a eliminar, no seio do atelier, os poderes absolutos e as hierarquias imutáveis. Elas tendem a recriar a empresa à imagem de um atelier onde seriam mantidos entre os participantes os beneficios de igualdade e de solidariedade. Os diatribes lançados contra a escola Saint-Simoniana acusada em defender as capacidades e assim as desigualdades tendem a combater, no seio da empresa, as hierarquias funcionais. Como o mutualista, e contrariamente à tentativa de alguns companheiros comunistas, Proudhon não defende o princípio de um salário uniforme: convêm pelo contrário que a partilha dos beneficios seja proporcional às tarefas e à qualidade do trabalho fornecido. Mas ele sublinha que as participações devem poder ocupar sucessivamente os diferentes postos (13) e assim conservar uma visão global da produção. Aqui a aspiração uma vez exprimida pelos representantes operários tem uma formação e um melhor conhecimento da sua profissão encontra-se repetida e sistematizada junto de Proudhon. Por uma educação onde a formação intelectual completaria incessantemente a aprendizagem, onde estaria a suportar o divórcio social entre as formações manuais e intelectuais (14), o produtor estaria em posição de ocupar todas as funções no seio da empresa. De novo, sobre o plano do ensino, o projecto proudhoniano responde à vontade operária de destruir a exterioridade dos poderes como as desigualdades de classe e de restituir a cada um o direito de participar igualitariamente as decisões da empresa. Recusando o modelo de uma divisão do trabalho e de uma especialização das funções que faziam aparecer as grandes manufacturas, Proudhon defende aqui o modelo de atelier com a sua sociabilidade particular e a sua igualdade relativa. Como ele o precisa na Ideia geral da revolução, a reforma da empresa industrial deve permitir a cada participante intervir nas decisões colectivas e de fazer parte do “conselho”. Assim que os chefes de atelier, ele não manifesta um extremo interesse para os ritmos de crescimento da produção, considerando que esta organização deve também assegurar o melhor desenvolvimento mas insistindo muito mais na natureza dos beneficios sociais e das relações da autoridade no seio da empresa (15).
E mesmo, inspirando-se na pluralidade dos ateliers, Proudhon coloca para condição da manutenção das liberdades uma estrutura pluralizada das forças económicas. Para si como para estes chefes de atelier lioneses que desejavam construir-se na La Sauvagère um estabelecimento acumulado, em 1830, 600 operários trabalhando em 250 ofícios, a concentração industrial era um perigo iminente. Proudhon denunciara este assunto, não somente os “monopólios”, fontes de desemprego e de exploração, mas todas as formas de associação onde ele queria descobrir alguma limitação à liberdade. É que efectivamente, aos seus olhos, o mutualismo trouxe desde logo, um problema debatido na associação, a resposta prática que tende a resolver os males provocados pela desordem económica mantendo a independência relativa das fábricas de produção. O pluralismo das empresas inscreve-se assim como um elemento necessário da anarquia positiva e é precisamente por estas relações estabelecidas entre os grupos distintos que se realizará este equilibrio que não podia introduzir a autoridade dos proprietários.
Ao reprimir este modelo, Proudhon devia portanto colocar no centro da sua reflexão o problema da troca e como ele propõe desde 1845 (16), a instauração da troca igual. A diferença dos companheiros que concebiam as suas Uniões como os agrupamentos de defesa contra o patronato, a diferença das associações de produções que se preocupavam em criar novos centros de produção, os mutualistas tinham imediatamente abordado o problema das trocas e tentando resolver as suas dificuldades pela criação de um novo tipo de beneficio entre os centros de produção. Como os chefes de atelier, e alargando a sua inovação, Proudhon terá o sentimento em descobrir estes livres contratos, radicalmente opostos ao Contrato social no qual ele fará o símbolo da demissão política, os fundamentos de uma sociedade económica autónoma. Marx não deixará de ridicularizar os projectos dos operários proudhonianos sobre o reconhecimento dos preços justos e sobre a importância do crédito gratuito. Mas para o chefe de atelier que conhecia os tempos do trabalho e que tem necessidade de um crédito pouco oneroso para manter e desenvolver o seu utensílio, estas noções têm um sentido preciso ao mesmo tempo que eles tem valor de exemplo para a edificação social. Como o diz Proudhon, reprimindo a sua prática e a sua preocupação, o revolucionário é também um contabilista que sabe descobrir o erro de equilibrio das forças económicas segundo as regras do direito e do dever.
O anarquismo não é de forma alguma, o momento onde Proudhon o formula, uma utopia. A extrema confiança que Proudhon manifesta encontra a sua justificação no seu grau de fidelidade a uma prática efectivamente realizada. Ele exprime uma prática desde logo estruturada que não só, em 1840, fez a prova da sua resistência e destas possibilidades de duração, mas demonstrou também os seus poderes insurracionais. Se, como o diz Proudhon ao comentar a eleição massiva de Louis Bonaparte, um povo pode agir segundo “os seus sonhos” (17), ele pode pensar, pelo contrário, desenvolver os seus temas anarquistas, onde ele exprime fielmente uma “sociedade real” que se organiza aquém dos falsos poderes. E visto que estas potencialidades permanecem ignoradas ou combatidas pelas forças contrárias, o teórico deverá defendê-los no seu lugar e segundo os seus próprios meios.
A integração deste anarquismo, que Proudhon exponha sobretudo durante a Revolução de 1848, num federalismo induatrial e político, parece esquecer o desenvolvimento lógico de um sistema. Se é importante respeitar a autonomia dos grupos produtores e exorcisar os poderes unitários, é preciso conduzir estes principios até ao seu termo e destruir a estrutura napoleónica do Estado. Entretanto, ainda lá a hipótese de uma grande conformidade do pensamento proudhoniano no meio dos operários das fábricas de Lion pode confirmar-se. mesmo que a teoria política federalista tenha podido alcançar Proudhon por outras fontes, é preciso anotar também que ela tinha sido politicamente exposta em Lion logo a seguir à insurreição de Novembro de 1831 e que ela tinha suscitado entre as autoridades o mesmo escandalo do federalismo proudhoniano trinta anos mais tarde. A 23 Novembro, no Hotel da Cidade, os chefes dos Voluntaires du Rhône, na instigação de Pérenon, redigiram um anúncio onde, recusavam as autoridades legais, convidavam a população lionesa a eleger uma assembleia regional destinada a substituir a municipalidade e o poder prefeitoral. Ela afirmava: “Lion terá os seus comícios ou assembleias primárias gerais; as necessidades do povo provincial serão enfim entendidos e uma nova visão citadina será organizada; mais charlatanismo governamental para nos ser imposto” (18). No espírito dos redatores, cada corporação, e, em particular, as corporações operárias, deviam nomear os seus delegados para as assembleias primárias realizando assim uma representação profissional operária ao nível regional. Eles previam por outro lado a organização das corporações de estados, de artes e ofícios, no seio de corporações provinciais depositárias da sua própria soberania. As autoridades legítimas não deixariam de ver nesta proclamação uma “provocação criminal” e “o manifesto das revoltas” (19). Quaisquer que sejam os detalhes e as divergências entre este esboço e o federalismo proudhoniano, é notável que as ideias de base, a destruição da centralização política, a pluralidade das soberanias, a representação operária, tinham assim sido formuladas em Lion, num momento onde a liberdade de expressão era provisoriamente adquirida. Por certos temas indirectos queridos dos legitimistas poderiam alcançar Proudhon, estabelecendo assim uma certa continuidade entre as estruturas mentais anteriores à grande Revolução e o pensamento proudhoniano.
Por isso, as primeiras definições do anarquismo limitadas na organização das forças económicas, Proudhon alcançava em 1862 a Sistematização das tendências federalistas dos operários lioneses, a elaboração de uma nova concepção de espaço político que confirmava ao transpô-lo sobre o plano político-económico, este espaço social pluralizado que tinha criado entre eles os chefes de atelier.

NOTAS

(1) Alain Sergent e Cl.Harmel, História da anarquia, Paris, Le Portulan, 1949.
(2) “O que o pensamento de Proudhon deve à Lion revolucionária onde Laclerc tinha feito as suas escolas da revolução, que a propaganda dos Enraivecidos tocará certamente, e que exercerá a sua influência no pai da anarquia pelo intermediário à vez de Fourier que aumentou neste ambiente e dos operários “mutualistas” que ele conheceu em 1840…” Ibid, p. 107.
(3) Declaração feita e apresentada a M.o Presidente do Conselho de Ministros sobre as causas gerais que ameaçaram os acontecimentos de Lion por dois mestres de atelier, 1832.

(4) F.Rude, Somos nós os operários, op.cit., p. 17.
(5) P.Dominique, As jornadas de Junho, Berger-Levrault, 1966, p. 208.
(6) “A Revolução em cima, é inevitavelmente a revolução pelo bom prazer do principe, pela arbitrariedade de um ministro, pelos ensaios de uma assembleia, pela violência de um clube; é a revolução pela ditadura e o despotismo… Assim valem-na os brancos, os azuis, os vermelhos, todos sobre este ponto estão de acordo”. Confissões de um revolucionário, p. 81-82.
(7) Ibid., p. 82.
(8) “Néron, coisa horrível que um democrata não deve jamais esquecer, Néron é o ídolo popular”. A Justiça, t.IV, 12º estudo, p. 404.
(9) “Cada irmão mutualista não tem outro chefe, salvo a assembleia geral ou de conselho, que o seu indicador de semana; for a de lá e mesmo for a da sessão ou funções, são todos irmãos”. F.Rude, O movimento operário em Lion, op.cit., p. 143.

(10) Eco da fábrica, 9 Março 1834, citado por O.Festy, op.cit., p. 313.

(11) Proudon não está só ao usar, em 1840, o termo do anarquismo. J.-J.May, um dos fundadores da Humanidade, jornal “comunista”, escreveria em 1841: “o governo democrático deve ser anárquico na acepção científica e não na revolucionária da palavra”. Citado por Daniel Stern, História da Revolução de 1848, Paris, Lacroix-Verboeckoven, 1880, p. 239.

(12)A Justiça, t.III, 7º estudo, p. 200-283.

(13)Ideia geral da revolução, p. 282.
(14)Ibid., p. 326-331.
(15)Ibid., 6º estudo.
(16) Carnets, nº 2.

(17)A Revolução demonstrada, p. 128, 260.
(18)Citado por F.Rude, Somos nós os operários das fábricas de Lion, op.cit., p. 114.

(19) Ibid., p. 117.

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