quarta-feira, novembro 23, 2005

O GRAU ZERO DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

Políticos são acusados em justiça pelos crimes de corrupção, peculato e abuso de poder, cometidos no exercício das suas funções. Uma parte do povo (que o povo não é uniforme, note-se) não quer saber desses detalhes. O povo adora esses políticos de tipo messiânico, “ou eu ou o caos” e portanto os políticos nunca são culpados façam o que fizeram e os que são serão protegidos pelos outros…
A evidência salta aos olhos: o país está a arder porque alguém quer que ele arda. Ou melhor, porque muita gente quer que ele arda. Como se se tratasse de uma verdadeira indústria dos incêndios em Portugal. Há muita gente a beneficiar, directa ou indirectamente, da terra queimada. Oficialmente, continua a correr a versão de que não há motivações económicas para a maioria destes incêndios. Os jornalistas têm pelos políticos uma estima particular. Misturam-se com eles, comem com eles, são por isso condescendentes com eles. Porque por detrás dum político apanhado com a boca no trombone há sempre uma justificação metafísica: o sistema.
Por isso os políticos parecem gozar da indulgência de todos. De todos? Sim, pelo menos dos que podem alterar as coisas. Quando finalmente é emitido um mandato judicial contra o dito cujo, consegue sempre tornear com muita perspicácia, (ou será dos advogados pagos a peso de ouro?) a lei que na maior parte das vezes é confusa ou não o sendo possibilita essa confusão (de outro modo, de que viveriam os autores dos "pareceres" jurídicos, que são, muitas vezes também, os autores das leis?) porque a lei não é tendencialmente clara e assim os políticos apanhados em suposta falta (judicial, política ou outra), (há algum que não o tenha sido?) continuam a usufruir das regalias e privilégios que eles próprios estabeleceram para si próprio e para os seus. E isso não são pormenores, nem apenas uma gota de água no oceano dos nossos impostos.
O essencial é que o povo e os seus supostos defensores ainda vão concordando com eles de que são fundamentais (mesmo que a justiça pense o contrário…mas qual justiça?)
É claro que podemos sempre apresentar as coisas de outra maneira: se alguém que exerce funções públicas é acusado por crimes patrimoniais no exercício das suas funções, deve interromper essas funções e explicar-se em tribunal, ou deve fugir e proclamar-se mártir da justiça? O povo, claro, acha que os políticos devem ser responsabilizados, sobretudo os "corruptos". Mas os corruptos são sempre os outros. Os que não foram objecto do meu voto. “O meu político não é igual aos outros políticos.”
O problema resolve-se quando o povo, por uma razão ou outra, desconfiar que eles não são cidadãos recomendáveis para funções públicas.
Doutro modo limitam-se a sucederem uns aos outros nos lugares de poder ad eternum. Veja-se o caso das presidenciais e aquele grupinho de dinossauros.
No próximo mês o país vai-se confrontar com o sintoma mais deprimente da degradação desta nossa democracia. E não adianta fingir que o político A ou o político B são maus exemplos que não representam o todo. Simplesmente, não é verdade. Basta olhar para muitas das caras de candidatos que enxameiam o país, de norte a sul: nem é preciso chamar o Ministério Público, (para quê?) está lá tudo escrito, nas caras deles. Portugal inteiro está cheio de casos semelhantes e, pior do que isso, todos sentimos que o sentimento geral do país é a complacência, quando não a veneração perante eles. Os políticos são uma fauna indescritível de gente que de relevante tem apenas a extrema saloiice a que chamam glamour e uma comum e absoluta inutilidade social, profissional e cívica.
São os elementos rascas de uma sociedade rasca chamada de democrática. É uma profunda degenerescência de valores, de referências e de símbolos, que pode parecer inofensiva, mas que vai corroendo aos poucos esta democracia. Aconteceu o mesmo na I República.
A arrogância, a chantagem e o silêncio conveniente perante questões de gravidade extrema chegam e sobram para ganhar eleições. E o pior é vai chegando. Até um dia.
A democracia representativa é um sistema no qual as pessoas são espectadores e não actores. A intervalo regulares, têm o direito de colocar um boletim na urna, de escolher alguém dentro da classe dos chefes para os dirigir. Depois, espera-se que voltem para casa e tratem dos seus assuntos, consumam, vejam televisão, cozinhem e, acima de tudo, não incomodem. É isso a democracia em que vivemos.
Vamos responder massivamente com a greve eleitoral, não pondo sequer os pés nos locais de voto, mostrando assim, que não pactuamos com este sistema injusto e caduco.
O homem que solicita os meus sufrágios é um homem desonesto, porque em troca da situação e da fortuna a que o conduzo, promete-me uma série de coisas que não me vai dar e que além disso, nem sequer estaria em seu poder dá-las. O homem que elevo não representa nem a minha miséria, nem as minhas aspirações, nem nada de mim; não representa senão as suas próprias paixões e os seus próprios interesses, que são contrários aos meus. Não penso, nem para me reconfortar nem para me dar esperanças que depressa seriam desiludidas, que o deplorável espectáculo a que assistimos hoje é particular de uma época ou de um regime e que isso passará. Neste sentido todas as épocas se equivalem, tal como todos os regimes, ou seja, não valem nada.
Vê-se que o sufrágio universal é um meio poderoso para adormecer a actividade humana. Nada tem em comum com a soberania popular, com o direito de alguém ser em qualquer momento tão soberano como outro indiví­duo qualquer. Nada tem em comum com a igualdade.
Impor apreciações pela força, é tiranizar. A lei é a opressão suprema, a opressão legal, o direito do mais forte.
Os direitos de um homem não podem depender da apreciação mais ou menos desinteressada de outros homens. Esses direitos existem ou não existem. Se existem, têm que ser exercidos.
Os homens reconhecem à unanimidade que a sociedade actual tem demasiados erros.
Como é que esta sociedade, reconhecida defeituosa por todos, con­segue durar?
Ela dura: Porque há pessoas, as privilegiadas, para quem ela é tolerável; Porque os não privilegiados, para quem ela não é tolerável, se resignam, porque não se revoltam.
Com efeito, todas as vezes que os homens são chamados a votar, esse apelo pode ser considerado como o pedido de uma assinatura para o prolongamento do pretenso contrato social.
O primeiro significado da abstenção eleitoral é o seguin­te – Não quero o regime que me impõem e que querem continuar a impor-me. Daqui decorre que todo o eleitor é um con­servador, porquanto o resultado do seu voto é contribuir para fazer funcio­nar o sistema em vigor.
Como o voto conduz à autoridade e ao despotismo convém lutar contra o voto e não participar nele.
Por tudo isto não votes ou vai para casa e faz greve!

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