A crescente convicção de que a banalização de escutas telefónicas a cidadãos estranhos aos processos judiciais em investigação está fora de controlo é um dado adquirido com a revelação de que haverá milhares portugueses a serem escutados. Sensação de insegurança fornecida por um sistema dito de segurança.A justiça corresponde a um domínio de confiança no futuro quando ela existe.
Quem não deve não teme sabemo-lo que é um dito demasiado simplista tendo em conta os ensinamentos da História. A sensação pública e publicada de que deixou de haver qualquer escrutínio e qualquer controlo sobre a investigação faz com que se levantem todas as dúvidas sobre a bondade e a justiça de qualquer operação relacionada com o mundo da cidadania.Quando o poder quer as escutas são um meio particularmente perverso para a instalação da suspeição junto de pessoas totalmente inocentes e não directamente relacionáveis com a matéria em investigação.E num país com uma crise de justiça instalada, esta convicção de que há um lado oculto, não verificável e subterrâneo na investigação pode conduzir a uma falência do sistema. Uma falência múltipla dos seus órgãos, que já de si valem tão pouco.As múltiplas fugas de informação relativamente a material e a pessoas escutadas tem tido um duplo efeito. Por um lado, tem instalado um ambiente de suspeita generalizada sobre a população; por outro lado, tem estendido essa suspeita às entidades com responsabilidade na recolha das provas a Polícia Judiciária e o Ministério Público.A extensão desta vigilância a nichos e a pessoas aparentemente alheias à suspeita ou à prática de crimes põe em causa os princípios que sustentam o Estado de democracia representativa. Foucault escreveu abundantemente sobre os sistemas de vigilância e punição. Mas somos levados a verificar que nunca como hoje o seu método de avaliação das sociedades e dos regimes vigiados foi tão oportuno.A proliferação de suspeitos antes da existência de qualquer prova ou mesmo indício, e a sua apresentação na comunicação social, é qualquer coisa que só beneficia os verdadeiramente implicados. E a ideia de que pode satisfazer algum interesse corporativo acaba por ser contrariada pela extensão da suspeita à própria corporação.Parece estar a passar-se esta situação, hoje, neste rectângulo de país. Mas era importante que se percebesse que, a confirmar-se esta suspeita, são os próprios actores dessa justiça que vão pagar o bilhete mais caro. Quem vigia os «escutadores», que ficam na posse e no uso de revelações que depois, evidentemente, são usadas como arma?
Os culpados, os verdadeiros culpados, esses saem satisfeitos e sorridente de todo este processo, como aliás é já costume. Porque sairão inocentados por um sistema que já fez ruir a sua própria credibilidade. Um sistema que se auto consume. O que passa a querer dizer "culpado ou inocente"? O problema das escutas atingiu os limites do teste à democracia. Como cidadãos, estamos todos nas mãos de uma nomenclatura oculta, sem nome, que escuta e intimida por escutar.
Entretanto, é mesmo preciso fazer qualquer coisa, e que essa coisa seja radical no sentido etimológico da palavra, e a solução não é dizer que é preciso continuar a acreditar na justiça, mesmo que ela mostre que não acredita em nós.
Quem não deve não teme sabemo-lo que é um dito demasiado simplista tendo em conta os ensinamentos da História. A sensação pública e publicada de que deixou de haver qualquer escrutínio e qualquer controlo sobre a investigação faz com que se levantem todas as dúvidas sobre a bondade e a justiça de qualquer operação relacionada com o mundo da cidadania.Quando o poder quer as escutas são um meio particularmente perverso para a instalação da suspeição junto de pessoas totalmente inocentes e não directamente relacionáveis com a matéria em investigação.E num país com uma crise de justiça instalada, esta convicção de que há um lado oculto, não verificável e subterrâneo na investigação pode conduzir a uma falência do sistema. Uma falência múltipla dos seus órgãos, que já de si valem tão pouco.As múltiplas fugas de informação relativamente a material e a pessoas escutadas tem tido um duplo efeito. Por um lado, tem instalado um ambiente de suspeita generalizada sobre a população; por outro lado, tem estendido essa suspeita às entidades com responsabilidade na recolha das provas a Polícia Judiciária e o Ministério Público.A extensão desta vigilância a nichos e a pessoas aparentemente alheias à suspeita ou à prática de crimes põe em causa os princípios que sustentam o Estado de democracia representativa. Foucault escreveu abundantemente sobre os sistemas de vigilância e punição. Mas somos levados a verificar que nunca como hoje o seu método de avaliação das sociedades e dos regimes vigiados foi tão oportuno.A proliferação de suspeitos antes da existência de qualquer prova ou mesmo indício, e a sua apresentação na comunicação social, é qualquer coisa que só beneficia os verdadeiramente implicados. E a ideia de que pode satisfazer algum interesse corporativo acaba por ser contrariada pela extensão da suspeita à própria corporação.Parece estar a passar-se esta situação, hoje, neste rectângulo de país. Mas era importante que se percebesse que, a confirmar-se esta suspeita, são os próprios actores dessa justiça que vão pagar o bilhete mais caro. Quem vigia os «escutadores», que ficam na posse e no uso de revelações que depois, evidentemente, são usadas como arma?
Os culpados, os verdadeiros culpados, esses saem satisfeitos e sorridente de todo este processo, como aliás é já costume. Porque sairão inocentados por um sistema que já fez ruir a sua própria credibilidade. Um sistema que se auto consume. O que passa a querer dizer "culpado ou inocente"? O problema das escutas atingiu os limites do teste à democracia. Como cidadãos, estamos todos nas mãos de uma nomenclatura oculta, sem nome, que escuta e intimida por escutar.
Entretanto, é mesmo preciso fazer qualquer coisa, e que essa coisa seja radical no sentido etimológico da palavra, e a solução não é dizer que é preciso continuar a acreditar na justiça, mesmo que ela mostre que não acredita em nós.
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