O castigo é utilizado contra um indivíduo cuja violência já cessou de existir. No momento, ele não está ocupado em qualquer actividade hostil contra a comunidade ou qualquer um de seus membros. É provável que esteja tranquilamente dedicado a ocupações que lhe são benéficas e não fazem mal a ninguém. Sob que pretexto deve este homem sofrer qualquer tipo de violência?
Para prevenir. Prevenir o quê? Prevenir qualquer mal que ele pudesse vir a cometer. É exactamente este o argumento que tem sido utilizado para justificar as mais medonhas formas de tirania. Que outros argumentos justificariam a inquisição, os espiões e as várias formas de censura dirigidas contra a opinião? Sob a alegação de que há uma íntima ligação entre as opiniões dos homens e a sua conduta; que sentimentos imorais
levam, muito provavelmente, à prática de actos imorais. Em muitos casos, não há razão que nos leve a supor que um homem, que já roubou uma vez, tem mais probabilidade de voltar a fazê-lo do que aquele que dissipou sua fortuna nas mesas de jogo, ou do que um outro acostumado a afirmar que, numa emergência, não teria escrúpulos de recorrer a este expediente.
Por que não me armar de cautela e energia, em vez de fazer encarcerar todos os homens que minha imaginação ordena que eu tema, para que eu possa passar meus dias em tranquila ociosidade?
Diríamos que todo castigo infligindo com o objectivo de prevenir é um castigo sob suspeita, a forma de punição mais contrária à razão e mais arbitrária quanto à sua aplicação que poderia ter sido imaginada.
O segundo objectivo a que se propõe o castigo seria, pelo que se pode imaginar, a regeneração. A coação não convence nem concilia, mas, ao contrário, acaba por alienar a mente daquele contra o qual é utilizada.
A coação não tem nada a ver com a razão, não sendo, portanto, a forma mais adequada de cultivar a virtude. É certo que a razão nada mais é do que um confronto e uma comparação entre várias emoções e sentimentos, mas é preciso que estes sentimentos sejam aqueles originalmente provocados pelos fatos e não quaisquer outros que uma vontade arbitrária, estimulada pelo poder de que dispõe, quiser provocar. A razão é omnipotente; se minha conduta estiver errada, uma simples observação, partindo de uma visão clara e abrangente, fará com que pareça tal aos meus olhos.
A ideia sobre os benefícios da adversidade baseia-se num erro bastante óbvio. A mente humana não consegue desenvolver-se se não receber idéias. Já foi demonstrado que a coação, em termos absolutos é injustiça. Poderá a injustiça ser a melhor maneira de difundir os princípios da equidade e da justiça? A tirania é a mais funesta das coisas. A lição que aprende é esta "Submeta-se à força renuncie a razão. Não se deixe guiar pelas suas convicções mas pelos aspectos mais vis da sua natureza - o medo da dor e um respeitoso temor pela injustiça praticada por outros". Será esta a melhor maneira de formar o homem para a prática do bem? Em caso positivo, talvez se torne necessário, além disso, que a coacção que usemos seja de uma injustiça flagrante, já que o progresso parece estar não na submissão, mas na resistência. Mas não há dúvida de
que a verdade é a forma adequada de estimular a mente, sem que seja preciso recorrer à adversidade, por verdade entendemos aqui uma visão justa de todos os atractivos do trabalho, do conhecimento e da bondade. Se eu sou capaz de reconhecer o valor de qualquer ocupação, por que não deverei entregar-me a ela? E se sou capaz de entendê-la com toda clareza, por que não haverei de empenhar-me com zelo e dedicação? Se
souber como despertar a minha mente, apelando para os sentimentos mais nobres e verdadeiros da minha natureza. Mas, para que isto aconteça, é necessário que você mesmo entenda, em profundidade, aquilo que quer me recomendar; é preciso que seu cérebro tenha absorvido todos os dados e que você possa explicar com clareza e total convicção suas próprias opiniões. Se estivéssemos acostumados a uma educação em que a verdade não fosse jamais desprezada por preguiça, ou expressa de forma traiçoeira, capaz de diminuir seus méritos; uma educação na qual o professor se sujeitasse à eterna procura da melhor forma para transmiti-la com objectividade e vigor mas sem qualquer preconceito ou aspereza; é impossível deixar de acreditar que essa educação seria mais
eficaz para o desenvolvimento da mente do que qualquer outra forma de coacção, fosse ela agressiva ou benevolente, que jamais tenha sido inventada.
O último objectivo a que se propõe o castigo é o exemplo. Tivessem os legisladores limitado suas opiniões à reforma e prevenção, este afã de usar o poder de que dispõem, embora equivocado, ainda teria a marca da humanidade. Mas a partir do momento em que a vingança é apresentada como um estímulo para a acção, ou como uma medonha forma de exemplo, nenhuma barbárie foi considerada demasiado grande.
Há muito se observou que essa orientação raramente atinge os seus objectivos. A razão disso é que, seja qual for a força com que a novidade atingiu a imaginação, a natureza inerente à situação logo reaparece e faz valer o seu poder supremo. Ela pode inspirar terror mas é incapaz de produzir em nós candura e docilidade. Assim feridos pela injustiça, nossos sofrimentos, nossas tentações e toda a eloquência dos nossos
sentimentos manifestam-se repetidas vezes. É por acaso de admirar que acabem triunfando?
O castigo utilizado como exemplo está sujeito a todas as objecções já utilizadas contra o castigo como forma de prevenir ou regenerar outras mais que lhe são peculiares. Pois, no caso, o castigo é utilizado contra uma pessoa que no momento não está cometendo nenhuma ofensa e da qual podemos apenas suspeitar que alguma vez chegará a fazê-lo. Não admite discussão e exige de nós que consideremos este tipo de conduta como um
dever, apenas porque isso apraz aos nossos superiores e porque eles esperam que, através do exemplo, poderão fazer com que não nos obstinemos a pensar de qualquer outra maneira. Além disso, devemos lembrar que, quando me fazem sofrer um castigo - seja ele justo ou injusto - apenas para que eu sirva de exemplo a outras pessoas, estou
sendo tratado com arrogante desdém, como se eu fosse incapaz de qualquer sentimento. Se quem me castiga está sendo justo, seria necessário que houvesse em mim alguma coisa que me tornasse merecedor deste castigo - seja um deserto absoluto, o que seria absurdo, seja algum mal que eu pudesse praticar ou, finalmente, que existisse, no castigo que me infligem, alguma coisa capaz de provocar a minha regeneração.
Se qualquer uma delas for a razão que torna justo o sofrimento que me está sendo infligido, então não há nada que justifique a utilização do castigo como exemplo: ele pode ser uma consequência incidental do processo mas não é parte integrante do princípio. Fazer com que um indivíduo seja objecto de encarceramento, sem outra razão senão a de fazer com que aqueles que o assistem possam aprender alguma coisa com
seu sofrimento é, sem dúvida, uma forma extremamente superficial e injusta de guiar os sentimentos da humanidade.
William Godwin
Para prevenir. Prevenir o quê? Prevenir qualquer mal que ele pudesse vir a cometer. É exactamente este o argumento que tem sido utilizado para justificar as mais medonhas formas de tirania. Que outros argumentos justificariam a inquisição, os espiões e as várias formas de censura dirigidas contra a opinião? Sob a alegação de que há uma íntima ligação entre as opiniões dos homens e a sua conduta; que sentimentos imorais
levam, muito provavelmente, à prática de actos imorais. Em muitos casos, não há razão que nos leve a supor que um homem, que já roubou uma vez, tem mais probabilidade de voltar a fazê-lo do que aquele que dissipou sua fortuna nas mesas de jogo, ou do que um outro acostumado a afirmar que, numa emergência, não teria escrúpulos de recorrer a este expediente.
Por que não me armar de cautela e energia, em vez de fazer encarcerar todos os homens que minha imaginação ordena que eu tema, para que eu possa passar meus dias em tranquila ociosidade?
Diríamos que todo castigo infligindo com o objectivo de prevenir é um castigo sob suspeita, a forma de punição mais contrária à razão e mais arbitrária quanto à sua aplicação que poderia ter sido imaginada.
O segundo objectivo a que se propõe o castigo seria, pelo que se pode imaginar, a regeneração. A coação não convence nem concilia, mas, ao contrário, acaba por alienar a mente daquele contra o qual é utilizada.
A coação não tem nada a ver com a razão, não sendo, portanto, a forma mais adequada de cultivar a virtude. É certo que a razão nada mais é do que um confronto e uma comparação entre várias emoções e sentimentos, mas é preciso que estes sentimentos sejam aqueles originalmente provocados pelos fatos e não quaisquer outros que uma vontade arbitrária, estimulada pelo poder de que dispõe, quiser provocar. A razão é omnipotente; se minha conduta estiver errada, uma simples observação, partindo de uma visão clara e abrangente, fará com que pareça tal aos meus olhos.
A ideia sobre os benefícios da adversidade baseia-se num erro bastante óbvio. A mente humana não consegue desenvolver-se se não receber idéias. Já foi demonstrado que a coação, em termos absolutos é injustiça. Poderá a injustiça ser a melhor maneira de difundir os princípios da equidade e da justiça? A tirania é a mais funesta das coisas. A lição que aprende é esta "Submeta-se à força renuncie a razão. Não se deixe guiar pelas suas convicções mas pelos aspectos mais vis da sua natureza - o medo da dor e um respeitoso temor pela injustiça praticada por outros". Será esta a melhor maneira de formar o homem para a prática do bem? Em caso positivo, talvez se torne necessário, além disso, que a coacção que usemos seja de uma injustiça flagrante, já que o progresso parece estar não na submissão, mas na resistência. Mas não há dúvida de
que a verdade é a forma adequada de estimular a mente, sem que seja preciso recorrer à adversidade, por verdade entendemos aqui uma visão justa de todos os atractivos do trabalho, do conhecimento e da bondade. Se eu sou capaz de reconhecer o valor de qualquer ocupação, por que não deverei entregar-me a ela? E se sou capaz de entendê-la com toda clareza, por que não haverei de empenhar-me com zelo e dedicação? Se
souber como despertar a minha mente, apelando para os sentimentos mais nobres e verdadeiros da minha natureza. Mas, para que isto aconteça, é necessário que você mesmo entenda, em profundidade, aquilo que quer me recomendar; é preciso que seu cérebro tenha absorvido todos os dados e que você possa explicar com clareza e total convicção suas próprias opiniões. Se estivéssemos acostumados a uma educação em que a verdade não fosse jamais desprezada por preguiça, ou expressa de forma traiçoeira, capaz de diminuir seus méritos; uma educação na qual o professor se sujeitasse à eterna procura da melhor forma para transmiti-la com objectividade e vigor mas sem qualquer preconceito ou aspereza; é impossível deixar de acreditar que essa educação seria mais
eficaz para o desenvolvimento da mente do que qualquer outra forma de coacção, fosse ela agressiva ou benevolente, que jamais tenha sido inventada.
O último objectivo a que se propõe o castigo é o exemplo. Tivessem os legisladores limitado suas opiniões à reforma e prevenção, este afã de usar o poder de que dispõem, embora equivocado, ainda teria a marca da humanidade. Mas a partir do momento em que a vingança é apresentada como um estímulo para a acção, ou como uma medonha forma de exemplo, nenhuma barbárie foi considerada demasiado grande.
Há muito se observou que essa orientação raramente atinge os seus objectivos. A razão disso é que, seja qual for a força com que a novidade atingiu a imaginação, a natureza inerente à situação logo reaparece e faz valer o seu poder supremo. Ela pode inspirar terror mas é incapaz de produzir em nós candura e docilidade. Assim feridos pela injustiça, nossos sofrimentos, nossas tentações e toda a eloquência dos nossos
sentimentos manifestam-se repetidas vezes. É por acaso de admirar que acabem triunfando?
O castigo utilizado como exemplo está sujeito a todas as objecções já utilizadas contra o castigo como forma de prevenir ou regenerar outras mais que lhe são peculiares. Pois, no caso, o castigo é utilizado contra uma pessoa que no momento não está cometendo nenhuma ofensa e da qual podemos apenas suspeitar que alguma vez chegará a fazê-lo. Não admite discussão e exige de nós que consideremos este tipo de conduta como um
dever, apenas porque isso apraz aos nossos superiores e porque eles esperam que, através do exemplo, poderão fazer com que não nos obstinemos a pensar de qualquer outra maneira. Além disso, devemos lembrar que, quando me fazem sofrer um castigo - seja ele justo ou injusto - apenas para que eu sirva de exemplo a outras pessoas, estou
sendo tratado com arrogante desdém, como se eu fosse incapaz de qualquer sentimento. Se quem me castiga está sendo justo, seria necessário que houvesse em mim alguma coisa que me tornasse merecedor deste castigo - seja um deserto absoluto, o que seria absurdo, seja algum mal que eu pudesse praticar ou, finalmente, que existisse, no castigo que me infligem, alguma coisa capaz de provocar a minha regeneração.
Se qualquer uma delas for a razão que torna justo o sofrimento que me está sendo infligido, então não há nada que justifique a utilização do castigo como exemplo: ele pode ser uma consequência incidental do processo mas não é parte integrante do princípio. Fazer com que um indivíduo seja objecto de encarceramento, sem outra razão senão a de fazer com que aqueles que o assistem possam aprender alguma coisa com
seu sofrimento é, sem dúvida, uma forma extremamente superficial e injusta de guiar os sentimentos da humanidade.
William Godwin
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