quinta-feira, junho 15, 2006

A decadência da classe trabalhadora em números

Visto de vários ângulos, o problema da classe trabalhadora só tem um diagnóstico: Sua inexorável decadência economia e social e desagregação política. Alguns números ajudam a entender melhor essa realidade global.
Sempre que abordo o assunto da inexorável decadência do modo de vida da classe trabalhadora, mediante o uso intensivo das novas tecnologias de automação, informação e telecomunicações, recebo uma enxurrada de críticas à direita e a esquerda.
A esquerda não perdoa aqueles que lhes lembram que Karl Marx previa que o fim do capitalismo só ocorreria se fosse possível superar esse modo de produção no campo econômico e social, e que, qualquer conquista meramente política seria sempre efêmera. A história provou largamente esse ponto de vista.
A direita neoliberal por seu lado, não se conforma com as críticas aos seus sonhos de triunfo da economia de mercado por toda à parte. O brutal desemprego e a desconcertante queda da renda dos trabalhadores, desencadeados pelo uso indiscriminado das novas tecnologias apenas em função dos objetivos de maximização dos lucros corporativos é um fato desagradável de ser encarado.
Mas os números não mentem. Iremos nos basear em um artigo, contendo informações das revistas Exame e Fortune, e que não tem por objetivo nenhuma análise sobre empregos. Apenas citam o número de empregados de diversas grandes corporações ao longo da década de 1990. O artigo é intitulado “As Mudanças no Ranking das 10 Maiores Empresas Industriais do Mundo: De 1990 a 1996” de Marcus Vinicius Carvalho Rodrigues (1)
A primeira coisa que nos chama a atenção é que a redução do número de empregos nos setores considerados “obsoletos” em termos da “era da informação” de fato é constante e generalizada. Comecemos por analisar o maior de todos os “dinossauros” da era “fordista”: A General Motors.
A maior empresa industrial do mundo em número de empregados tinha 761.400 empregados em 1990 e chega a 1995 com 709.000. Após amargar enormes prejuízos nos anos de 90, 91 e 92, a empresa passou pelos devidos processos de “reengenharia”, o que resultou em um aumento de receita de 35% para uma redução de 7% no número de empregados.
Tudo perfeitamente coerente. Afinal era de se esperar que a maior empresa industrial do mundo liderasse o processo de redução do número de empregos na “era da informação” onde os empregos industriais seriam substituídos por milhares de empregos, muito mais “estimulantes” e “criativos” nos setores de alta tecnologia.
O mesmo vale para a Ford que iniciou a década com 370.400 empregados e chegou a 1995 com 346.990. Obviamente que a redução de empregados resultou em um aumento de receitas da ordem de 40%.
No setor automobilístico, devemos dar destaque especial a empresa símbolo da nova era: A Toyota. Ela não só aumentou seu número de empregados de 96.849 em 1990 para 146.855, como praticamente dobrou sua receita. Isso se deve exatamente ao seu enorme sucesso em se adaptar aos novos paradigmas de “produtividade”.

Senão vejamos. A “receita por empregado” da Toyota, pulou de US$ 666.150,00 em 1990 para US$ 756.200,20 por empregado em 1995. A Ford de US$ 265.320,00 para US$ 395.220,00 e a GM de 164.340,00 para US$ 240.000,00. Não é preciso muita reflexão para perceber que o fabuloso crescimento da Toyota se deveu ao seu modo de produção “enxuto” onde, por exemplo, um único operário chega a ser o responsável por até 15 máquinas ao mesmo tempo.
Isso nos mostra que o crescimento industrial ainda existe, mas só onde a exploração da mão-de-obra atinge limites inaceitáveis para os padrões “ocidentais”. Recentemente as industrias automobilísticas do mundo todo estão altamente empenhadas em imitar o “modelo japonês”. As fabricas americanas estão sendo transferidas para o México e as européias para os novos paraísos capitalistas do leste europeu.
Todos são países com mão-de-obra muito “receptiva” a superexploração e sindicatos e governos dispostos a “cooperar” e a se “integrarem” na economia da globalização. Nos países desenvolvidos, a industria automobilística tende a desaparecer gradativamente.
Quanto a um outro setor “jurássico” da economia, o de refino de petróleo, a situação é a mesma. A Royal Dutch / Shell Group empregava 137.000 operários em 1990 e reduziu esse número para 104.000 em 1995. A Exxon tinha 104.000 empregados e passou para apenas 82.000 no mesmo período. É claro que os cortes de pessoal nunca resultaram em qualquer redução de lucros.
Novamente devemos nos lembrar que os empregos que “desapareceram” nessas industrias envolviam trabalho pesado e arriscado. Sempre executados em ambientes sujos e barulhentos. Na nova “era da informação”, todo mundo “sabe” que esses empregos foram substituídos por ocupações muito melhores nas áreas de alta tecnologia. Ou será que não?
Uma forma de averiguar isso é examinar a maior empresa do ramo, a IBM. Pelo raciocínio dos otimistas, essa seria, de longe, a empresa que deveria gerar boa parte dos milhares de empregos onde o alto nível de instrução, o preparo técnico e “criatividade” do empregado, seriam fatores decisivos.
Mas o mesmo estudo mostra que a IBM na realidade reduziu seu quadro de funcionários de 373.816 em 1990 para 252.215 em 1995. O que será que está errado? Como é possível que a empresa símbolo da nova era tenha cortado seu pessoal? Ou será que como os pessimistas já sabiam há muito tempo, a produção de alta tecnologia simplesmente gera um número muito pequeno de empregos, muito abaixo das necessidades de reposição das perdas de postos de trabalho em outros setores?
Isso também explicaria porque a General Eletric, a gigante do setor eletro-eletrônico, também ter reduzido seu quadro de 298.000 para 220.000 funcionários. Apesar de atuar diretamente na retaguarda dos setores de alta tecnologia, a GE não escapa a regra de que, não importa o setor, os empregos que envolvem alta tecnologia são em número muito pequeno.
Mas, um forte argumento seria o que tanto a IBM como a GE na verdade serem empresas muito ligadas a “velha economia”. A realidade agora seria outra, os novos e fabulosos empregos da era da informação na prática estão nas empresas novas, especialmente no setor de serviços.
A maior delas, de fato nem é mencionada no estudo. Isso porque até final dos anos 1990, nem figurava entre as 10 maiores do mundo. Falamos é claro, da Microsoft. A maior empresa de software do mundo, cujos fundadores são, respectivamente, o primeiro e o terceiro homem mais rico do mundo.

Para termos uma idéia sobre a Microsoft, vamos nos valer de uma noticia bem recente, divulgada em 23 de setembro de 2005 pela BBC Brasil.com, com o título “Microsoft festeja 30 anos com festa gigante” (2). A empresa tem muito o comemorar, já que é a fornecedora de 90% do software para computadores pessoais de todo o mundo.
Alem disso, a empresa atua em nada menos de 80 países. Mas o único problema, é que ela se orgulha de empregar 60.000 pessoas! Isso parece muito para qualquer empresa, mas estamos falando de uma das maiores corporações globais da atualidade.
Também é curioso especular que se a Microsoft possuísse o mesmo número de empregados em cada país em que atua, ela possuiria menos de 1000 empregados em cada um deles, o que equivale apenas a uma empresa de médio porte, em termos de número de empregos.
Se considerarmos que o negócio de software, na prática, emprega pelo menos metade de seu pessoal em vendas (3), percebemos que somente em torno de 30.000 pessoas de fato trabalham com “alta tecnologia”, ou seja, desenvolvimento de programas para computadores. Isso na maior empresa de software do mundo.
Esses números explicam vários fatos “estranhos” percebidos pelos economistas mas nunca devidamente estudados e menos ainda divulgados. Embora a tendência irreversível do desaparecimento dos empregos industriais bem remunerados já seja bem conhecida, o mesmo não ocorre com o mesmo fenômeno nos setores de comércio e serviços.
Pouca gente nota o esvaziamento progressivo das vagas administrativas em supermercados e bancos, por exemplo. Por outro lado, somos constantemente bombardeados com as “verdades” de que é preciso investir em educação superior, cursos de extensão universitária e “MBA”. A constante percepção do desemprego entre universitários e altos executivos passa totalmente desapercebido pela mídia.
Isso ocorre porque na medida que os empregos se tornam tecnologicamente mais sofisticados, o número de vagas se reduz de forma proporcional. Um número cada vez maior de candidatos a vagas nos setores de alta tecnologia, acaba de fato virando “promotor de vendas”, “agente de negócios” e outros eufemismos para a boa e velha função de “caixeiro viajante”.
A cada dia, um número surpreendente de pessoas, com cursos universitários e até doutoramento, acaba classificada discretamente como “trabalhando fora de sua área”. É simples: A universidade não garante mais um emprego, a não ser para uns poucos, e um emprego não garante mais uma vida razoável.
Aos poucos, todos os “excluídos”, sejam pessoas de origem humilde e sem estudos ou doutores em alguma área, percebem que a solução está montar um negócio próprio, tornar-se microempresário, autônomo, terceirizado, etc. Mas em todos esses casos, a velha “consciência de classe” imediatamente desaparece, substituída pelos mesmos interesses da classe capitalista.

Essa é em essência, a causa da decadência da classe trabalhadora.

NOTAS:

(1) Revista Empresa & Tendências, Agosto/1996, p.16-18
(2) “Microsoft festeja 30 anos com festa gigante” - 23 de setembro de 2005 - BBC Brasil.com
(3) O autor trabalha no ramo há 25 anos.
http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br

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