quinta-feira, junho 15, 2006

O fim da história é o fim da classe trabalhadora

O “fim da história” -conforme referido na obra de Francis Fukuyama- como o triunfo da democracia liberal e da economia de mercado é na verdade o processo terminal da decadência da classe trabalhadora.
O artigo de Francis Fukuyama, de julho de 1989, intitulado “O fim da história?” Desencadeou uma enorme reacção e acendeu diversos debates em torno da questão do fim abrupto e irrevogável do socialismo real, personificado pelo espectacular colapso político e administrativo da União Soviética. Um dos motivos mais óbvios é que, ao contrário do evidente clima de velório de “Posteriori” de Lutz Niethammer, aonde o autor chega a declarar que na sociedade pós-histórica, “os governantes deixam de governar, mas os escravos continuam escravos”, o tom de Fukuyama é claramente ufanista.Em seu livro “O fim da história e o último homem”, publicado em 1992, Fukuyama amplia seus argumentos e consolida suas posições. Sua conclusão é enfática: Primeiro o fascismo foi derrotado, depois foi à vez do socialismo se desintegrar, a vitória era, portanto da democracia liberal - fim da história. O “fim da história”, que foi visto primeiro por Hegel como a vitória de Napoleão sobre a Prússia em Iena –o que levaria a um Estado constitucional, concretização da vitória da liberdade e da razão- é visto por Marx como a vitória do proletariado sobre os detentores do capital - fim da luta de classes, que para ele é o verdadeiro motor da história.Os vários debates que se seguiram enveredaram principalmente pela questão filosófica representada pelo argumento central da tese de Fukuyama: De fato a história acaba, mas de uma forma totalmente diferente. Ao contrário do que Marx previra, a vitória não foi do socialismo e sim do capitalismo.Mas aparentemente todos evitam abordar uma questão mais directa: Se o motor da história é a luta de classes e a vitória não sorriu para o proletariado, só pode haver uma conclusão. A história acaba com a derrota do proletariado, após um longo período de decadência da classe trabalhadora.De fato é o que podemos concluir se nos abstivermos de complicadas teses filosóficas e da abstracção implícita em marcar uma efeméride precisa (a derrocada da URSS) como ponto exacto do “fim da história”. O “fim da história” é na verdade um processo dentro da própria história. Ele se iniciou antes dos eventos de 1989 e se estendem por um período ainda não definido. Em outras palavras, o verdadeiro fim da história se inicia quando o progresso tecnológico do primeiro Estado proletário do mundo esbarra no dilema da produtividade.Uma frase lapidar de Leon Trotsky contém a chave para o entendimento mais objectivo e menos filosófico da questão: “O socialismo não podia ser justificado somente pela abolição da exploração; deve garantir a sociedade uma economia superior de tempo do que a assegurada pelo capitalismo. Sem a realização dessa condição, a mera remoção da exploração não passaria de um episódio dramático sem futuro”. (1) Trotsky foi profético ao anunciar, com muita antecedência, o que agora todos já sabem: A causa primária da queda do império soviético “foi o seu fracasso em competir em produtividade com as principais potências capitalistas que o cercavam”. (2) Porque para alcançar os fabulosos aumentos de produtividade que caracterizaram a economia ocidental, era necessária a adopção de um novo paradigma tecnológico no que se refere justamente a utilização de mão-de-obra na produção de bens e serviços.No ocidente se pensava na classe trabalhadora apenas como factor de produção, e se como de fato ocorreu, a tecnologia tornava os trabalhadores supérfluos, isso era de importância secundária. Mas numa economia “proletária” essa questão se torna insolúvel.Como construir uma economia socialista sem preocupações com o desemprego? Como incorporar tecnologia de produção se uma das consequências é tornar a própria classe operária “vitoriosa” irrelevante? A URSS não sobreviveu a essa contradição.A Republica Popular da China logo se rendeu às evidências e hoje é uma promissora parceira comercial dos antigos inimigos burgueses. Seus dirigentes apressaram-se em criar “zonas especiais de exportação” e outros eufemismos para evitar assumir definitivamente o que salta aos olhos: Está se tornando um país capitalista.Isso coloca as coisas sob uma outra perspectiva. Apesar de proclamar o “fim da história”, Fukuyama busca a autoridade de Hegel e não a interpretação de Marx, e assim evita habilmente o que, dessa forma seria obrigado a afirmar com todas as letras: A luta de classes acabou e os burgueses venceram. Nesse caso, é muito mais diplomático afirmar que “O Estado que emerge do fim da história é liberal na medida em que reconhece e protege, através de um sistema jurídico, o direito universal do homem à liberdade, e é democrático na medida em que existe com o consentimento dos governados”. (3)Assim, fica claro que Fukuyama se recusa a interpretar o fim da história em termos de luta de classes. Para ele a dialéctica envolve apenas “sistemas”. Liberalismo, fascismo e socialismo; e não classes; burgueses e proletários. A razão para esse comedimento é simples: A luta de classes de fato ainda não acabou de todo. Continua por toda à parte, em estagio cada vez mais avançado, o processo de decadência da classe trabalhadora até a sua redução a completa irrelevância. É muito mais conveniente afirmar como Anderson que o fim da história teria como consequência para os trabalhadores apenas uma espécie de tédio. “Ideais audaciosos, altos sacrifícios, impulsos heróicos, tudo se dissipará em meio à rotina trivial e monótona de fazer compras e votar “. (4)Embora o mesmo autor reconheça que “A nova realidade é uma assimetria maciça entre mobilidade e organização internacional do capital, por um lado, e dispersão e segmentação do trabalho, por outro, sem nenhum precedente histórico”. (5) E alem disso, “A produção em massa foi ultrapassada pelo pós-Fordismo. A classe trabalhadora é uma ténue lembrança do passado. A propriedade colectiva é uma garantia de ineficiência e tirania. A igualdade substancial é incompatível com a liberdade ou com a produtividade”. (6) Em resumo, o fim da história não se resume apenas à vitória da democracia liberal e da economia de mercado, “sistema” que seria, portanto acessível a todos e levaria a uma nova era “pós-histórica” onde apesar de ainda haver problemas, as soluções já seriam conhecidas. O fim da história é o processo pelo qual o novo paradigma tecnológico aniquila definitivamente a classe trabalhadora enquanto agente decisivo no equilíbrio ou na luta pelo poder. Sem oposição, o capital reina absoluto. O conflito entre capital e trabalho agora é coisa do passado “histórico”.Mas isso significaria uma era de abundância que tornaria qualquer conflito irrelevante? Os bens de consumo logo desmobilizariam as paixões nacionalistas e/ou religiosas? As novas tecnologias criariam um mundo de pouco trabalho e muito lazer? Não é o que observamos.Como o próprio Marx previa, a consequência do uso intensivo das novas tecnologias de informação e telecomunicações, aliadas às novas técnicas gerenciais, se traduz no conhecido quadro por ele pintado no capítulo XIII de “O Capital” – Maquinaria e Grande Industria: Trabalho feminino e infantil, prolongamento da jornada de trabalho e intensificação do trabalho.Qualquer um que observe uma fábrica “toyotista”, típica do final do século 20 e inicio do 21, logo perceberá que as novas tecnologias do período do “fim da história” se caracterizam por um emprego desproporcionalmente grande de mulheres e “estagiários” em relação aos homens adultos.Também salta aos olhos o número cada vez maior de “horas extras” que os operários fazem “voluntariamente” até mesmo quando estão doentes. Algumas pessoas não conseguem nem mesmo imaginar como alguém pode cuidar de 12, 20 até 60 máquinas ao mesmo tempo sem literalmente enlouquecer.E mesmo assim, as pessoas que estão empregadas se sentem abençoadas. Porque tudo poderia ser pior. No mundo do fim da história já não existe mais preocupação com a “exploração” do trabalhador e sim com a sua pura e simples “exclusão” do processo de produção.·Notas:(1) Leon Trotsky, “The Revollution Betrayed”, in “O Fim da História – de Hegel a Fukuyama”- Perry Anderson – Rio de Janeiro: 1992 – Pág. 109.(2) Perry Anderson – “O Fim da História – de Hegel a Fukuyama” – Pág. 109.(3) “The End of History?” – Pág.5(4) Perry Anderson – “O Fim da História – de Hegel a Fukuyama” – Pág. 13.(5) Idem – Pág. 130.(6) Idem – Pág. 121.

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