Apesar das afirmações otimistas de que a redução de mão-de-obra, devido à automação industrial, seria largamente compensada pela criação de novos empregos em outras áreas, notadamente o setor de serviços, a realidade é bem diferente.
A automação nas industrias sempre foi causa de desemprego. Mas ao longo da primeira revolução industrial representada pela proliferação da exploração do carvão e da máquina a vapor, e da segunda, representada pelo uso em larga escala da eletricidade e dos motores de combustão interna, os empregos eliminados logo reapareceram em outras áreas, inclusive em novas indústrias.
O novo paradigma tecnológico, caracterizado pelo uso intensivo das novas tecnologias de informática e telecomunicações, foi imediatamente designado como “terceira revolução industrial” e as conseqüências deveriam ser as mesmas: Algum desemprego, inicialmente causado pelo aumento da produtividade e pelo despreparo dos próprios trabalhadores, seria logo superado. Surgiriam novas vagas, nas próprias empresas fabricantes de equipamentos de robótica, computadores, periféricos e software.
Além disso, dizia-se, o setor de serviços ira crescer enormemente, criando um número inédito de empregos, todos muito mais atraentes, com trabalho mais qualificado, mais criativo e principalmente, mais bem remunerado. A classe trabalhadora trocaria o velho macacão sujo de graxa pelos paletós e gravatas. As fabricas barulhentas ficariam para os robôs. Todos passariam a trabalhar em escritórios confortáveis ou até mesmo em casa.
Algumas pessoas, bem preparadas e instruídas, acreditam nisso até os dias de hoje. Judas Tadeu Grassi Mendes, Ph.D. em economia pela Ohio State University (EUA), pós-doutor pela mesma universidade, autor de três livros e Diretor Acadêmico da FAE Business School, ao se referir a uma “aparente controvérsia” entre tecnologia e desemprego, afirma:
“Na prática, não há nenhuma controvérsia. O que de real existe é que a indústria emprega cada vez menos e isso resulta do uso de tecnologia. Mas, se de um lado, o setor industrial desemprega, por outro lado, o setor terciário passa a ser cada vez mais o grande empregador, haja vista que mais da metade das pessoas ocupadas no Brasil tem emprego nesse setor. É bom lembrar que entre as principais atividades terciárias estão o comércio (atacadista e varejista), os vários meios de transporte, os meios de comunicação, os bancos e demais instituições financeiras, as imobiliárias, as de hospedagem e alimentação, as atividades de reparação e manutenção, saúde, cultura e lazer e até as atividades governamentais” (Mendes, 2004).
Em relação ao comércio varejista, podemos citar algumas informações importantes que parecem ir claramente de encontro a essa visão rósea, normalmente defendida sem a menor base na realidade, por quase todos os “consultores” de recursos humanos, de administração, e em geral, pelos defensores intransigentes do fundamentalismo de mercado.
“As novas tecnologias e as novas formas de organização e de gestão introduzidas no comércio são destruidoras de postos de trabalho e de emprego, em várias seções e departamentos da empresa. E, numa dimensão mais ampla, até no segmento atacadista, apesar de estar excluído da integração varejo-fornecedores, a geração de emprego vem sendo menor diante da intensificação do comércio eletrônico, particularmente do intercâmbio eletrônico de dados”. (DIEESE, 1999)
Quanto ao setor bancário, o mais rentável do país, e de longe, o pioneiro na informatização -a ponto de poder ser considerado um paradigma da modernização do setor de serviços- as notícias também não são nada animadoras.
“Nos últimos 11 anos, os bancos reduziram a categoria bancária, de 655 mil empregados, para 400 mil trabalhadores. Ao mesmo tempo, o setor registrou um aumento no número de contas correntes de 44 milhões para 72 milhões, conforme o balanço social da Febraban. O corte nos postos de trabalho, somado ao aumento no volume de serviço, resultou em novas pressões aos bancários, dentre as quais o cumprimento de metas, desrespeito à jornada de trabalho e, conseqüentemente, agravos à saúde física e mental dos trabalhadores”. (FBRG, 2005)
Na realidade isso não é surpresa nenhuma. A tecnologia que viabiliza a redução sistemática de mão-de-obra no comércio, originou-se nos bancos. Os ATM (Automatic Teller Machine) ou terminais de transferência de fundos, os “caixas eletrônicos” e os “home bank” foram os precursores das máquinas de “auto-serviço” no comércio, dos terminais de ponto de vendas “inteligentes” e do comércio eletrônico, via Internet.
Em todo caso, o setor financeiro no Brasil sempre foi atípico. Devido às peculiaridades do processo inflacionário “permanente” com que o país conviveu por décadas, o setor teve uma rentabilidade excepcional, e ao contrário do restante das atividades econômicas nacionais -sempre um passo atrás dos países desenvolvidos- foi pioneiro mundial em automação, estando mesmo na vanguarda desse processo, e bem à frente de vários países do primeiro mundo.
Isso é importante porque que nesse setor, a evolução das relações com a classe trabalhadora não se limitaram a imitar um “receituário” estrangeiro. São conseqüências diretas apenas do novo paradigma tecnológico. Já em princípios da década de 1990, os efeitos da informatização se fizeram sentir:
“Enquanto os banqueiros investiram entre US$ 2 bilhões e US$ 3 bilhões nos anos de 1992 e 1993 na compra de computadores e software e vêm conquistando lucros sempre crescentes, o emprego bancário vem acumulando taxas negativas desde fevereiro de 1990 e o índice de rotatividade na categoria é bastante alto. No período entre 1989 e 1993, o grande aumento da produtividade do trabalho bancário, conseqüência da intensificação dos processos automatizados e das novas estratégias organizacionais implementadas, gerou intensa redução de postos de trabalho no setor”. (JINKINGS, 1995:45)
Essas informações são altamente relevantes porque a típica “explicação” para o desemprego estrutural no Brasil, sempre foi o fraco desempenho da economia, que se refletiria na necessidade de reduções sempre crescentes de pessoal, ou na necessidade de se modernizar para competir com as empresas estrangeiras. Nenhum desses fatores estiveram (e ainda não estão) presentes no setor bancário.
Também devemos considerar que o sucesso de “novas estratégias” organizacionais, tradicionalmente mal recebidas -porque sempre desfavoráveis aos trabalhadores- costumam ser muito “facilitadas” pelos cortes simultâneos de pessoal. Nada como o “facão” 1 à solta para disciplinar os descontentes.
A informatização dos bancos no Brasil, seguiu de perto a evolução da própria informática, podendo-se distinguir quatro grandes etapas:
A primeira, á partir dos anos 1960, se caracteriza pela construção dos grandes Centros de Processamento de Dados (CPD), e teve pouco impacto sobre o número de empregos, entre outras coisas, porque ainda se vivia o “paradoxo da produtividade” 2. A segunda, no princípio dos anos 1980, foi marcada pela estréia dos mini-computadores e pelos sistemas on-line.
A terceira fase, de meados dos anos 1980, já é o período do “processamento distribuído” em que as agencias dispõem de terminais, baseados em microcomputadores, que as interconectam entre si. A quarta e última fase, seria a da “exteriorização” das agencias para as residências, lojas e escritórios.
São as duas últimas fases, que coincidem com a explosão das telecomunicações baratas e confiáveis, que iniciam o processo de “exclusão” dos bancários. As agencias, antes salões de aparência sóbria -sempre apinhadas de funcionários muito apressados- adquirem aos poucos o atual aspecto de fliperamas.
Mas desde a implantação dos CPD, iniciou-se “um processo de fragmentação e esvaziamento no conteúdo do trabalho daquele bancário tradicional, conhecedor de contabilidade e detentor de uma visão mais global do processo de trabalho” (JINKINGS, 1995:48).
Também já se podia notar “uma polarização entre, de um lado, grande número de trabalhadores não qualificados, executores de tarefas simplificadas e rotineiras, e, de outro, uma minoria qualificada junto aos novos postos de trabalho vinculados à informática (programadores e analistas de sistemas, especificamente) e às gerencias especializadas” (JINKINGS, 1995:49-50).
Além desse clássico sintoma do novo paradigma tecnológico, podemos notar claramente um outro aspecto, que contradiz de forma inquestionável, a noção de que as novas ferramentas da tecnologia elevam às necessidades de capacitação profissional e do nível educacional. Conforme entrevista com uma bancária veterana:
“A automatização, de um lado, se exige técnicos, uma elite que pensa o trabalho bancário, para a maioria vai tornando o trabalho cada vez menos qualificado. Porque, na verdade, você confere o trabalho da máquina. Qualquer pessoa pode fazer. Ou você digita os dados. Você vai alimentar a máquina, digitar, você [só] tem que ser rápida na mão. (Lourdes, chefe de atendimento de banco estatal, 1993.)”. (JINKINGS, 1995:89).
O enfraquecimento dos sindicatos é outra conseqüência evidente, pois: “A intensificação da automatização e a difusão dos serviços de auto-atendimento nos bancos vêm diminuindo radicalmente a eficácia das greves enquanto instrumento de pressão”. (JINKINGS, 1995:105). A possibilidade de continuar o funcionamento dos serviços por meios eletrônicos e o funcionamento das agências com um pequeno grupo de funcionários, inviabiliza qualquer movimento grevista.
Considerando que a paralisação do trabalho, historicamente, é de fato a única arma na luta por melhores salários e benefícios, não é de estranhar a posição de desvantagem em que os bancários se encontram ao negociar com seus empregadores. E isso não ocorre só no Brasil.
O processo de automação bancária e suas conseqüências, ocorreram simultaneamente ao dos países do primeiro mundo. Em relação aos EUA, por exemplo, onde as leis trabalhistas são muito mais flexíveis e é perfeitamente possível a redução de salários e benefícios em função da redução das horas de trabalho, o cenário era o seguinte:
“Em fevereiro de 1993, o BankAmerica Corporation -o segundo maior banco do país- anunciou que estava passando 1.200 cargos de período integral para os cargos de meio período. O banco estima que menos de 19% de seus funcionários serão trabalhadores de período integral num futuro próximo. Aproximadamente seis de cada dez funcionários do BankAmerica trabalharão menos de 20 horas semanais, e não receberão benefícios. A empresa, que registrou lucros recordes nos últimos dois anos, diz que as recentes decisões de transformar mais cargos em trabalho de meio período foram tomadas para tornar a empresa mais flexível e reduzir custos indiretos”. (RIFKIN, 2001:210)
Essa nova realidade desmente de forma categórica a tese dos defensores da hipótese da “terceira revolução industrial”. Pois como vimos, o setor bancário, um dos grandes empregadores do setor de serviços, está também na vanguarda do desemprego tecnológico.
Como bem definiu Jinkings: “O desenvolvimento tecnológico a serviço do capital transforma grande parte da força de trabalho bancária em coisa descartável, tornada desnecessárias ao processo avassalador de autovalorização do capital”. (1995:101).
Em outras palavras, não existe a saída proposta pelos “otimistas” da solução automática, promovida pela “mão invisível” do livre mercado. Como vimos, o setor de comércio também esta sendo fortemente afetado e ás áreas “de hospedagem e alimentação, as atividades de reparação e manutenção, saúde, cultura e lazer”, só podem oferecer vagas de baixa qualidade. Alias é nelas que cada vez mais se abrigam os “excluídos” do mercado de trabalho. É nelas que a “informalidade” e a “precarização” do trabalho se destacam.
Quanto às “atividades governamentais”, existe uma enorme pressão -perfeitamente legítima, necessária e coerente, diga-se de passagem- vinda exatamente dos defensores da economia neoliberal, no sentido de que se submeta os órgãos públicos, ou a privatização, ou ao “enxugamento da máquina administrativa” nos mesmos moldes.
É urgente a necessidade de uma tomada de consciência de que o quadro atual é novo, não tem paralelo com as “revoluções industriais” do passado; de que novos empregos não irão surgir por “geração espontânea” ou por obra milagrosa do mercado; de que a globalização exige soluções além dos Estados nacionais. É preciso coragem e determinação para encarar esse fato.
1 Gíria muito usada em fábricas e escritórios quando estão ocorrendo demissões em larga escala.
2 Situação apontada pelo prêmio Nobel de 1987, Robert Solow , sintetizada pela sua frase: "Vemos o computador por toda parte, menos nas estatísticas de produtividade".
Bibliografia:
DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SÓCIO-ECONÔMICOS - DIEESE. Reestruturação Tecnológica e Emprego no Comércio em Santa Catarina. Boletim nº 211, Jan. e Fev. 1999.
FEDERAÇÃO DOS BANCÁRIOS DO RIO GRANDE DO SUL - FBRG. Assim não agüento. Disponível em: http://www.bancnet.com.br/campanha.html Aceso em: 30/06/2005
JINKINGS, Nise. O Mister de Fazer Dinheiro. São Paulo: Biotembo, 1995.
MENDES, Judas Tadeu Grassi. A Tecnologia Gera Desemprego? Gazeta do Povo, São Paulo, 19 abr. 2004. Súmula.
RIFKIN, Jeremy. O Fim dos Empregos. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2001.
http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/
A automação nas industrias sempre foi causa de desemprego. Mas ao longo da primeira revolução industrial representada pela proliferação da exploração do carvão e da máquina a vapor, e da segunda, representada pelo uso em larga escala da eletricidade e dos motores de combustão interna, os empregos eliminados logo reapareceram em outras áreas, inclusive em novas indústrias.
O novo paradigma tecnológico, caracterizado pelo uso intensivo das novas tecnologias de informática e telecomunicações, foi imediatamente designado como “terceira revolução industrial” e as conseqüências deveriam ser as mesmas: Algum desemprego, inicialmente causado pelo aumento da produtividade e pelo despreparo dos próprios trabalhadores, seria logo superado. Surgiriam novas vagas, nas próprias empresas fabricantes de equipamentos de robótica, computadores, periféricos e software.
Além disso, dizia-se, o setor de serviços ira crescer enormemente, criando um número inédito de empregos, todos muito mais atraentes, com trabalho mais qualificado, mais criativo e principalmente, mais bem remunerado. A classe trabalhadora trocaria o velho macacão sujo de graxa pelos paletós e gravatas. As fabricas barulhentas ficariam para os robôs. Todos passariam a trabalhar em escritórios confortáveis ou até mesmo em casa.
Algumas pessoas, bem preparadas e instruídas, acreditam nisso até os dias de hoje. Judas Tadeu Grassi Mendes, Ph.D. em economia pela Ohio State University (EUA), pós-doutor pela mesma universidade, autor de três livros e Diretor Acadêmico da FAE Business School, ao se referir a uma “aparente controvérsia” entre tecnologia e desemprego, afirma:
“Na prática, não há nenhuma controvérsia. O que de real existe é que a indústria emprega cada vez menos e isso resulta do uso de tecnologia. Mas, se de um lado, o setor industrial desemprega, por outro lado, o setor terciário passa a ser cada vez mais o grande empregador, haja vista que mais da metade das pessoas ocupadas no Brasil tem emprego nesse setor. É bom lembrar que entre as principais atividades terciárias estão o comércio (atacadista e varejista), os vários meios de transporte, os meios de comunicação, os bancos e demais instituições financeiras, as imobiliárias, as de hospedagem e alimentação, as atividades de reparação e manutenção, saúde, cultura e lazer e até as atividades governamentais” (Mendes, 2004).
Em relação ao comércio varejista, podemos citar algumas informações importantes que parecem ir claramente de encontro a essa visão rósea, normalmente defendida sem a menor base na realidade, por quase todos os “consultores” de recursos humanos, de administração, e em geral, pelos defensores intransigentes do fundamentalismo de mercado.
“As novas tecnologias e as novas formas de organização e de gestão introduzidas no comércio são destruidoras de postos de trabalho e de emprego, em várias seções e departamentos da empresa. E, numa dimensão mais ampla, até no segmento atacadista, apesar de estar excluído da integração varejo-fornecedores, a geração de emprego vem sendo menor diante da intensificação do comércio eletrônico, particularmente do intercâmbio eletrônico de dados”. (DIEESE, 1999)
Quanto ao setor bancário, o mais rentável do país, e de longe, o pioneiro na informatização -a ponto de poder ser considerado um paradigma da modernização do setor de serviços- as notícias também não são nada animadoras.
“Nos últimos 11 anos, os bancos reduziram a categoria bancária, de 655 mil empregados, para 400 mil trabalhadores. Ao mesmo tempo, o setor registrou um aumento no número de contas correntes de 44 milhões para 72 milhões, conforme o balanço social da Febraban. O corte nos postos de trabalho, somado ao aumento no volume de serviço, resultou em novas pressões aos bancários, dentre as quais o cumprimento de metas, desrespeito à jornada de trabalho e, conseqüentemente, agravos à saúde física e mental dos trabalhadores”. (FBRG, 2005)
Na realidade isso não é surpresa nenhuma. A tecnologia que viabiliza a redução sistemática de mão-de-obra no comércio, originou-se nos bancos. Os ATM (Automatic Teller Machine) ou terminais de transferência de fundos, os “caixas eletrônicos” e os “home bank” foram os precursores das máquinas de “auto-serviço” no comércio, dos terminais de ponto de vendas “inteligentes” e do comércio eletrônico, via Internet.
Em todo caso, o setor financeiro no Brasil sempre foi atípico. Devido às peculiaridades do processo inflacionário “permanente” com que o país conviveu por décadas, o setor teve uma rentabilidade excepcional, e ao contrário do restante das atividades econômicas nacionais -sempre um passo atrás dos países desenvolvidos- foi pioneiro mundial em automação, estando mesmo na vanguarda desse processo, e bem à frente de vários países do primeiro mundo.
Isso é importante porque que nesse setor, a evolução das relações com a classe trabalhadora não se limitaram a imitar um “receituário” estrangeiro. São conseqüências diretas apenas do novo paradigma tecnológico. Já em princípios da década de 1990, os efeitos da informatização se fizeram sentir:
“Enquanto os banqueiros investiram entre US$ 2 bilhões e US$ 3 bilhões nos anos de 1992 e 1993 na compra de computadores e software e vêm conquistando lucros sempre crescentes, o emprego bancário vem acumulando taxas negativas desde fevereiro de 1990 e o índice de rotatividade na categoria é bastante alto. No período entre 1989 e 1993, o grande aumento da produtividade do trabalho bancário, conseqüência da intensificação dos processos automatizados e das novas estratégias organizacionais implementadas, gerou intensa redução de postos de trabalho no setor”. (JINKINGS, 1995:45)
Essas informações são altamente relevantes porque a típica “explicação” para o desemprego estrutural no Brasil, sempre foi o fraco desempenho da economia, que se refletiria na necessidade de reduções sempre crescentes de pessoal, ou na necessidade de se modernizar para competir com as empresas estrangeiras. Nenhum desses fatores estiveram (e ainda não estão) presentes no setor bancário.
Também devemos considerar que o sucesso de “novas estratégias” organizacionais, tradicionalmente mal recebidas -porque sempre desfavoráveis aos trabalhadores- costumam ser muito “facilitadas” pelos cortes simultâneos de pessoal. Nada como o “facão” 1 à solta para disciplinar os descontentes.
A informatização dos bancos no Brasil, seguiu de perto a evolução da própria informática, podendo-se distinguir quatro grandes etapas:
A primeira, á partir dos anos 1960, se caracteriza pela construção dos grandes Centros de Processamento de Dados (CPD), e teve pouco impacto sobre o número de empregos, entre outras coisas, porque ainda se vivia o “paradoxo da produtividade” 2. A segunda, no princípio dos anos 1980, foi marcada pela estréia dos mini-computadores e pelos sistemas on-line.
A terceira fase, de meados dos anos 1980, já é o período do “processamento distribuído” em que as agencias dispõem de terminais, baseados em microcomputadores, que as interconectam entre si. A quarta e última fase, seria a da “exteriorização” das agencias para as residências, lojas e escritórios.
São as duas últimas fases, que coincidem com a explosão das telecomunicações baratas e confiáveis, que iniciam o processo de “exclusão” dos bancários. As agencias, antes salões de aparência sóbria -sempre apinhadas de funcionários muito apressados- adquirem aos poucos o atual aspecto de fliperamas.
Mas desde a implantação dos CPD, iniciou-se “um processo de fragmentação e esvaziamento no conteúdo do trabalho daquele bancário tradicional, conhecedor de contabilidade e detentor de uma visão mais global do processo de trabalho” (JINKINGS, 1995:48).
Também já se podia notar “uma polarização entre, de um lado, grande número de trabalhadores não qualificados, executores de tarefas simplificadas e rotineiras, e, de outro, uma minoria qualificada junto aos novos postos de trabalho vinculados à informática (programadores e analistas de sistemas, especificamente) e às gerencias especializadas” (JINKINGS, 1995:49-50).
Além desse clássico sintoma do novo paradigma tecnológico, podemos notar claramente um outro aspecto, que contradiz de forma inquestionável, a noção de que as novas ferramentas da tecnologia elevam às necessidades de capacitação profissional e do nível educacional. Conforme entrevista com uma bancária veterana:
“A automatização, de um lado, se exige técnicos, uma elite que pensa o trabalho bancário, para a maioria vai tornando o trabalho cada vez menos qualificado. Porque, na verdade, você confere o trabalho da máquina. Qualquer pessoa pode fazer. Ou você digita os dados. Você vai alimentar a máquina, digitar, você [só] tem que ser rápida na mão. (Lourdes, chefe de atendimento de banco estatal, 1993.)”. (JINKINGS, 1995:89).
O enfraquecimento dos sindicatos é outra conseqüência evidente, pois: “A intensificação da automatização e a difusão dos serviços de auto-atendimento nos bancos vêm diminuindo radicalmente a eficácia das greves enquanto instrumento de pressão”. (JINKINGS, 1995:105). A possibilidade de continuar o funcionamento dos serviços por meios eletrônicos e o funcionamento das agências com um pequeno grupo de funcionários, inviabiliza qualquer movimento grevista.
Considerando que a paralisação do trabalho, historicamente, é de fato a única arma na luta por melhores salários e benefícios, não é de estranhar a posição de desvantagem em que os bancários se encontram ao negociar com seus empregadores. E isso não ocorre só no Brasil.
O processo de automação bancária e suas conseqüências, ocorreram simultaneamente ao dos países do primeiro mundo. Em relação aos EUA, por exemplo, onde as leis trabalhistas são muito mais flexíveis e é perfeitamente possível a redução de salários e benefícios em função da redução das horas de trabalho, o cenário era o seguinte:
“Em fevereiro de 1993, o BankAmerica Corporation -o segundo maior banco do país- anunciou que estava passando 1.200 cargos de período integral para os cargos de meio período. O banco estima que menos de 19% de seus funcionários serão trabalhadores de período integral num futuro próximo. Aproximadamente seis de cada dez funcionários do BankAmerica trabalharão menos de 20 horas semanais, e não receberão benefícios. A empresa, que registrou lucros recordes nos últimos dois anos, diz que as recentes decisões de transformar mais cargos em trabalho de meio período foram tomadas para tornar a empresa mais flexível e reduzir custos indiretos”. (RIFKIN, 2001:210)
Essa nova realidade desmente de forma categórica a tese dos defensores da hipótese da “terceira revolução industrial”. Pois como vimos, o setor bancário, um dos grandes empregadores do setor de serviços, está também na vanguarda do desemprego tecnológico.
Como bem definiu Jinkings: “O desenvolvimento tecnológico a serviço do capital transforma grande parte da força de trabalho bancária em coisa descartável, tornada desnecessárias ao processo avassalador de autovalorização do capital”. (1995:101).
Em outras palavras, não existe a saída proposta pelos “otimistas” da solução automática, promovida pela “mão invisível” do livre mercado. Como vimos, o setor de comércio também esta sendo fortemente afetado e ás áreas “de hospedagem e alimentação, as atividades de reparação e manutenção, saúde, cultura e lazer”, só podem oferecer vagas de baixa qualidade. Alias é nelas que cada vez mais se abrigam os “excluídos” do mercado de trabalho. É nelas que a “informalidade” e a “precarização” do trabalho se destacam.
Quanto às “atividades governamentais”, existe uma enorme pressão -perfeitamente legítima, necessária e coerente, diga-se de passagem- vinda exatamente dos defensores da economia neoliberal, no sentido de que se submeta os órgãos públicos, ou a privatização, ou ao “enxugamento da máquina administrativa” nos mesmos moldes.
É urgente a necessidade de uma tomada de consciência de que o quadro atual é novo, não tem paralelo com as “revoluções industriais” do passado; de que novos empregos não irão surgir por “geração espontânea” ou por obra milagrosa do mercado; de que a globalização exige soluções além dos Estados nacionais. É preciso coragem e determinação para encarar esse fato.
1 Gíria muito usada em fábricas e escritórios quando estão ocorrendo demissões em larga escala.
2 Situação apontada pelo prêmio Nobel de 1987, Robert Solow , sintetizada pela sua frase: "Vemos o computador por toda parte, menos nas estatísticas de produtividade".
Bibliografia:
DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SÓCIO-ECONÔMICOS - DIEESE. Reestruturação Tecnológica e Emprego no Comércio em Santa Catarina. Boletim nº 211, Jan. e Fev. 1999.
FEDERAÇÃO DOS BANCÁRIOS DO RIO GRANDE DO SUL - FBRG. Assim não agüento. Disponível em: http://www.bancnet.com.br/campanha.html Aceso em: 30/06/2005
JINKINGS, Nise. O Mister de Fazer Dinheiro. São Paulo: Biotembo, 1995.
MENDES, Judas Tadeu Grassi. A Tecnologia Gera Desemprego? Gazeta do Povo, São Paulo, 19 abr. 2004. Súmula.
RIFKIN, Jeremy. O Fim dos Empregos. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2001.
http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/
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