segunda-feira, junho 26, 2006

Sobre a violência

O indivíduo que sente repulsa pela sociedade massificada e pelas formas de autoridade presentes, tem o direito de exercer a sua força, individual ou colectivamente, utilizando todos meios ao seu dispor, com o objectivo de atacar um sistema social que gera excluídos e explorados. Não existe nenhum princípio ou lei moral superior que possa negar este pressuposto. Desta maneira, a violência, juntamente com outras formas de agitação social, deve ser considerada como mais um meio de luta disponível. A imposição de normas, valores, atitudes e outras formas de domínio, é por si violenta e injusta, porque é exercida com instrumentos incomparavelmente mais mortíferos, mais sofisticados, e com o consentimento de toda a sociedade. A opinião dos resignados e dos pacifistas, que negam a violência como meio moralmente aceite para a luta, menospreza a violência do estado e do capitalismo acentuadas no quotidiano, o que em casos extremos pode ser entendido como cumplicidade com o inimigo. É também importante relembrar que o funcionamento de sistema político-económico actual, obriga os cidadãos da democracia a viver de forma pacífica, isto é, sendo bons trabalhadores, bons consumidores, pessoas conformadas com o modo de vida proposto pela sociedade de consumo. Existem para esse efeito várias formas de controlo social, através de mecanismos de repetição, embrutecimento e estupidificação que geram alienação e aniquilam a capacidade crítica e consciente dos indivíduos, e a sua reacção mais ou menos violenta a situações de hostilidade. No entanto, é importante ter consciente que a luta armada e a violência gerada através deste modo de actuar, constitui um meio efectivamente mais complexo e minucioso do que outros utilizados no processo de libertação. É necessário tratar a violência como um meio ambíguo, que tanto pode jogar a nosso favor, como imediatamente escapar do nosso controlo e ser prejudicial para os nossos objectivos. Mexer com armas pode tornar-se um vício, uma resposta que se sobrepõe a outras formas de resposta igualmente válidas. A luta armada (mesmo aquela considerada de baixa intensidade) não deve tornar-se o motor impulsionador do combate social, isto é, estar separada do seu conteúdo real, das perspectivas reais do movimento e da sua crítica teórico-prática. A violência não se pode tornar num mito juvenil ou num instrumento de mediação, facilmente manipulável e por conseguinte utilizada contra nós. Dessa maneira, qualquer discurso manchado pelo esquerdismo e influenciado pelas tácticas de guerrilha leninista, que proclame o mito da luta armada como especialização e vanguarda da luta social, é contrário à luta antiautoritária. A violência dos indivíduos oprimidos e dissidentes tem de ser qualitativamente diferente das outras formas de violência, geradas pela sociedade ou por ideologias aparentemente revolucionárias. Deve seguir um discurso coerente e radicalmente diferente das experiências já tentadas e falidas. Antes de aprendermos a manusear as armas, devemos primeiro aprender a pensar e ser coerentes, ter consciência plena das causas, da estratégia e do risco que corremos ao utilizar esse meio. A violência, ou é uma expressão para lá da radicalidade social, ou é mais um elemento do sociedade do espectáculo. Historicamente, o movimento anarquista sempre teve mais a propor do que a simples destruição; contrariamente a outras ideologias que baseiam os seus programas na aplicação de regimes ou reformas impostas pelo Estado ou por organismos semelhantes, que se traduzem em formas de violência, directa ou indirecta, contra os seus opositores. Nunca essa violência se poderá comparar aos crimes cometidos pelos exércitos, pelas prisões, pelo trabalho assalariado e por todas as formas de tortura disfarçadas em democracia. É absurdo compará-la com a violência do trabalho, da miséria social e da devastação ambiental, provocada pelo capitalismo nas suas diferentes metamorfoses. A sensibilidade dos anarquistas não se esconde atrás de ideologias, de organizações militarizadas, de grupos armados ou de causas baseadas em princípios superiores ao indivíduo, como é o conceito de nação, classes social, crença religiosa ou estrutura política. Essa sensibilidade vem de cada um de nós, vêm do indivíduo e da sua natureza. A influência do nihilismo no pensamento anarquista deve se entendida não como um apelo à destruição cega de tudo, sem argumentação nem fundamento, mas sim como uma Tábula Rasa a partir da qual construímos ecleticamente as nossas ideias, princípios e valores, para que não sejamos prisioneiros de nenhuma ideologia. Nesta perspectiva cabem elementos destrutivos e de negatividade face ao sistema de domínio estabelecido, e ao mesmo tempo abre-se um horizonte de desejos, sonhos e paixões, para a construção dum mundo de tod@s.
E.D. 2003

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