domingo, junho 25, 2006

Tortura como cultura

É cada vez mais comum encontrar na televisão, cinema, meios de comunicação e até na propaganda de partidos políticos a sublimação da tortura.O país que mais denuncia actos contra os direitos humanos, os Estados Unidos, são responsáveis, directa ou indirectamente, pela prática e pela campanha mundial a favor da degradação físico/psicológica de prisioneiros. O fato em si não é novidade. Os estadunidenses usaram largamente a tortura como extensão de sua política na América Latina durante o ciclo das ditaduras militares, inclusive promovendo cursos para policiais e oficiais das forças armadas. O que mudou foi a postura de admitir publicamente, em comunicados oficiais do governo Bush, a prática de realizar prisões, e acusações ou condenações baseados em depoimentos obtidos pelo uso da agressão físico/psicológica. Os Republicanos e Democratas deram seu apoio e, em alguns casos, usando como plataforma eleitoral. Se até a década de 80 os torturadores das narrativas eram sempre o inimigo, vide em 1984 de George Orwell. Ali a tortura é usada para que o indivíduo aceite uma sociedade totalitária; ela não é admitida oficialmente. O livro foi amplamente divulgado como uma bandeira contra o Estado Socialista. Quase sessenta anos depois, a sociedade que o brandia como metáfora de liberdade e direitos humanos, torna-se principal força da opressão mundial. A indústria cultural e de informações, usando as bases ideológicas da Doutrina Bush, passaram a construir argumentações que justificam a prisão arbitrária, tortura e até “assassinato selectivo” em defesa da “democracia” e do “mundo livre”, em suma; o terrorismo de Estado. Séries como Lost, 24 horas, Alias, Stargate, além de inúmeros jogos virtuais, quadrinhos etc sempre estão às voltas com algum terrorista que precisa ser torturado ou morto para que haja a salvação da cultura ocidental. Os canais, Fox News e CNN apresentam-se como os principais entusiastas da imprensa “patriótica” acima de quaisquer que sejam as actuações catastróficas dos marines nos países ocupados pelo mundo. Os actuais heróis das séries têm pais, irmãos, filhos, namorado(a), enfim laços familiares definidos o que os coloca, aparentemente, na situação do cidadão comum. O antagonista, quando tem parentes, não hesita em sacrificá-los friamente. Quando alguém é preso e/ou morto durante a narrativa, há sempre um histórico de atrocidades antecedente. Não se trata aqui da simples simpatia pelo “vilão”, mas sim a identificação de quem é ele: o negro, o latino, o norte coreano, o chinês e principalmente o árabe. A mídia nacional também não está livre dessa crítica. A chamada grande imprensa, que promove o terrorismo mediático, incita golpes políticos para derrubar governos democraticamente eleitos, ataca os direitos humanos ao distorcer seu sentido, trata os movimentos populares como criminosos, falseia notícias e defende abertamente interesses dos grandes banqueiros internacionais. Os programas popularescos difundem preconceitos, disseminam a impunidade dos esquadrões da morte, desrespeitam o direito de defesa e integridade física de seus condenados sem julgamento. Aqui também políticos de direita pregam da pena de morte à revogação dos direitos humanos. Em determinados momentos de comoção nacional, ajudados pela dose massiva de propaganda ideológica, esses elementos podem conseguir atenção. A tortura, seja pela actuação da indústria cultural e de informação, seja pela brutalidade dos aparatos policiais e políticos direitistas, está se tornando normal e aceitável. Isso é extremamente perigoso porque qualquer um pode ser preso sem provas e por se opor a interesses particulares. Já passamos por isso. Ter uma visão crítica sobre os produtos culturais e da indústria da informação ajuda, e muito, na construção da resistência aos valores do sistema capitalista que não esconde a forma destrutiva pela qual submete milhões de pessoas. Estejam elas conscientes ou não.
Odair Rodrigues
http://pt.indymedia.org/ler.php?numero=80750&cidade=1

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