Pode não se perceber nada na superfície, mas nas profundezas o inferno está em chamas.
Y.B. Mangunwijaya, escritor indonésio,
Já em 1934, o publicitário James Rorty afirmava que «um sistema democrático de educação (...) é um dos meios mais seguros de criar e ampliar enormemente os mercados para bens de todos os tipos e especialmente aqueles bens em que a moda tem importância».Durante muito tempo, a escola foi um lugar onde a publicidade e as marcas não entravam de forma significativa. Rapazes e raparigas reuniam-se ali, estudavam, aprendiam, conversavam, formavam opinião, divertiam-se, mais influenciados pela cultura da sua escola e do seu meio social do que por qualquer outra cultura fabricada em gabinetes ou laboratórios de marketing e de opinião.Com a escola para todos, este reservatório de «almas brancas» tornou-se tremendamente apetecível, não só para os gestores de marketing das grandes marcas e da publicidade em geral, mas também para outras instituições, como as igrejas e ONGs, interessadas em angariar fieis de tenra idade.«Você concordará que o mercado jovem é um manancial inexplorado de novas receitas. Você também concordará que o mercado jovem passa a maior parte do seu dia na escola. Agora a questão é, como alcançar e controlar esse mercado?», afirmava e perguntava um folheto da «IV Conferencia Anual de Marketing do Poder Juvenil».Como alcançar e controlar esse mercado? A resposta foi sendo dada com plena eficácia, nos países mais desenvolvidos, a partir do inicio dos anos noventa.Com a queda do Muro de Berlim e o fim da disputa-concorrência entre o mundo capitalista e o de influência da ex-União Soviética, um pouco por todos os países ocidentais, decaíram as preocupações do Estado com a educação e acentuou-se a pobreza de recursos educacionais nas escolas. Neste quadro de capitalismo socialmente desleixado, as escolas foram então confrontadas com duas situações antagónicas. Por um lado, acentuava-se a diminuição de verbas para a educação, mas por outro, as escolas, solicitadas para o ensino de massas e para novas tarefas e respostas, eram pressionadas pelas opiniões públicas, domesticadas pelo marketing das empresas, a apetrecharem-se com tudo o que foi surgindo de mais moderno na área das tecnologias da informação. Ao mesmo tempo que as escolas estavam perante cortes orçamentais, os custos com a educação cresceram desmesuradamente obrigando muitas escolas, públicas e privadas, a procurar fontes alternativas de financiamento. Estava criado o clima que abria as escolas às empresas. Esta pressão e este clima, escancarou as portas das escolas, em países mais desenvolvidos, à publicidade e, em particular, às grandes marcas.Parcerias e acordos de patrocínio, com as grandes empresas, têm aparecido, a muitas escolas públicas, como a única alternativa para o seu equipamento em novas tecnologias. Se o preço a pagar para conseguir estes bens — da moda e promovendo a fé no sucesso educativo garantido — for submeter as escolas à publicidade, pensam alguns que nada mais podem fazer senão resignar-se.Dizem os gestores privados que «não há almoços grátis». Nenhum dá nada às escolas sem obter lucro, e lucro gordo, com as «doações». As grandes empresas, donas de grandes marcas, ao entrarem nas escolas, não levam apenas a sua marca para vender. Querem ir mais longe. Os gerentes das marcas querem que estas ocupem junto dos jovens o lugar principal. Não querem ser um apêndice, mas tema central da educação. Não se conformam em ser matéria optativa, querem ser tema obrigatório de estudo. Querem que os alunos aprendam, naturalmente, mas, se têm de ler, porque não ler sobre a sua empresa, ou escrever sobre a sua marca ou apresentar um projecto para a sua campanha publicitária? Levar os estudantes a identificarem-se e a adquirir uma consciência de marca, eis um dos objectivos fundamentais desta entrada das grandes empresas nas escolas.Ensinar os estudantes a construir uma consciência de marca foi o que o «Channel One», propriedade da «K-111 Comunications» e a sua parceira canadiana, a «Youth News Network», têm conseguido de forma exemplar.No começo da década, essas erradamente autodenominadas emissoras educativas, apresentaram uma proposta a directores de escolas da América do Norte. Eles propunham que abrissem as salas de aula a dois minutos de publicidade televisiva por dia, metidos no meio de vinte minutos de programação de assuntos do interesse dos adolescentes. Muitas escolas concordaram. As emissoras entraram no ar. Desligar a publicidade não era possível. A programação era obrigatória para os alunos. Os professores não tinham meios de ajustar o volume da emissora, especialmente durante os anúncios. Em troca, as escolas não recebiam receitas directamente das estações, mas podiam usar o equipamento nalgumas aulas e, nalguns casos, eram brindadas com alguns computadores.O «Channel One», entretanto, cobra alto o acesso à publicidade em sala de aula. Com um público obrigatório, seleccionado e sem possibilidade de mudanças de canal ou controle de volume, pode vangloriar-se do que nenhuma outra TV pode: «erosão de audiência zero». A estação já está instalada em 12.000 escolas, alcançando um público estimado em 8 milhões de estudantes.A entrada da publicidade nas escolas faz parte dos processos, variados e multifacetados, de privatização das escolas públicas. Conhecer tais processos é hoje uma questão essencial para entender os rumos das politicas educativas dominantes.
http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=4370
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