terça-feira, julho 25, 2006

Condições das classes trabalhadoras na China

Este artigo baseia-se primariamente numa série de reuniões com trabalhadores, camponeses, organizadores e actividades de esquerda em que participei durante o verão de 2004 juntamente com Alex Day e outro estudantes de assuntos chineses. Faz parte de um documento mais extenso que está a ser publicado como relatório especial pelo Oakland Institute. As reuniões tiveram lugar principalmente e em torno de Pequim, bem como na província Jilin no nordeste, e nas cidades de Zhengzhou e Kaifeng na província central de Henan. O que ouvimos revela de modo absoluto os efeitos das transformações maciças que se verificaram nas três décadas a seguir à morte de Mao Zedong, com o desmantelamento das políticas socialistas revolucionários executadas sob sua liderança, e um retorno à "estrada capitalista", deixando as classes trabalhadores numa posição cada vez mais precária. Uma polarização em expansão rápida — numa sociedade que estava entre as mais igualitárias — está a verificar-se entre extremos de riqueza no topo e um número crescente de trabalhadores e camponeses na base cujas condições de vida estão diariamente a piorar. A ilustrar isto, a lista da Fortune 2006 dos bilionários globais inclui sete na China continental e um em Hong Kong. Embora seus haveres sejam pequenos em comparação com aqueles nos Estados Unidos e outros lados, eles representam a emergência de um capitalismo chinês amadurecido. A corrupção desenfreada une autoridades do partido e do estado e administradores de empresa aos novos empresários numa teia de alianças que está a enriquecer uma classe capitalista florescente, enquanto as classes trabalhadores são exploradas de maneiras que nunca tinham sido vistas em mais de meio século.Os trabalhadores com quem conversámos eram alguns das dezenas de milhões que foram expelidos dos seus antigos empregos em empresas estatais, outrora o pilar da economia, com a perda de virtualmente todas as formas relacionadas de segurança social que faziam parte das suas unidades de trabalho: habitação, educação, cuidados de saúde e pensões, dentre outros. Como estas empresas estatais foram convertidas em corporações orientadas para o lucro, quer pela venda directa a investidores privados quer pela semi-privatização por administradores e autoridades do estado e do partido, a corrupção tornou-se comum.Os camponeses com quem nos encontrámos estavam a lutar para enfrentar os efeitos a longo prazo da dissolução forçada das comunas rurais e a introdução do sistema de responsabilidade familiar. Com a abertura do território do país ao mercado global, a venda de terras por responsáveis locais a urbanizadores sem compensação adequadas aos aldeões, e a devastação ambiental desenfreada das áreas rurais, esta política deixou centenas de milhões a lutarem para encontrar um caminho viável de ganhar a vida, enquanto despojados dos apoios sociais colectivos que haviam desfrutado anteriormente. Mais de 100 milhões deles tornaram-se parte da migração maciça para as cidades, à procura de trabalho na construção, nas novas fábricas orientadas para a exportação, ou nos mais sujos e mais perigosos trabalhos, onde lhes faltas mesmo os direitos mais básicos. Para muitos migrantes, as condições estão a deteriorar-se rapidamente quando assentam semi-permanentemente nas comunidades urbanas e quando a idade e os problemas de saúde aumentam.As classes trabalhadores chinesas não têm sido passivas em face das suas condições em deterioração e das perdas de direitos ganhos ao longo de décadas através da luta e do sacrifício na revolução socialista. Conflitos de classe e tumultos sociais desencadearam-se a níveis nunca vistos durante décadas. Os trabalhadores, camponeses e migrantes na China de hoje estão a fazer algumas das maiores manifestações do mundo, por vezes envolvendo dezenas de milhares de pessoas e resultando em choques violentos com as autoridades. Mesmo o ministro da Segurança Pública publicou números admitindo que os "incidentes de massa, ou manifestações e tumultos" elevaram-se para 74 mil em 2004, quando foram apenas 10 mil uma década atrás, e 58 mil em 2003 (New York Times, 24/Agosto/2005). A ameaça da crescente instabilidade social representa um aprofundamento do desafio para o topo do partido e dos líderes do estado, e já resultou em mudanças políticas numa tentativa de deter tumultos cada vez maiores. Mesmo a chamada nova classe média de profissionais e administradores e as fileiras em rápida expansão dos licenciados em faculdades, muitos dos quais prosperaram nas longas década do boom económico, está a fragmentar-se. O custo crescente da educação, que sob Mao era virtualmente gratuito ao longo de todos os níveis de ensino, está a tornar-se proibitivo, especialmente para as classes trabalhadoras. Aqueles que se licenciaram recentemente estão a ter dificuldade crescente em encontrar empregos. O stress do mercado cobra a sua portagem mesmo àqueles que estão numa situação melhor. Os ganhos que o desenvolvimento económico trouxe — especialmente acesso mais vasto a bens de consumo e alimentos e mobilidade acrescida e oportunidades de emprego — estão a ser erodidos para milhões pela divisão de classe cada vez mais vasta e pela insegurança crescente. Em consequência, a China está a entrar num período de aguçamento da luta de classe e de incerteza política que não será facilmente resolvido. Para as classes trabalhadoras, o caminho em frente será muito difícil, e a revitalização da esquerda, embora altamente significativa, está ainda num estágio muito incipiente. Este ensaio explora estas complexidades e possibilidades. Geralmente omiti os nomes de pessoas e organizações, para sua protecção.CONFLITO E UNIDADEÀ superfície, pelo menos, pareceria que as condições de convergência de trabalhadores urbanos, migrantes e camponeses — e mesmo muitos membros da nova classe média — proporcionariam a base para uma vasta unidade de luta contra aqueles que estão a explorá-los sob as reformas de mercado capitalistas e a abrir a China às forças económicas globais. Mas, tal como em situações semelhantes nos Estados Unidos e por toda a parte do mundo, a unificação das classes trabalhadores é mais facilmente concebida na teoria do que realizada na prática. Preconceitos antigos, especialmente a baixa estima que muitos chineses urbanos tem para com o campesinato, morrem dificilmente, agravado por novas formas de competição provocadas pela migração maciça das áreas rurais para as cidades, e a manipulação por aqueles no poder, que usam os métodos consagrados de dividir e conquistar para lançar uns grupos contra os outros.Um exemplo: quando perguntado se os trabalhadores de Pequim sentiam que os migrantes estavam a tomar os seus empregos, um activista com quem conversámos respondeu: "Sim, especialmente entre aqueles que são despedidos, há um pouco deste sentimento". Muitos deles olham de cima para baixa a população migrante. Durante os trabalhos de limpeza após uma grande tempestade, alguns trabalhadores urbanos observaram: "Isto é a espécie de trabalho que os migrantes estão aqui para fazer, eles nunca vêm qualquer dinheiro em casa". Como que a confirmar esta imagem, o New York Times (03/Abril/2006) relatou acerca de limpadores migrantes no aterro sanitário municipal de Shangai, o qual trabalhava para pagar as taxas 10 mil yuan (US$ 1250) da escola média da filha, e 1000 yuan (US$ 125) para a educação primária de uma segunda. Os sentimentos, entretanto, são mútuos, Os migrantes, por sua vez, dizem coisas semelhantes, tais como "Aquele merece ser um trabalhador despedido".Num padrão demasiado familiar nos Estados Unidos — onde raça e etnicidade, assim como o status de imigrante, entram na composição — as tentativas do governo de ajudar os migrantes a obterem salários atrasados e os outros direitos que merecem são vistas por alguns trabalhadores como favoritismo. Os media actuam sobre estas divisões e promovem más relações entre os diferentes grupos, dizem que os proletários urbanos apenas querem empregos com estrangeiros, enquanto afirmam que migrantes estão desejosos de trabalhar por "nada", e tentam obter o despedimento de trabalhadores para imitá-los, o que conduz ao ressentimento. É, entretanto, o fosso crescente entre rendimentos urbanos e rurais — agora de 3,3 para 1, "mais alto do que nos Estados Unidos e um dos mais elevados do mundo — que proporciona o combustível para tal manipulação (New York Times, 12/Abril/2006)A agudeza destas divisões evidenciou-se na experiência dos trabalhadores numa fábrica de equipamentos de transmissão eléctrica em Zhengzhou, onde se verificaram grandes choques em 2001. Ali, como a empresa estava a ser liquidada e encerrada, a polícia prendeu protestários à noite, e eles avariaram e levaram embora a maquinaria como ladrões. Eles também introduziram camponeses a cinquenta yuan por dia para carregar para o equipamento para fora. Isto resultou numa longa luta. Em parte para evitar a reacção pública a usar a polícia da cidade para fazer o seu trabalho sujo, foram contratados camponeses como marginais; utilizando capacetes, eles utilizaram armas para espancar os trabalhadores. Uns trinta camiões com cinco centenas de camponeses fura-greves foram trazido para dentro, um exemplo do que aconteceu por toda Zhengzhou. Um activista relatou que quando trabalhadores na fábrica tocaram um sino, "toda a gente veio para fora", o que levou a uma batalha de quatro horas dos camponeses contra os trabalhadores em 24/Julho/2001. Estes últimos venceram naquele dia, pois trabalhadores de outras fábricas concentraram-se para ajudar — até 40 mil no conjunto. Apesar de oito trabalhadores terem sido presos e acusados de destruir propriedade, eles também tiveram apoio legal e os capitalistas perderam novamente. Como colocou um trabalhador, referindo-se aos direitos que tinham na era pré-reforma: "nossas leis, as leis de Mao" eram apoiadas. "Havia tanta gente que o governo teve medo".A dimensão da acção do povo levou as autoridades a uma pausa, mas sob a pressão dos capitalistas os trabalhadores foram presos outra vez, desta vez pela polícia de segurança pública para contornar os tribunais, e houve um combate de dez dias com os camponeses. Deste modo, eles utilizaram camponeses como tropa de choque para expulsar os trabalhadores da fábrica, e venderam tudo, despedindo 5600 pessoas. A seguir deitaram os edifícios abaixo, incluindo habitações de trabalhadores, e deram a terra a um urbanizador privado, que construiu uma loja e casas de luxo. Agora, sem trabalho ou habitação, toda a gente está receosa de continuar a lutar. A própria polícia por vezes torna-se violenta (goons), tirando os seus uniformes e actuando mais como uma gang que está a proteger os proprietários capitalistas, até utilizando facas. Numa cerâmica, um ajuntamento quase sovou um líder dos trabalhadores até à morte, mas as autoridades deixaram que isto acontecesse e ignoraram queixas posteriores.Deste modo, a polícia e outras agências do governo não só atacam directamente e reprimem aqueles que trabalham nas empresas de propriedade estatal como põem frente a frente os vários segmentos das classes trabalhadoras, uns contra os outros. Apesar da necessidade da unidade, tais experiências tornam muito difícil ultrapassar os preconceitos e divisões já existentes. Como disse um trabalhador activista da companhia de equipamento eléctrico: "Camponeses e operários deveriam ser uma família — temos de combate-los, mas deveríamos trabalhar juntos". Aqueles em lados opostos actuam em função dos seus interesses a curto prazo. Na fábrica, mesmo o chefe da polícia disse que não queria fazer o que fez, mas estava sob pressão. Um trabalhador disse-lhe que "ele era como um cão". E ele respondeu: "Sim, mas seu não morder você agora eles me arrancarão a pele". A substituição de empresas estatais pela iniciativa privada agrava as divisões. As novas fábricas que estão a ser construídas na região obtêm os seus trabalhadores principalmente entre os rurais, pagando-lhes salários muito baixo e não lhes proporcionando habitação ou benefícios. Além disso, como colocou um trabalhador, ao contrário dos EUA, aqueles que são despedidos das empresas estatais na China não podem obter tarefas em serviços pois os camponeses é que são utilizados para isso, uma vez que são baratos e fáceis de controlar. Apesar de um desejo de trabalhar em conjunto, portanto, tais condições conduzem inevitavelmente ao ressentimento entre segmentos das classes trabalhadoras.Apesar de tais divisões e conflitos, há esforços em curso para elevar a um nível mais alto a unidade entre segmentos mais vastos dos trabalhadores urbanos e construir laços mais estreitos entre eles e os camponeses, tanto aqueles que permanecem na agricultura como aqueles que migram para as cidades. As manifestações em torno das fábricas de equipamento de transmissão eléctrica, de papel e têxtil de Zhengzhou, e uma greve em 1997 de 13 mil motoristas de táxi daquela cidade, mostram que dezenas de milhares de trabalhadores em muitas empresas e sectores, bem como membros da comunidade, concentraram-se em apoio àqueles que se opõem à privatização, à perda de empregos benefícios, ou a impostos e taxas mais altos. No entanto, o padrão mais comum por toda a China é aqueles que trabalham em fábricas individuais terem de confrontar seus empregadores, e os responsáveis do governo que lhes estão associados, por si próprios. Muitas vezes, estas confrontações — que podem incluir acções tais como deitar-se sobre carris do caminho de ferro e bloquear auto-estradas, ou cercar e ocupar escritórios, e além disso encerrar negócios habituais para cidade — acabam com pequenos pagamentos efectuados uma só vez aos trabalhadores afectados, de forma alguma suficientes para proporcionar-lhes qualquer apoio a longo prazo, mas suficientes para pacificar a sua exigência imediata por alguma espécie de compensação. Numa tentativa de ir para além desta forma relativamente isolada de luta, que na maior parte dos casos demonstrou-se inadequada para travar a marcha geral da privatização, do desemprego e a perda de serviços e regalias, trabalhadores das diferentes empresas em Zhengzhou principiam a unir-se. Em Kaifeng — onde a maior parte das empresas estatais fechou, deixando 100 mil desempregados — trabalhadores também exprimiram a necessidade de maior unidade a fim de ter êxito. Só recentemente, os das diferentes fábricas — incluindo os muitos que já perderam os empregos e os poucos que actualmente ainda estão empregados — começaram a actuar em conjunto, mantendo reuniões com representantes de cada uma das empresas, e organizando protestos conjuntos com participantes de todas as fábricas. Os activistas com quem conversámos ali estavam a planear uma grande manifestação de trabalhadores de todas as fábricas da cidade para aquele ano.Mas as perspectivas de tais acções unitárias são incertas. Há muitas divisões remanescentes dentro do proletariado urbano — económica, geracional e mesmo política — com alguns mais compreensivos para com as "reformas" e outros, inclusive do governo, mantendo a perspectiva socialista. Até um parque de Zhengzhou que visitámos, no meio de um distrito de operários, está dividido fisicamente entre agrupamentos de trabalhadores e aposentados de direita e de esquerda, com os primeiros a dominarem certas áreas, especialmente durante o dia, e os últimos mais predominantes em outras partes, particularmente à noite. Como experimentámos quando parámos brevemente para conversar com alguns dos muitos que vinham ali todos os dias para descanso, os debates podem ficar bastante acesos, e às vezes até mesmo vagamente ameaçadores. É semelhante às perspectivas de unidade entre os trabalhadores e os camponeses, com os migrantes a desempenharem uma espécie de papel intermediário. Há um desejo de ficarem juntos, mas diferenças tanto nas suas condições como no seu tratamento pelo governo trabalham contra tais níveis mais elevados de unificação.Com as reformas, houve também uma reversão parcial de fortunas. Em ambas as cidades e na zona rural, aqueles com que conversámos declararam que hoje, num contraste agudo com situação durante a era socialista sob Mao, alguns camponeses estão realmente melhor do que muitos dos trabalhadores urbanos. Eles ainda podem ser pobre e a lutarem pela sobrevivência — a maior parte das famílias camponesas empobrecidas permanecem os piores de todos — mas pelo menos têm um bocado de terra sobre a qual podem cultivar algum alimento. Mesmo os migrantes mais pobres podem retornar a uma aldeia se as coisas ficarem muito duras nas cidades. Para os trabalhadores urbanos não qualificados, contudo, especialmente aqueles foram despedidos, não há verdadeiramente nada a perder — eles foram reduzidos novamente à condição proletária clássica, destituídos de todo acesso aos meios de produção, e literalmente abandonados para morrerem de fome sem qualquer espécie de apoio externo. Se tiverem um parente doente, ou mesmo um filho para o qual devem pagar taxas escolares, sua situação pode ser desesperadora. Apenas aqueles com mais qualificações ou que são capazes de começar alguma espécie de pequeno negócio estão em situação mais igual à dos camponeses com a sua terra.Em consequência, a unidade nas acções destas duas classes também é difícil de alcançar. Frequentemente, protestos e manifestações verificam-se quase simultaneamente tanto nas cidades como nas zonas rurais circunvizinhas. Ouvimos acerca de tais eventos paralelos dentro e em torno de Zhengzhou e Kaifeng durante o curto período que estivemos ali. Nesta última cidade, vinte trabalhadores haviam acabado de ser detidos numa fábrica, enquanto camponeses estavam a protestar no mesmo dia no município vizinho — levantando-se e fazendo "actividades más", como colocou um trabalhador — e danificaram edifícios do governo e bloquearam auto-estradas porque haviam sido trapaceados sobre o terreno para uma estrada. Mas não havia ligação entre estes eventos virtualmente simultâneos, e ali ainda não havia protestos conjuntos de trabalhadores e camponeses.Além disso, há diferenças até nas formas de reacção do estado a manifestações destas duas classes. Os trabalhadores da cidade enfrentam uma repressão particularmente clara das autoridades locais, porque as suas lutas são mais visíveis para o público, contestadoras da sede do poder urbano, e desafiadoras directas do próprio núcleo das reformas — a privatização das empresas e a formação da nova classe capitalista. Como afirmou um trabalhador, ele e aqueles como ele estão furiosos, e "precisam juntar-se rebelar-se — mas ao contrário da América eles não são considerados nem mesmo para dizer algo acerca da sua situação". Ainda assim, eles "não têm medo de morrer, uma vez que nada têm" — e assim manter-se-ão na luta.Acções trabalhistas em grande escala estão a crescer por todo o país, por vezes a ganharem vitórias locais, mas frequentemente acabando com a detenção e aprisionamento dos líderes. Em contraste, enquanto pelo menos no papel a melhoria das condições rurais e agora política oficial do governo, o esmagamento de protestos camponeses pode ser ainda mais brutal, porque eles são invisíveis, a menos que as acções sejam numa escala suficientemente grande para serem notícia púlbica — tal como a morte de uns vinte aldeões em Dongzhou, na província de Guangdong, em Dezembro de 2005, por protestarem contra compensação inadequada pela terra tomada para uma central eléctrica. Apesar destas divisões e barreiras, há um sentimento de que as classes trabalhadoras nas cidades e nas zonas rurais podem em breve encontrar lanças, pois os camponeses tornam-se cada vez mais furiosos e as suas condições convergem com aquelas dos trabalhadores urbanos, e como migrantes envelhecem e enfrentam uma situação deteriorada. Activistas a ajudarem a organizar todas as classes trabalhadoras estão a tentar promover o movimento rumo à unificação, mas é um processo longo e difícil, que apenas começou a transpor o fosso entre elas.O RETORNO DA ESQUERDA A possibilidade de tais níveis mais elevados de unidade é favorecida pela presença entre os camponeses, migrantes e a classe trabalhadora urbana daqueles com profunda experiência na luta pelo socialismo na China e conhecimento do marxismo-leninismo-pensamento de Mao Zedong. Este legado histórico hoje tem significado fundamental para o renascimento da esquerda chinesa. Como disse um antigo Guarda Vermelho em Zhengzhou, o entendimento de uma "luta de duas linhas", uma demarcação clara entre o socialismo da revolução e o capitalismo do presente, está agora a revelar-se primariamente a partir das próprias classes trabalhadoras, e não principalmente dos intelectuais. Ela toma uma forma de anti-corrupção, em particular — não apenas no sentido estreito de oposição a malfeitorias financeiras e subornos, embora isto seja parte daquilo, mas como uma tentativa mais vasta de bloquear a aliança dos responsáveis do estado e do partido com o administradores e empresários para a conversão completa dos meios de produção na propriedade privada dos novos capitalistas emergentes e de reverter os ganhos socialistas adquiridos pelos trabalhadores e camponeses na era revolucionária. A teoria, espírito e prática da revolução são mantidos vivos pelos activistas, notavelmente em Zhengzhou e outras áreas, as quais foram centros do movimento comunista cuja tradição remonta à década de 1920. Naquela cidade, um duplo pagode, construído como torre em 1971, ergue-se no principal cruzamento para assinalar as mais de uma centena de trabalhadores mortos na greve geral de 1923 liderada pelos comunistas no caminho de ferro Beijing-Hankou, que foi liquidada de forma selvagem pelo senhor da guerra regional. O legado da era Mao também é mantido vivo aqui, e o nível de consciência do trabalhador é muito elevado, o que leva à luta das duas linhas.Dentre os mais notáveis aspectos que emergiram das discussões com os trabalhadores naquela cidade estava o senso de direito que eles sentem nas fábricas onde costumavam trabalhar. Quaisquer que sejam os limites para a propriedade social e direitos de participação que a classe trabalhadora tenha nas empresas estatais — as quais demonstraram-se inadequadas como protecção contra a reforma das expropriações dengistas — não há dúvida de que eles sentem fortemente que aquelas fábricas eram num certo sentido básico "suas". Como explicou um deles, a fábrica de equipamento de transmissão eléctrica foi "construída com o suor de trabalhadores" e eles não querem que seja tomada pelos capitalistas e privatizada. Ela pertence ao conjunto do país e era parte da acumulação económica colectiva de toda a classe trabalhadora. Sob Mao, os trabalhadores também têm algum controle sobre as fábricas, eles "podiam apresentar ideias e serem ouvidos". Isto chegou ao máximo durante a Revolução Cultural. Então "eles era os líderes, a classe trabalhadora representava-se a si própria naquele tempo" — mas agora ninguém a ouve, e eles não têm poder. Reiteradamente, estes trabalhadores exprimem o seu senso de perda de direitos em consequência do roubo efectivo da sua propriedade colectiva, construída ao longo de toda uma vida de trabalho, e o seu despojamento de todos os direitos de participação que haviam exercido anteriormente. Colocando este entendimento num contexto teórico mais geral, um trabalhador de Zhengzhou explicou que o actual sistema de "capital burocrático" é um problema político, não um problema basicamente da economia — uma análise que poderia ter vindo directamente de O que fazer?, de Lenine. "Parece económico à superfície, mas é realmente uma luta entre capitalismo e socialismo", primariamente uma questão de política. A China, afirma ele, "não é como os Estados Unidos, onde nunca houve socialismo. Os trabalhadores mais velhos entendem este contexto histórico. A maior parte veio da era de Mao e da Revolução Cultural. Eles conheceram o Pensamento de Mao Zedong, e sua geração quer trazer a China de volta ao "caminho de Mao". Isto é parte da luta internacional para proteger o caminho socialista".Este trabalhador gostaria que a luta da classe trabalhadora chinesa, e a razão porque é importante retornar outra vez à estrada do socialismo, fosse melhor entendida no Ocidente. É uma longa luta. Ele tem esperança de que os trabalhadores na China se moverão lentamente de volta a este caminho, caso em que acabariam por vencer. Mas também advertiu que se o actual movimento não alcançar um nível mais elevado dentro em breve, os trabalhadores mais jovens verão isto apenas como uma luta económica por "melhores condições". Esta é a herança do período de reforma anti-socialista, e das afirmações de Deng Xiaoping — como aquela de "ficar rico é glorioso". Elas estão a arruinar o entendimento dos trabalhadores mais jovens. "A maior parte deles estão receosos até de reunir e de discussões como esta" — ouvimos estes sentimentos expressos mais do que uma vez pelos trabalhadores mais velhos.É em parte por esta razão que aqueles que ainda se dedicam à luta pelo socialismo descobriram outros meios de transmitir a sua consciência e experiência, utilizando formas culturais, e não apenas as políticas e económicas, para manter viva a herança da revolução e transferi-la às novas gerações. Num canto de um parque que visitámos no centro do distrito operário de Zhengzhou, trabalhadores e membros das suas famílias juntavam-se à noite para cantar as antigas canções revolucionárias. Na noite de um dia de semana em que estivemos ali, uma centena ou mais — desde aposentados mais velhos a adolescentes e mesmo criança — num cântico muito animado, acompanhado por um grupo de músicos, e conduzido por um maestro dinâmico. Contaram-nos que nos fins de semana, "um número muitas vezes maior" costuma estar presente, até de um milhar ou mais. Como colocou um dos trabalhadores que encontrámos no parque, "O significado político destes cânticos é mostrar nossa oposição ao Partido Comunista — aquilo que ele se tornou — e utilizar Mao para confrontá-lo e elevar o nível de consciência".Este mesmo espírito histórico também atravessa as lutas práticas na cidade. Quando a greve na fábrica de papel começou em 2000 — ainda o "modelo" para a resistência à privatização nesta área — os trabalhadores utilizaram os métodos da "Revolução Cultural", segundo um activista, expulsando os administradores, tomando a fábrica, impedindo a remoção do equipamento e instituindo o controle operário. Após muitas peripécias, parte da fábrica ainda permanece nas mãos dos trabalhadores, mas ela está a lutar para sobreviver não só na economia de mercado como em relação às tentativas oficiais de miná-la economicamente. Como explicou seu líder, depois de ter sido preso, adoptaram esta forma específica de luta "porque os princípios da Comuna de Paris viverão para sempre". Uma perspectiva histórica de esquerda semelhante foi vista na luta da fábrica de equipamento eléctrico, onde um dos slongas era, "Trabalhadores querem produzir e viver", mas também ergueram uma bandeira a dizer: "Defender continuamente o Pensamento de Mao Zedong". Outras acções dos trabalhadores tomam uma forma ainda mais abertamente política.No mesmo ano da tomada da fábrica de papel começou uma celebração do aniversário da morte de Mao. Em 2001 ela reuniu dezenas de milhares de trabalhadores — com 10 mil polícias a cercá-los — e houve uma grande greve e confrontação. Hoje, os trabalhadores estão proibido até de irem à pequena praça onde se ergue a última estátua de Mao na cidade, tanto na data do seu nascimento como da sua morte. Mas eles vão de qualquer forma e confrontam a polícia. Foi ali que, em 9 de Setembro de 2004, um trabalhador activista, Zhang Zhengyao, divulgou um folheto acusando o Partido Comunista e o governo de abandonarem os interesses das classes trabalhadoras e tomarem parte na corrupção generalizada. O seu panfleto também denunciava a restauração do capitalismo na China e apelava a um retorno ao "caminho socialista" defendido por Mao. Tanto ele como o co-autor do panfleto, Zhang Ruquan, foram presos depois de a polícia vasculhar seus apartamentos. Os seus casos tonaram-se longe uma cause célèbre na China, com muita gente de esquerda de todo o país a viajarem a Zhengzhou para protestar do lado de fora do julgamento não público dos dois, em Dezembro de 2004, onde cada um deles foi sentenciado a três anos de prisão. Juntamente com Ge Liying e Wang Zhanqing — que colaboraram na redacção e impressão do folheto, e que também foram incomodados pela polícia — estes trabalhadores activistas ficaram conhecidos como "os 4 de Zhengzhou".Uma carta-petição, iniciada nos Estados Unidos, ao presidente Hu Jintao e ao primeiro-ministro Wn Jiabao, apelando à libertação dos mesmos, conseguiu mais de duas centenas de assinaturas — cerca da metade de entro da China e outra de fora. Isto foi uma demonstração sem precedentes de apoio a trabalhadores de esquerda, especialmente considerando o potencial risco para aqueles que a assinaram, unindo intelectuais chineses e activistas com os seus pares internacionais. Embora o governo não respondesse directamente à carta, Zhang Ruquan foi posteriormente libertado da prisão, ostensivamente por razões de saúde, o que alguns activistas acreditam que tenha sido pelo menos em parte um resultado da pressão gerada pela petição e outras actividades de solidariedade relacionadas, tais como a inserção de informação e análises, por vezes extensas. em sítios web de esquerda. Os 4 de Zhengzhou representam a recusa dos trabalhadores da China de aceitar passivamente as novas condições que lhes são impostas pelo partido e pelo estado, a persistência da ideologia de esquerda e o activismo nas suas fileiras, e o crescente apoio que eles estão a reunir junto a outros da sociedade e mesmo no estrangeiro. Mas este caso também salientou as divisões assim como o renovado fortalecimento da esquerda chinesa. Foram principalmente os mais jovens de esquerda que tomaram a liderança ao assinar a carta-petiçaõ pelos 4 de Zhengzhou, utilizando a Internet para faze-la circular amplamente, ao mesmo temo que criticavam aqueles dentre os mais velhos que, pelo menos a princípio, haviam hesitado. Para a geração jovem, a solidariedade com trabalhadores que estavam a tomar uma posição pública à esquerda tinha prioridade sobre a preocupação em ter exactamente a linha justa. Para os de esquerda mais velhos, as divisões passadas e as lutas sobre ideologia e política muitas vezes bloqueavam a unidade para a acção comum. No seu caso, é mais difícil por de lado conflitos históricos a fim de enfrentar as novas condições do presente.Estas atitudes diferenciadas reflectem uma análise aceite amplamente dos três principais agrupamentos encontrados entre os chineses de esquerda: (1) a "velha" esquerda que é constituída em grande medida por aqueles que ascenderam nas fileiras do partido e do estado e que, depois de em muitos casos inicialmente abraçarem pelo menos partes das reformas de Deng Xiaoping, moveram-se para a oposição quando a natureza capitalista daquelas políticas foi-se tornando cada vez mais aparente; (2) "Maoistas" que permaneceram firmes no seu apoio aos programas da era revolucionária do socialismo chinês sob Mao, e têm sua base popular basicamente entre os trabalhadores e camponeses, e, (3) a "nova" esquerda que, como a sua congénere no Ocidente — especialmente durante a década de 1960 — tende a ser composta pela geração mais jovens, centrada principalmente nas universidades e novas ONGs, que são abertas a um amplo leque de marxistas, assim como de modo geral a tendências sociológicas e social democratas, mas que estão muitas vezes mais desejosas de se alinharem com os seguidores de Mao do que aqueles entre a "velha" esquerda. As linhas entre estes três grupos, contudo, não são de modo algum rígidas ou mutuamente excludentes. "Velhos" de esquerda podem ser encontrados por toda a sociedade, tanto dentro como fora do governo, enquanto muitos "maoistas" e mesmo alguns da "nova" esquerda trabalham dentro do partido e do estado. Quaisquer paralelos com categorizações de esquerda — especialmente a "nova" esquerda — no Ocidente não deveriam ser exageradas, pois cada uma delas tem a sua própria característica chinesa específica que reflecte a história das lutas aqui. Em 2001, uma altamente inabitual reunião das quatro diferentes tendências políticas — organizada por um antigo líder Guarda Vermelho em Zhengzhou que esteve preso durante muitos anos após o começo das reformas, e ainda é um activista — foi efectuada em Beidaihe, a cidade a beira mar onde a liderança de topo reúne-se no verão para planear estratégia. Enquanto concordaram no seu desacordo sobre se se deve opor a todas as reformas políticas, foram unânimes na crítica a Deng Xiaoping pela extensão da recapitalização que ele introduziu.Mais recentemente, um fórum de quadros muito elevados de vários institutos, universidades e agências reuniu-se para desenvolver uma análise marxista da actual situação — com o presidente da Universidade de Beijing a abrir a sessão. A experiência era transformar isto num encontro permanente. Os antigos membros do partidos que estavam por trás da organização desta reunião explicaram que aquilo não poderia ter acontecido sem pelo menos algum apoio de alto nível. Em Zhengzhou, um fórum semelhante liderado por gente de esquerda e "liberais" — uma expressão que na China de hoje muitas vezes inclui aqueles que são mais radicais do que os seus confrades no Ocidente — tem-se reunido na última década, juntando pessoas que mantêm um amplo leque de visões. O seu terreno comum é um senso forte de que a actual direcção da sociedade chinesa e das políticas oficiais não é sustentável. Assim, apesar dos seus diferentes antecedentes e abordagens, ali há muitos que caem aproximadamente dentro de todas as três categorias de esquerda — "velhos", "maoistas" e "novos" — tanto dentro como fora dos corpos do partido, do estado e das instituições, e não apenas as suas ideias como também os seus vários fóruns e encontros, sobrepõem-se, interpenetram e influenciam uns aos outros, e atraem mesmo aqueles que não participam das suas ideologias. Dentro das novas ONGs há algumas com uma forte base de esquerda, as quais estão a trabalhar em assuntos práticos como proporcionar escolas para aldeias rurais empobrecidas e promover uma sociedade mais voltada para o trabalhador e o camponês do que o fazem as fundações dominantes. Este retorno da esquerda reflecte o crescente fortalecimento da luta popular entre as classes trabalhadoras, a qual tornou impossível ir mais além a afim de evitar chamar a crise social na China e a ameaça de que esta apenas seria aprofundada sem uma mudança radical nas actuais políticas. Isto reabre a possibilidade, ainda que possa parecer distante do ponto de vista actual, de uma renovação do socialismo revolucionário da era de Mao.Um exemplo gritante desta nova abertura à esquerda é uma carta a Hu Jintao de um grupo de "membros veteranos do PCC, quadros, pessoal militar e intelectuais", em Outubro de 2004, chamada "Nossas visões e opinião do actual panorama político". Embora em tom mais respeitoso do que o folheto dos 4 de Zhengzhou, e dando algum crédito positivo às "reformas" pelos seus ganhos económicos, a carta faz um paralelo muito próximo dos mesmos temas daquela declaração e, com os seus apelos à acção correctiva e por um retorno ao caminho socialista e afastamento da "estrada capitalista", é igualmente militante na sua crítica à situação presente. Não está claro que houve qualquer relação directa entre estes dois documentos. Mas gente de esquerda na China continuava a reunir assinaturas em apoio dos 4 de Zhengzhou, e o ímpeto com que partes da "nova" esquerda abraçaram a sua causa e a defesa de tais activistas "maoistas" está a abrir mais espaço para os "velhos" da esquerda reafirmarem também as suas críticas tradicionais — tal como a carta a Hu. Esta disposição de veteranos das antigas lutas revolucionárias de se manifestarem assim abertamente contra as actuais políticas do partido e do estado dá a medida do novo clima que está a emergir. Ainda em 1999, nossas discussões com gente da esquerda mais velha deixavam claro quão restringidos eles ainda sentiam que tinham de estar face à atmosfera prevalecente da reforma. Agora, isto é claro, muitos destes antigos líderes e aqueles em posições semelhantes sentem-se "libertos" para exprimir suas opiniões mais abertamente. Não é apenas em teoria, portanto, que o passado continua e informar o presente, e que as acções de uma parte da esquerda têm um impacto sobre outras, mas também na prática.Nuns poucos casos, pequeno em número mas por vezes bastante grande na sua influência, as formas socialistas de organização da era Mao continuam a ser implementadas hoje, embora necessariamente de forma modificada para atender as novas condições da economia de mercado. Assim, mesmo agora cerca de 1 por cento das aldeias rurais, representando vários milhares no total — os números variam conforme quem está a fazer a medição e conforme o que consideram como critério — nunca abandonaram plenamente a colectivização da era da comuna. Mesmo umas poucas que implementaram as reformas Deng recuaram outra vez para a produção colectivizada, tornando-se um modelo para outros explorarem alternativas para a economia rural. O mais proeminente exemplo de manutenção dos objectivos e métodos da era socialista, Nanjiecun (Aldeia da Rua do Sul), uma cidade "maoista" na Província de Henan a uma hora ou mais de Zhengzhou, a qual começou a recolectivizar 15 a 20 anos atrás, continua a funcionar como uma forma de comuna para todos os seus membros, com habitação, cuidados de saúde e educação essencialmente gratuitos — pagando mesmo a despesas de ensino superior para os seus jovens. Ela também apoia as práticas igualitárias da era socialista, tais como pagar aos seus administradores não mais do que os salários de um trabalhador qualificado. Também permanece dedicada aos objectivos políticos de Mao, cujas fotos e dizeres, juntamente com imagens de outros líderes revolucionários — incluindo Marx, Engels, Lenine e Staline — são ostensivamente mostradas por toda a aldeia. Aqui, complexos habitacionais de vários pisos, com luz e apartamentos arejados que são proporcionados a cada família membro, são cercados por imaculadas avenidas limpas, passeios e jardins. A aldeia tem uma escola atraente e um centro de cuidados infantis. Tal ambiente é virtualmente único na China — fora dos novos complexos habitacionais dos urbanos ricos — e choca-se agudamente com o ambiente rural mais típico encontrado para além dos seus muros e portões.Mas mesmo com tais êxitos, há muitas contradições nas práticas de Nanjiecun, pois retira do investimento estrangeiro muito do seu financiamento, e utiliza camponeses das áreas circunvizinhas — alojados em dormitórios decentes, mas decididamente menos confortáveis — como a força de trabalho principal nas suas "empresas da cidade", as quais estão plenamente integradas na nova economia capitalista. Recentemente, segundo activistas em Zhengzhou, incluindo dois que nos acompanharam numa visita à aldeia, Nanjiecun enfrentou sérias dificuldades financeiras, devido em grande parte à super-expansão para áreas de expansão novas e não familiares. Mas apesar de tais limitações — inevitáveis numa situação em que está cercada por um mar de capitalismo e deve competir na economia de mercado a fim de sobreviver — Nanjiecun serve como um ponto focal para aqueles que ainda acreditam que outro rumo é possível para a China rural. Chegam delegações diariamente — por vezes autocarros cheios de camponeses ou operários — de toda a parte do país para estudar como eles continuaram a praticar tanto a produção como a distribuição colectivizada. Também receberam a benção, e portanto a protecção, das autoridades provinciais de Henan. A carta aberta de 2004 dos veteranos de esquerda do partido a Hu Jintao apontava para Nanjiecun como um modelo do que ainda é necessário hoje nas áreas rurais. Mas mesmo onde a herança da era Mao não é tão proeminente, suas experiências e conceitos permanecem como o pano de fundo contra o qual as condições do presente estão constantemente a ser comparadas e analisadas.Um grande desenvolvimento aparente no verão de 2004 foi um novo movimento rumo à formação de cooperativas agrícolas, num esforço para melhorar o isolamento e insegurança das unidades agrícolas de responsabilidade familiar em face do mercado global. Estas cooperativas são destinadas primariamente a alcançar algumas economias de escala no mercado — através da compra colectiva de fertilizantes, por exemplo, e maior alavancagem na negociação de preços para suas produções — bem como a oferta de apoio financeiro e segurança aos seus membros. Tais esforços são um movimento significativo de afastamento das políticas individualistas do "nade ou afogue-se" do período da reforma, mesmo que não possam resolver todos os horrendos aspectos da situação enfrentada pelo campesinato como um todo. Embora não seja um retorno às comunas, e represente no máximo uma espécie de semi-recolectivização, elas continuam a inspirar-se não só nas experiências de movimentos cooperativos primitivos anteriores à revolução como também em conceitos da era Mao, nos quais os membros costumam estar bem versados. Não é inabitual, portanto, encontrá-los como responsáveis de uma cooperativa, como aquela que visitámos próximo de Siping, a noroeste da província Jilin, que apresentou uma análise muito pormenorizada das classes rurais e urbanas e sua situação hoje, ou o membro jovem da mesma que apresentou uma longa e profunda discussão do país de um ponto de vista socialista, não só internamente como na sua relação com o resto do mundo. As classes trabalhadoras chinesas não só têm coisas a ensinar aos intelectuais urbanos acerca do mundo real do trabalho e da exploração, pois também têm mais experiência na implementação do socialismo na prática. E em muitos exemplos elas estão mais plenamente desenvolvidas no seu entendimento e aplicação das bases do marxismo-leninismo-pensamento de Mao Zedong do que alguns dos jovens mais instruídos de esquerda.Ao mesmo tempo, a rápida polarização da sociedade está a mover muitos para dentro da nova classe média, pouco importando a sua ocupação ou posição específica, em condições parecem mais próximas daquelas enfrentadas pelos operários e camponeses, o que leva a um crescimento da base para a unidade entre eles, e ajuda a criar uma base de massa para o renascimento da esquerda. O sistema capitalista está a devorar-se a si próprio e a gerar rapidamente grupos cada vez mais vastos de alienados. Hoje, até muitos dos quadros do Partido Comunista nas antigas empresas estatais acabaram por ser chutados depois de as terem ajudado a vendê-las a investidores privados. Eles não são mantidos pelos novos proprietários capitalistas, uma condição que um trabalhador descreveu como "queimar a ponte que você acabou de cruzar". Em consequência, muitos deles agora também estão desempregados e entendem melhor o que é realmente a "marquetização" — "isso elevou os seus níveis de consciência".Tais entendimentos novos resultantes das mudanças de condição nas suas próprias vidas são comuns. Ouvimos mais de uma estória daqueles que inicialmente haviam abraçado as reformas dengistas — tais como uma académica progressista com quem conversámos em Beijing — que agora estão a mover-se outra vez em direcção a Mao e mesmo a reexaminar a própria Revolução Cultural. Em alguns exemplos, isto é um resultado directo do seu "aprendizado a partir das massas". Tal é o caso de um proeminente mas anteriormente bastante conservador estudioso das áreas rurais, cuja "conversão" aconteceu porque, quando visitava os camponeses, nunca ouvia uma palavra de críticas ao Mao, mas muitas a Deng, forçando-o a reexaminar suas próprias atitudes em relação ao passado. Mas tais reavaliações têm raízes muito mais profundas do que apenas experiências pessoais. Para muitos, incluindo a elite intelectual, as várias tendências ideológicas que floresceram desde o princípio da era da reforma — desde as lógicas da marquetização e privatização com características especiais chinesas propostas pelos propagandistas do estado e do partido até conceitos liberais ocidentais encontrados principalmente em círculos académicos e ONGs — estão a demonstrar-se inadequadas para explicar o que está a acontecer na China de hoje.Como colocaram em conversas separadas tanto um antigo Guarda Vermelho como um jovem activista intelectual, tendo "tentado tudo", aqueles que inicialmente haviam favorecido as reformas políticas, mas que estão agora às apalpadelas para entender o que está a acontecer, "têm de retornar à luta das duas linhas e à Revolução Cultural para tratar do presente", porque eles tentaram outras abordagens e estas não proporcionam uma explicação.Enquanto há apenas uns poucos anos os problemas enfrentados pela sociedade chinesa pareciam ser específicos e, portanto, ainda passíveis de serem facilmente "reparados" — através, por exemplo, de uma campanha "anti-corrupção" — hoje há um sentimento crescente de que eles são sistémicos e intratáveis, exigindo uma transformação muito mais fundamental que o capitalismo e o mercado global não tem capacidade de executar, e que o estado e o partido, tal como actualmente constituídos, não serão capazes de resolver. Em resultado, a crítica do caminho capitalista que Mao propôs durante a Revolução Cultural parece outra vez cada vez mais relevante nos dias de hoje, pois estas ideias, avançadas nos últimos anos da sua vida, continuam a proporcionar a espécie de análise profunda do actual sistema que conduz às raízes das suas contradições crescentes, e apontam para soluções mais profundas do que simples tentativas de melhoria. Muitos tabús anteriores entre os intelectuais começam portanto a cair.Mesmo a Revolução Cultural, ainda um anátema para a maior dos académicos e outros da elite — dizem-nos que qualquer sugestão de uma atitude positiva para com ela poderia conduzir ao isolamento dos seus pares e à ruína de uma carreira — está outra vez a tornar-se um tópico de discussão e reexame. Isto é especialmente verdadeiro entre jovens de esquerda que estão a fazer a sua própria investigação histórica, a escavar materiais há muito esquecidos, a efectuar entrevistas com os que estiveram activos durante aquele período, apresentando suas descobertas na web, e a desafiar de outras formas a linha oficial do partido acerca dos acontecimentos daquela era.Há outros sinais altamente significativos desta crescente revivificação da esquerda e dos seus laços em expansão com a luta da classe trabalhadora. Em 1999 visitámos, com estudantes da Universidade Qinghua em Beijing — muitas mencionada como o MIT da China — que faziam parte de um pequeno grupo de estudos marxistas, uns poucos que haviam brotado recentemente, especialmente nas universidades mais de elite. Observei naquele tempo que para serem eficazes eles deveriam descobrir um caminho para saírem dos seus campos e ligaram-se às classes trabalhadoras, algo que movimento de 1989 dos estudantes de Tiananmen deixou de fazer. Naquela luta, apesar de muitos trabalhadores em Beijing, pelo menos, terem aderido posteriormente — e por sua vez sofrerem o impacto da violência assassina e da repressão que lhe pôs fim — o fosso entre estudantes e classes trabalhadoras não fora preenchido no fundamental.Em Changchun, no nordeste, por exemplo, onde uma versão mais pequena do mesmo movimento teve lugar, trabalhadores na grande fábrica First Auto recusaram-se a juntar-se aos estudantes que desfilavam fora das universidades — uma experiência amarga que deixou estes últimos expostos a repressão muito dura e levou-os a reavaliar o seu próprio isolamento das classes trabalhadoras. No fim, como tem acontecido frequentemente na história chinesa, foi em grande parte o exército camponês das províncias remotas que foi trazido para esmagar o movimento em Tiananmen — depois de os regimentos estacionados próximos de Beijing terem resistido a fazê-lo. As lições daquele tempo não foram perdidas pela actual geração de jovens estudantes de esquerda, e mudança no verão de 2004 não podia ter sido mais dramática. Hoje, activistas, estudantes activistas em números significativos estão a deixar os campus das universidades para contactarem as classes trabalhadores, estudarem suas condições, proporcionar-lhes apoio legal e material, e trazerem relatos do que está a acontecer nas fábricas e nas unidades agrícolas de volta às suas escolas.Um Guarda Vermelho veterano da Revolução Cultural que ainda é um organizador chave da esquerda em Zhengzhou explicou como houve ali uma grande mudança no relacionamento estudantes-trabalhadores. Já no princípio de 2000, estudantes do grupo de estudos marxistas da Univesidade Beijing, a principal instituição de ensino superior do país, vieram visitar fábricas naquela cidade. Desde 2001 até agora, grupos de estudantes da Universidade Qighua vieram todos os anos. Em 2004, até 80 estudantes vieram ainda de outros grandes campus de Beijing a Zhengzhou. As autoridades nacional estão receosas destes contactos em crescimento e tentam desencorajá-los. Em contraste com as viagens gratuitas em comboio e outros estímulos oferecidos a estudantes que queriam viajar pelo país durante a Revolução Cultural, o governo de hoje tenta travar este fluxo, recusando mesmo vender bilhete a delegações de estudantes, ou negando-lhe o direito de sair de Zhengzhou — mas eles ainda vêm. Eles vão às fábricas, e alguns viveram mesmo nelas durante as primeiras etapas da luta naquela cidade, para tentar ajudar a travar o encerramento das mesmas. Depois de este movimento ter começado em Zhengzhou, ele espalhou-se para o nordeste, bem como para outras partes do país. Também se estendeu a áreas rurais, onde estudantes vão às aldeias para efectuarem actividades semelhantes, trazendo materiais, estabelecendo contactos, proporcionando apoio legal, e geralmente rompendo o isolamento que sentem muitos activistas camponeses. Hoje, na Universidade Beijing e em muitas outras instituições de ensino superior, uma organização chamada os Filhos dos Camponeses — a qual, apesar do seu nome, inclui também muitas "filhas" — foi formada especificamente para esta finalidade. Um activista de esquerda com quem nos encontrámos em 1999, que naquele tempo parecia virtualmente solitário a investigar directamente as condições da classe trabalhadora e a encorajar outros a fazerem o mesmo, explicou em 2004 os estudantes já pareciam altamente motivados, não precisando mais da liderança daqueles como ele. Agora, são eles que estão a tomar a iniciativa.Este movimento é conduzido e facilitado pelas mudanças na composição e condições do próprio corpo de estudantes universitários. Com a triplicação das matrículas em faculdades desde 1999, números maiores de estudantes são retirados das famílias da classe trabalhadora e muitos deles enfrentam crescentes dificuldades para financiar sua educação e encontrar trabalho após a graduação. O resultado é uma base social em expansão para empatia e unidade entre muitos estudantes universitários e os trabalhadores e camponeses. As universidades chinesas hoje são menos território reservado dos privilegiados e têm um carácter mais de massa do que nos primeiros anos da reforma, quando, em reacção à Revolução Cultural, Deng Xiaoping enfatizou o "perito" ao invés do "vermelho" e forçou ao retorno de exigências de entrada mais exclusivas. Em consequência, estudantes de esquerda estão agora a preencher o fosso entre as elites intelectuais e aqueles que estão a lutar nas fábricas e nos campos — que hoje mais habitualmente seus próprios parentes, ou pelo menos membros das mesmas classes das quais eles provieram. Em alguns aspectos, portanto, a cena actual na China lembra nada menos que os dias primitivos da Revolução Russa, quando Lenin aconselhava estudantes marxistas a irem às fábricas dos distritos para ligá-los aos trabalhadores. A diferença crítica agora, naturalmente, é não só que mkuitos dos estudantes vêm de famílias operárias e camponesas mas que jovens chineses de esquerda, mesmo quando tacteiam o modo de estabelecer um novo relacionamento com as classes trabalhadoras, têm por trás cinquenta anos de experiência revolucionária socialista sob a liderança de Mao sobre a qual construir. Os conceitos, políticas e relações daquela era não podem — ou não deveriam — ser aplicados sem alterações à situação muito diferente de hoje. Mas eles permanecem um vasto reservatório de ideias e práticas revolucionárias que a esquerda pode aproveitar no confronto das condições das classes trabalhadoras em face das reformas capitalistas no actual cenário de maquetização global. Longe de serem novas, as ideias de esquerda já estão profundamente embebidas entre os operários e os camponeses.No entanto, seria um sério erro exagerar estas tendências. A esquerda chinesa como força reconhecível é ainda pequena, marginalizada e dividida — como as próprias classes trabalhadoras — em muitos agrupamentos e facções. Tal como os de esquerda em todo o mundo, eles têm de enfrentar a desintegração do mundo que conheceram e estão a tentar descobrir novos caminhos para avançar sem qualquer conjunto único unificador de conceitos para se organizarem em torno. Em grande medida, são os próprios operários e camponeses que estão em destaque na China de hoje, efectuando por vezes enormes lutas. Embora estas muitas vezes sejam conduzidas por gente de esquerda, até agora há pouco, se algum, movimento organizado da esquerda como um todo. Novas ideologias competidoras — incluindo a liberal reformista e conceitos sociais democratas — também representam um desafio para os de esquerda. Num desenvolvimento que reflecte a situação nos Estados Unidos, mesmo o próprio termo "classe" é menos usado hoje, e ao invés há agora conversas de "grupos sociais fracos" no mercado, enquanto o próprio conceito de exploração é feito menos explícito. Estas tendências são reforçadas pelo estilo de vida de muitos profissionais urbanos, quaisquer que sejam suas políticas. Alguns intelectuais, incluindo aqueles que se consideram de esquerda, estão agora a ganhar bom dinheiro nas cidades e estão em grande parte isolados de quaisquer ligações práticas com as classes trabalhadoras, cujas condições podem parecer cada vez mais remotas comparadas com a sua própria experiência.Para aqueles que tentam tomar posições públicas ou traduzir suas ideias em acções, a supressão é frequente, embora não seja necessariamente focada sobre a direita ou a esquerda. Ao invés, se o governo toma alguma medida é mais uma questão de quão distante está do quadro estrutural aceite. Mesmo um organizador migrante que é favorável às reformas e advoga a privatização da terra a fim de tornar os camponeses "cidadãos independentes" foi detido por tentar efectuar uma reunião em Beijing para promover "direitos humanos". Uma linha que não pode ser cruzada são tentativas abertamente organizadas de por fim à regra de um só partido, e qualquer coisa que parece minar o domínio do estado sobre todas as áreas de actividade pública pode rapidamente levar a perturbações, sem importar o seu conteúdo político específico.A esquerda, entretanto, é vista como uma ameaça especial pelas autoridades, uma vez que tem o potencial para dar forma mais organizada à luta em rápida expansão da classe trabalhadora. Típico a este respeito é o encerramento do sítio web China Workers e de listas de discussão. Ao contrário de muitos outros fóruns, este foi "o primeiro sítio web na China que permitia a trabalhadores e agricultores conversarem acerca das suas lutas para defender o socialismo na China de hoje". Ali, intelectuais, incluindo aqueles dentro das próprias classes trabalhadoras, podiam "participar em discussões com trabalhadores acerca de questões de trabalhadores" (Stephen Philion, “An Interview with Yan Yuanzhang,” MRZine, http://mrzine.monthlyreview.org/philion130306.html). Esta ligação representa uma ameaça particular para os líderes do partido e do estado porque, como explicou um dos membros do colectivo editorial do sítio web em Beijing, "o governo não está a fazer socialismo". É sobre esta base que "os trabalhadores distinguem o Partido Comunista do período maoista e o partido de hoje". Do ponto de vista das classes trabalhadoras, é crítico terem as suas vozes ouvidas publicamente. "Isto é a espécie de coisa que uma democracia socialista desejaria, mas os trabalhadores têm a espécie de democracia que o capitalismo pode proporcionar". Mas o sítio web foi encerrado, através da imposição de uma exorbitante taxa de registo que membros das classes trabalhadoras não podiam permitir-se.Entre os operários e camponeses, as fileiras mais vastas de intelectuais, e dentro da nova classe média também, há uma ampla exigência de maior transparência tanto no sistema económico como político e pelo direito a ter uma acção mais participatória nas decisões que os afectam. Apesar de o estilo eleitoral americano de "democracia" não ter apelo generalizado, muitas pessoas estão a falar acerca de direitos democráticos bastante abertamente. Para algumas delas a liberdade de discurso é o objectivo principal, para outros são partidos. Muitos trabalhadores agora falam de como o "sistema de um partido não funciona". Fóruns estão a ter lugar, mesmo dentro do partido, à procura de caminhos para ter mais espaço para debate aberto, e as ONGs que brotam da "sociedade civil" cobrem um vasto conjunto de questões, como os direitos das mulheres e o ambiente.Os sentimentos pró-democracia estão generalizados, portanto, e o governo sabe que não pode apenas reprimi-los. Ele está a tentar, ao invés, atender este desafio pela introdução gradual de mudanças. Mas as políticas oficiais da reforma nesta área — tais como eleições de governos de aldeia — apesar de uma democratização superficial, são muitas vezes encaradas com cinismo pelas classes trabalhadoras, uma vez que elas são amplamente utilizadas para ratificar nomeações do partido de cima para baixo. Aqui, como em muitas áreas, as memórias da era socialista, e especialmente a participação de trabalhadores e camponeses na direcção das suas fábricas e unidades agrícolas, e mesmo universidades e governos locais, durante a Revolução Cultural, ainda continua a servir como uma referência e ergue-se em agudo contraste com o despojamento hoje de tais direitos políticos. "Reformas democráticas são implementadas até agora pelo governo invertendo a revolução de Mao com a cabeça para baixo, e invertendo as vidas dos trabalhadores de pernas para o ar — elas são uma forma de retaliação e represália sobre a classe trabalhadora".A chave para uma abordagem aceitável para a reforma política será, portanto, descobrir um meio por juntos outras vez os conceitos de esquerda de controle operário e camponês com a democracia participatória que agora é parte da agenda global progressista. Esta investigação já começou. Na carta de 2004 a Hu Jintao, da esquerda dos veteranos da revolução, uma das exigências de princípio era revigorar as lutas de massas a partir de baixo como meio de controlar o abuso de poder e dar às próprias classes trabalhadoras um papel directo nas funções do partido e do estado, como parte de um sistema democrático. As barreiras para construir um movimento unido e executar tais mudanças revolucionárias são, entretanto, tão assombrosos na China como em qualquer outra parte nos dias de hoje. Apesar da sua herança do passado, trabalhadores e camponeses estão receosos de que se um novo nível de luta pelo socialismo não for alcançado em breve, a memória da era da revolução morrerá, e aqueles na geração mais jovem não conhecerão e buscarão nada senão o desejo de ficar rico e juntar-se à cultura do consumidor. Neste caso, eles terão de começar tudo outra vez, como se fosse do zero, se e quando eles finalmente enfrentarem a necessidade por mudanças fundamentais.Mas os chineses têm a vantagem de terem estado ali, de terem feito isso antes. Tão distante como a perspectiva possa por vezes parecer, a China ainda tem a possibilidade de um caminho rápido para a revolução socialista renovada, um desenvolvimento que mais uma vez sacudiria o mundo. Isto é, naturalmente, apenas um entre os muitos cenários possíveis para o que acontecerá na China no futuro próximo. A complexidade e polarização da sua estrutura de classe estão a empurrar a sociedade chinesa em direcções contraditórias, com potencial de uma vasto leque de desenlaces.Isto é evidente em desenvolvimentos recentes, tanto nas condições das próprias classes trabalhadoras e na resposta do partido e do estado aos novos desafios. Numa tentativa de deter novas perturbações nas regiões rurais, os dois principais líderes, Hu Jintao e Wen Jiabao, introduziram uma série de mudanças na política rural que tiveram efeitos bastante dramáticos. Isto incluiu a eliminação do imposto agrícola sobre os camponeses, bem como a maior parte das taxas locais — muitas delas ilegais — que eram uma importante fonte de protestos. Também há planos para investimento acrescido nas áreas rurais, incluindo em fábricas nas cidades mais pequenas e nas aldeias, e especialmente na educação e em cuidados de saúde, e na restauração ambiental. Juntamente com preços mais favoráveis para bens agrícolas, estes ajustamentos aliviaram significativamente a pressão económica sobre muitas famílias camponesas. Há mesmo uma conversa oficial de Novas Aldeias Socialistas, embora o significado dessa expressão até agora não esteja claro, e pode simplesmente ser uma tentativa de dar uma etiqueta com tonalidade de esquerda às políticas rurais já introduzidas. Mesmo a profundidade das reformas dentro das reformas que foram anunciadas está para ser vista, especialmente considerando o registo da não implementação ao nível local — o que um factor endémico na governação chinesa — e a implacável liquidação de terras de aldeia para urbanizações por responsáveis frequentemente corruptos, as quais continuam sem pausa em muitas áreas. Um impacto já é muito claro, contudo. Numa gritante inversão da situação de apenas três anos atrás, as zonas de exportação das regiões costeiras estão a experimentar uma crescente escassez de trabalhadores, pois os migrantes estão a retornar em grande número às suas aldeias, ou pelo menos a cidades do interior mais próximas dos seus lares, em parte para aproveitarem da melhoria de condições ali, assim como por uma crescente rejeição da dura exploração das fábricas costeiras. Esta migração inversa é um reflexo da consciência elevada, da resistência e da auto-organização dos migrantes, muitos dos quais são agora veteranos temperados, e que não mais aceitarão as condições que os atrairam nos seus anos de juventude. Mesmo o fluxo de jovens trabalhadores migrantes, e especialmente mulheres camponesas pobres, que eram preferidas pela fábricas e enfrentavam as mais extremas condições de exploração, está principiando a secar.Enquanto isto tem tido o efeito positivo de forçar as indústrias exportadoras a começar a elevar salários e benefícios num esforço para continuar a atrair uma força de trabalho suficientemente grande, também já há sinais de que os empregadores estão a correr para a base, deslocando suas fábricas para países de custo ainda mais baixo como o Vietnam, a Índia e Bangladesh. Não há solução simples para o modo de alterar o actual sistema, portanto, toda acção desencadeia novas contradições, dada a natureza do mercado capitalista global ao qual a China está cada vez mais ligada. Embora o mercado interno esteja a crescer, qualquer queda séria na competitividade global e a resultante redução do crescimento económico — o grande medo que assombra a liderança chinesa — não só minaria rapidamente a capacidade de executar as revisões políticas que Hu e Wen estão a tentar, incluindo a nova ênfase na "equidade social", como também ameaçaria provocar a desordem numa escala maciça.A incapacidade da marquetização capitalista para resolver tais contradições continua a dar força à nova esquerda. Um exemplo gritante desta influência crescente foi evidente em Março de 2006,
Pela primeira vez em talvez uma década, o Congresso Nacional do Povo, dirigido pelo Partido Comunista, a legislatura foi consumida com um debate ideológico sobre socialismo e capitalismo que muitos assumiram ter sido enterrado há muito pelo longo período de crescimento económico rápido da China. A controvérsia forçou o governo a por de lado um projecto de lei para proteger os direitos de propriedade que fora esperado ser aprovado numa passagem pro forma e destacou a influência renascida de um pequeno mas sonoro grupo de académicos e conselheiros políticos de tendência socialista. Estes pensadores de esquerda do velho estilo utilizaram o crescente fosso de rendimentos na China e a inquietação social acrescida para levantar dúvidas acerca do que vêm como a busca precipitada da riqueza privada e do crescimento económico orientado pelo mercado... Aqueles que afastaram este ataque como uma reminiscência de uma era anterior subestimaram o apelo contínuo das ideias socialistas num país onde gritantes disparidades entre ricos e pobres, corrupção exuberante, abusos trabalhistas e arrebatamento de terra proporcionam recordações diárias de quão longe a China desviou-se da sua ideologia oficial. (New York Times, March 12, 2006)
Embora a lei da propriedade provavelmente venha a passar de alguma forma no longo prazo, proposta para "permitir um papel expandido para o mercado na educação e nos cuidados de saúde", e mesmo apelos mais radicais para a privatização da terra, foram postos de lado, pelo menos por enquanto.Mesmo a liderança de topo sentiu-se obrigada a voltar-se, pelo menos superficialmente, mais uma vez na direcção do socialismo — o qual permanece a base teórica do governo e do Partido Comunista, apesar das suas práticas capitalistas.
Desde a sua chegada ao poder em 2002, o sr. Hu também tentou estabelecer suas credenciais de esquerda, enaltecendo o marxismo, louvando Mao e financiando investigação para tomar frequentemente ignorada ideologia socialista oficial do país mais relevante para a era actual. (New York Times, March 12, 2006)
Os métodos da era Mao foram mesmo ressuscitados num esforço para restaurar a evanescente legitimidade do partido, o qual é agora amplamente encarado como profundamente corrupto.
Tal como uma companhia gigante preocupada com a confusão organizacional e uma imagem pública a afundar-se, o Partido Comunista Chinês está a tentar refazer-se a si próprio como uma máquina eficiente e moderna. Mas para fazer isso, ele escolheu uma das suas mais antigas ferramentas políticas — uma campanha ideológica estilo maoista, completada com os necessários grupos de estudo.Durante 14 meses, aos 70 milhões de membros da base foi ordenado que lessem discursos de Mao e Deng Xiaoping, bem como enfastiante tratado da 17 mil palavras que é a constituição do partido. Reuniões obrigatórias incluem sessões onde os quadros devem apresentar auto-críticas e também criticar toda a gente. (New York Times, March 9, 2006).
Encarada seriamente por alguns como um esforço para a reforma, e recebida com considerável cinismo por outros, a campanha pode ser menos importante pelo seu impacto directo do que pela sua admissão de que o partido extraviou-se demasiado longe do seu papel de "servir o povo", como Mao apelava, e ainda mais dos seus objectivos revolucionários originais. Poucos, se é que alguém, esperam que Hu e Wen conduzam a um renascimento da revolução socialista, ou mesmo que façam desvios radicais do caminho capitalista em que o partido e o estado tem estado comprometidos durante trinta anos, e com as forças económicas com as quais estão tão firmemente atados. Mas a promoção oficial dos conceitos socialista e o estudo de Mao podem apenas abrir mais espaço para um renascimento da esquerda para cuidar do abcesso da crise. Revertendo uma certa tendência para a insularidade e o isolamento dos fóruns globais recentes, há também conhecimento crescente dos mesmos e laços mais estreitos com as lutas das forças de esquerda por todo mundo — apesar das tentativas do governo para limitar tais ligações — através das novas redes de comunicação global e de organização.A pioria das condições das classes trabalhadoras estão a empurrá-las rapidamente numa direcção mais radical e militante. Dentro das fileiras não só dos trabalhadores e camponeses, mas entre muitos intelectuais e pelo menos uma parte da nova classe média, há um profundo e crescente entendimento de que o capitalismo global não tem resposta para as suas situações, e que o socialismo revolucionário que eles construíram sob Mao proporciona pelo menos o esboço de um outro caminho de avanço hoje em dia. Nas fábricas e nos campos, operários e camponeses na China não só resistem às novas formas de exploração capitalista como têm memórias de um outro mundo que eles já sabem ser possível. A partir das suas vidas durante a era socialista antes das reformas, eles estão conscientes de que alternativas viáveis existem para o enlouquecimento descontrolado do capitalismo global.Apesar desta herança, qualquer terno simplista ao passado não é nem possível nem desejável. Demasiado mudou, e demasiados génios foram deixados escapar da garrafa para simplesmente colocá-los de volta outra vez. Os fracassos e erros do passado, bem como os êxitos e vitórias, terão de ser reexaminados, e novos caminhos terão de ser descobertos para ultrapassar as limitações da primeira era do socialismo, na China como alhures. Nenhuma previsão fácil é possível quanto à direcção que tomará a luta no período que se avizinha. Mas quando se movem para a frente, as classes trabalhadoras chinesas podem também olhar para trás para descobrir o seu próprio caminho para uma nova sociedade socialista, um caminho que combine as suas lutas históricas e de actuais como os movimentos globais de hoje, e que produza uma transformação revolucionária mais uma vez.

Robert Weil
http://resistir.info/

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