Relembrar…
Os soldados da antiglobalização já estão a postos para mais um combate: a cidade italiana de Génova, onde, dentro de uma semana, se realiza mais uma cimeira do G-8. A nebulosa de grupos que compõem o movimento antiglobalização (chamam-lhe a «Quinta Internacional») são chamados às armas, fazendo temer uma explosão de violência que faz empalidecer um movimento que luta, afinal, também por uma globalização mais justa e solidária
ANA CRUZ e Hugo Albuquerque são dois dos rostos do movimento antiglobalização em Portugal. Militantes do Partido Socialista Revolucionário e do Bloco de Esquerda (BE), estão de mochila feita para irem até Génova, para uma jornada antiglobalização, que decorrerá às portas de mais uma reunião do Grupo dos sete países mais industrializados e a Rússia (G-8), no dia 21. Apesar de ser a primeira vez que vão a uma «manif» antiglobalização no estrangeiro, não revelam uma excitação adicional.
Em entrevista ao EXPRESSO, preferem, aliás, falar de «motivações»: «Não contestamos a globalização por contestar, a globalização pode ser um bom conceito, agora não é a globalização capitalista com certeza», refere Hugo, um estudante de Engenharia do Ambiente de 24 anos que, nas próximas autárquicas, encabeçará a lista do BE à Câmara Municipal de Odivelas.
Ana, de 22 anos, está de acordo com ele: «Não consigo estar parada, a assistir, vou para a rua porque não é este tipo de globalização que quero - isto é uma globalização feita de princípios económicos, que põe em causa princípios humanitários e de igualdade que defendo».
Não às fronteiras!
Paralelamente ao curso de Sociologia, Ana trabalha na associação SOS Racismo. O problema da imigração ilegal é uma das suas principais bandeiras. «Não concordo com o encerramento das fronteiras», diz. «Como é que as pessoas podem ser ilegais? Não gosto da palavra, é um contra-senso da dignidade humana. As fronteiras não impedem ninguém de entrar, se as pessoas querem entrar num país elas entram, podem sofrer, muitos até morrem... As fronteiras só tornam miserável a vida das pessoas», afirma.
Hugo concorda: «Uma perspectiva interessante seria que as pessoas também pudessem circular como os capitais - e não podem».
As críticas à globalização fluem a compasso, tal como os argumentos em defesa da militância antiglobalização. Hugo diz que há um slogan da Juventude Comunista Revolucionária Francesa de que gosta particularmente: «As companhias mundiais globalizam a miséria, globalizemos nós a resistência». Segundo Hugo, esta máxima exprime, de alguma forma, aquilo que preside ao movimento.
Ambos aceitam que o movimento encerra várias contradições, mas não deixam de reconhecer que o Fórum Social de Porto Alegre (que decorreu em Janeiro, paralelamente à cimeira de Davos, que reuniu os «poderosos» do planeta) constitui um marco no processo de afirmação do movimento. «Deixa de ser uma manifestação pela manifestação, é um fórum pela positiva», diz Hugo.
Quando confrontados com a necessidade de, eles próprios, apontarem soluções para os problemas que reivindicam, as respostas passam, invariavelmente, pela chamada «Taxa Tobin». «É uma coisa irrisória», refere Hugo. «É uma proposta simples, mas nem isso o sistema quer assimilar. Não controlaria a especulação, porque é um valor muito pequeno para controlar a 'economia de casino', mas permitiria redireccionar esse lucro para coisas importantes», sustenta. Ana salienta também «o fim da dívida dos países do Terceiro Mundo, um dos grandes consensos do movimento antiglobalização».
A multiplicidade de causas que integram o movimento antiglobalização não constitui um factor desmobilizador. «Apesar das pessoas participarem com objectivos muito diferentes, há um princípio global, que é a revisão da forma como o mundo está constituído», defende Ana.
Para Hugo, «a diversidade de posições é, neste caso, parte da solução. A alternativa a uma globalização capitalista não pode ser um modelo monocolor. Aquilo que une a globalização capitalista é o mercado, aquilo que une a globalização da resistência é não aceitar aquilo que nos querem impor».
Sem violência, mas...
Pelo facto de ter ganho visibilidade mediática na sequência dos distúrbios paralelos à cimeira de Seattle, em Novembro de 1999, o movimento antiglobalização é conotado com um certo tipo de violência.
Hugo reconhece-a, mas rejeita qualquer semelhança com o fenómeno «hooligan», no futebol. Não lhe parece que fazer distinções entre «boas e más companhias» seja politicamente consequente. «Distanciamo-nos dessa violência, mas não deixamos de aceitar essas pessoas. Seria extremamente complicado fazê-lo num movimento deste tipo e as pessoas têm o direito de se manifestar». Para ele, «a carga policial é, até, o principal estímulo».
Em Génova, a violência está na primeira fila das preocupações. O Fórum Social (entre 16 e 22) vai juntar cerca de 150 associações estrangeiras e mil italianas: católicas, ecologistas, sindicalistas e também as «Tute Bianche» («fatos-de-macaco» brancos), os anarquistas-guerreiros que assinaram um pacto de não violência e respeito pela cidade e pelas pessoas.
No dia 20, as «Tute Bianche» tentarão furar a «zona vermelha» (área interdita), para o que efectuaram simulações de confrontos com a polícia, em Milão, no passado dia 30.
Um dos chefes do movimento, Vittorio Agnoletto, pede que se corrija a imagem dada pela comunicação social. «Não nos chamem povo de Seattle, mas de Porto Alegre, porque foi aí que começou o trabalho para transformar o movimento, da contestação para a proposta», disse ele ao EXPRESSO. «De Génova, lançaremos novo slogan: um outro mundo está em construção», adianta.
Tensão latente
Existe um clima de tensão sobre o que poderá acontecer quando da cimeira do G-8, sobretudo devido aos «sinais» dados pelo Governo, Polícia e instituições em geral. «A impressão é de que há aparelhos internos da polícia que não partilham as posições tomadas pelo seu chefe de Génova, De Gennaro, e que tentarão provocar para instigar um choque», disse ao EXPRESSO Stefano Lenzi, do Fórum Social de Génova.
Aparentemente, a estratégia das «Tute Bianche» mantém-se: «Para Génova, apurámos uma mensagem forte, baseada na metáfora de 'Braveheart' - queremos dizer que chegamos de uma nova Idade Média, onde existe, simultaneamente, a máxima potência tecnológica e crianças de seis anos que costuram sapatilhas para a Nike. O paradoxo é que, quanto mais falarmos do 'bastião cercado', mais os nossos adversários disfarçam os polícias de Robocop», diz Luca Casarini, porta-voz das «Tute Bianche».
Génova representa também uma chamada às armas da ala violenta do movimento antiglobalização. Situacionistas, insurrecionalistas, eco-sabotadores, ou «Black Bloc» (anarquistas) dizem que, após Gotemburgo (Conselho Europeu, da UE, em Junho, onde ocorreram violentos incidentes), não há espaço para mediação.
Os soldados da antiglobalização já estão a postos para mais um combate: a cidade italiana de Génova, onde, dentro de uma semana, se realiza mais uma cimeira do G-8. A nebulosa de grupos que compõem o movimento antiglobalização (chamam-lhe a «Quinta Internacional») são chamados às armas, fazendo temer uma explosão de violência que faz empalidecer um movimento que luta, afinal, também por uma globalização mais justa e solidária
ANA CRUZ e Hugo Albuquerque são dois dos rostos do movimento antiglobalização em Portugal. Militantes do Partido Socialista Revolucionário e do Bloco de Esquerda (BE), estão de mochila feita para irem até Génova, para uma jornada antiglobalização, que decorrerá às portas de mais uma reunião do Grupo dos sete países mais industrializados e a Rússia (G-8), no dia 21. Apesar de ser a primeira vez que vão a uma «manif» antiglobalização no estrangeiro, não revelam uma excitação adicional.
Em entrevista ao EXPRESSO, preferem, aliás, falar de «motivações»: «Não contestamos a globalização por contestar, a globalização pode ser um bom conceito, agora não é a globalização capitalista com certeza», refere Hugo, um estudante de Engenharia do Ambiente de 24 anos que, nas próximas autárquicas, encabeçará a lista do BE à Câmara Municipal de Odivelas.
Ana, de 22 anos, está de acordo com ele: «Não consigo estar parada, a assistir, vou para a rua porque não é este tipo de globalização que quero - isto é uma globalização feita de princípios económicos, que põe em causa princípios humanitários e de igualdade que defendo».
Não às fronteiras!
Paralelamente ao curso de Sociologia, Ana trabalha na associação SOS Racismo. O problema da imigração ilegal é uma das suas principais bandeiras. «Não concordo com o encerramento das fronteiras», diz. «Como é que as pessoas podem ser ilegais? Não gosto da palavra, é um contra-senso da dignidade humana. As fronteiras não impedem ninguém de entrar, se as pessoas querem entrar num país elas entram, podem sofrer, muitos até morrem... As fronteiras só tornam miserável a vida das pessoas», afirma.
Hugo concorda: «Uma perspectiva interessante seria que as pessoas também pudessem circular como os capitais - e não podem».
As críticas à globalização fluem a compasso, tal como os argumentos em defesa da militância antiglobalização. Hugo diz que há um slogan da Juventude Comunista Revolucionária Francesa de que gosta particularmente: «As companhias mundiais globalizam a miséria, globalizemos nós a resistência». Segundo Hugo, esta máxima exprime, de alguma forma, aquilo que preside ao movimento.
Ambos aceitam que o movimento encerra várias contradições, mas não deixam de reconhecer que o Fórum Social de Porto Alegre (que decorreu em Janeiro, paralelamente à cimeira de Davos, que reuniu os «poderosos» do planeta) constitui um marco no processo de afirmação do movimento. «Deixa de ser uma manifestação pela manifestação, é um fórum pela positiva», diz Hugo.
Quando confrontados com a necessidade de, eles próprios, apontarem soluções para os problemas que reivindicam, as respostas passam, invariavelmente, pela chamada «Taxa Tobin». «É uma coisa irrisória», refere Hugo. «É uma proposta simples, mas nem isso o sistema quer assimilar. Não controlaria a especulação, porque é um valor muito pequeno para controlar a 'economia de casino', mas permitiria redireccionar esse lucro para coisas importantes», sustenta. Ana salienta também «o fim da dívida dos países do Terceiro Mundo, um dos grandes consensos do movimento antiglobalização».
A multiplicidade de causas que integram o movimento antiglobalização não constitui um factor desmobilizador. «Apesar das pessoas participarem com objectivos muito diferentes, há um princípio global, que é a revisão da forma como o mundo está constituído», defende Ana.
Para Hugo, «a diversidade de posições é, neste caso, parte da solução. A alternativa a uma globalização capitalista não pode ser um modelo monocolor. Aquilo que une a globalização capitalista é o mercado, aquilo que une a globalização da resistência é não aceitar aquilo que nos querem impor».
Sem violência, mas...
Pelo facto de ter ganho visibilidade mediática na sequência dos distúrbios paralelos à cimeira de Seattle, em Novembro de 1999, o movimento antiglobalização é conotado com um certo tipo de violência.
Hugo reconhece-a, mas rejeita qualquer semelhança com o fenómeno «hooligan», no futebol. Não lhe parece que fazer distinções entre «boas e más companhias» seja politicamente consequente. «Distanciamo-nos dessa violência, mas não deixamos de aceitar essas pessoas. Seria extremamente complicado fazê-lo num movimento deste tipo e as pessoas têm o direito de se manifestar». Para ele, «a carga policial é, até, o principal estímulo».
Em Génova, a violência está na primeira fila das preocupações. O Fórum Social (entre 16 e 22) vai juntar cerca de 150 associações estrangeiras e mil italianas: católicas, ecologistas, sindicalistas e também as «Tute Bianche» («fatos-de-macaco» brancos), os anarquistas-guerreiros que assinaram um pacto de não violência e respeito pela cidade e pelas pessoas.
No dia 20, as «Tute Bianche» tentarão furar a «zona vermelha» (área interdita), para o que efectuaram simulações de confrontos com a polícia, em Milão, no passado dia 30.
Um dos chefes do movimento, Vittorio Agnoletto, pede que se corrija a imagem dada pela comunicação social. «Não nos chamem povo de Seattle, mas de Porto Alegre, porque foi aí que começou o trabalho para transformar o movimento, da contestação para a proposta», disse ele ao EXPRESSO. «De Génova, lançaremos novo slogan: um outro mundo está em construção», adianta.
Tensão latente
Existe um clima de tensão sobre o que poderá acontecer quando da cimeira do G-8, sobretudo devido aos «sinais» dados pelo Governo, Polícia e instituições em geral. «A impressão é de que há aparelhos internos da polícia que não partilham as posições tomadas pelo seu chefe de Génova, De Gennaro, e que tentarão provocar para instigar um choque», disse ao EXPRESSO Stefano Lenzi, do Fórum Social de Génova.
Aparentemente, a estratégia das «Tute Bianche» mantém-se: «Para Génova, apurámos uma mensagem forte, baseada na metáfora de 'Braveheart' - queremos dizer que chegamos de uma nova Idade Média, onde existe, simultaneamente, a máxima potência tecnológica e crianças de seis anos que costuram sapatilhas para a Nike. O paradoxo é que, quanto mais falarmos do 'bastião cercado', mais os nossos adversários disfarçam os polícias de Robocop», diz Luca Casarini, porta-voz das «Tute Bianche».
Génova representa também uma chamada às armas da ala violenta do movimento antiglobalização. Situacionistas, insurrecionalistas, eco-sabotadores, ou «Black Bloc» (anarquistas) dizem que, após Gotemburgo (Conselho Europeu, da UE, em Junho, onde ocorreram violentos incidentes), não há espaço para mediação.
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