sábado, julho 29, 2006

Espanha campeã!

Não nos Mundiais de futebol, mas na exportação de munições para armas ligeiras na África subsaariana.
Segundo um relatório recente da Intermón Oxfam intitulado Munições: o combustível dos conflitos [1], o valor médio anual das exportações espanholas de munições é de 8,7 milhões de euros, muito acima do que é exportado por grandes potências como o Reino Unido, embora muito atrás dos Estados Unidos, que vendem em cada ano o equivalente a 110 milhões de euros. A Espanha vende munições à África subsaariana no valor de 1,2 milhões de euros, quase o dobro do que vende a França (670.000) e o triplo do que vendem os Estados Unidos (435.000).
O principal comprador de munições espanholas é o Gana, para onde, em 2004, se exportaram 37 milhões de cartuchos “para caça”, um conceito que a Intermón Oxfam vem pondo em dúvida em todos os seus relatórios. Estas exportações espanholas são significativas porque o Gana é membro da Comunidade Económica de África Ocidental que decretou em 1998 uma moratória sobre a importação, exportação, produção e distribuição de armas pequenas e ligeiras, bem como suas munições. Não cumpre os seus compromissos e Espanha aproveita­‑se disso.
O relatório da Intermón Oxfam coloca em destaque que a imensa maioria da produção de munições, 83%, está fora de controle, algo que mostra a evidente responsabilidade dos Estados no seu comércio ilegal, já que a produção de munições não costuma ser uma actividade privada nem carente de controle, mas exactamente o contrário. É lógico pensar, então, que são os próprios Estados que põem fora de controle a produção que se realiza, normal e logicamente, sob a sua estreita supervisão.
A magnitude desse comércio e do arsenal que existe no mundo fica patente num dado estarrecedor proporcionado pelo relatório: só na Ucrânia e na Bielorrúsia há 3 milhões de toneladas de balas.
No que se refere a Espanha, os dados não podem estranhar­‑nos, sabendo que nos últimos anos o nosso país tem incrementado enormemente os gastos dedicados à indústria e à investigação militar.
A investigação militar subiu nos orçamentos de 2006 cerca de 26,6%, relativamente a 2005. Ao todo, atingiu um volume de 1683,89 milhões de euros, só 200 milhões menos que o dedicado à educação [...] que só subiu 16,6% relativamente ao ano anterior.
Um dos problemas colocados pela produção armamentista espanhola destinada à exportação é que, na sua grande maioria, se destina a países que mantêm conflitos bélicos, guerras civis ou confrontos sanguinários, o que efectivamente obriga a qualificar Espanha como uma das fontes de combustível que avivam os conflitos e a violência no mundo, inclusive em lugares onde não se respeitam os códigos de conduta internacional. De facto, Espanha é, para nossa vergonha, uma das grandes fornecedoras de material anti­‑motim a países onde há ditaduras ou regimes repressores da sua população.
De facto, embora Espanha seja teoricamente obrigada a respeitar as normas internacionais sobre comércio de armas, os investigadores independentes demonstram que se produzem violações dessas normas numa terça parte das exportações espanholas, o que também nos leva a dizer que Espanha não só é fonte de violência mas que, além disso, em demasiadas ocasiões o faz passando por cima das leis internacionais.
Actualmente, quase 15% do orçamento do Estado espanhol é dedicado a gastos militares, uns 58,10 milhões de euros diários. Isso é mais do que gastam juntos os Ministérios do Trabalho e Assuntos Sociais, Educação e Cultura, Agricultura, Pesca e Alimentação e Meio Ambiente.
Espanha é hoje em dia o segundo país do mundo que mais proporção do seu PIB dedica ao investimento militar, atrás dos Estados Unidos, e o segundo da OCDE que menos gasta em relação ao PIB em I+D civil, o que contrasta com o constante apelo a incrementar os recursos dedicados à investigação e à inovação para modernizar a nossa estrutura produtiva e a tornar mais competitiva.
Se o governo de verdade quisesse impulsionar o potencial investigador e a inovação na economia espanhola não elaboraria orçamentos nos quais se dedica ao I+D militar 3 vezes mais dinheiro do que à investigação básica, 7 vezes mais do que o dedicado a projectos sanitários, 22 vezes mais do que à I+D agrária e 31 mais do que à oceanográfica e pesqueira.
O resultado do contínuo incremento do gasto é que apenas 5 empresas ligadas à indústria militar repartem entre si o dobro do que recebem todas as Universidades e o CSIC para I+D civil.
A Espanha tornou-se numa potência dentro da industrial militar mundial, numa campeã no que diz respeito a fabricar meios de destruição e morte. Uma estratégia que é muito rentável para as empresas implicadas nessa indústria, mas que é muito custosa e improdutiva para a economia espanhola: nem sequer gera mais emprego ou rendimentos que outras actividades, é inflacionista e obriga a que o Estado renuncie a gastos muito necessários no campo do bem-estar social.
E, sobretudo, uma estratégia moralmente muito pouco compatível com o discurso pacifista que quer impulsionar a aliança entre as civilizações. Não se pode apregoar a paz mundial e, ao mesmo tempo, dedicar cada vez mais dinheiro a fabricar instrumentos de agressão e meios para que se materialize a violência.

Juan Torres López

[1] Oxfam, Munições: o combustível dos conflitos (pdf, 265 KB), 15/06/2006.

http://infoalternativa.org/europa/e033.htm

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