sábado, julho 01, 2006

A Fraqueza das Políticas de Protesto

"Com a crescente popularidade das lutas [contra a OMC, FMI, e BM] entreamplos setores da esquerda, podemos antever o que vem pela frente.Infelizmente, a resistência aberta está sendo substituída por uma posturaamena e reformista. Até mesmo entre muitos anarquistas podemos notar umexplícito abandono da oposição radical em favor da ordem do dia predominantedelineada pelas esquerdas liberais e pelas ONGs. Pensando nisto, sentimosque os revolucionários anarquistas jogam o principal dentro desse movimentosocial. . . Para nós, estas instituições não são apenas reformistas, elastambém exercem papéis fundamentais dentro do sistema capitalista global, quedeve ser abolido completamente. Não só devemos rejeitar e resistir a estesistema em todos os níveis possíveis, mas também avançar em uma alternativaanarquista clara e que tenha a capacidade de capturar em larga escala aimaginação do oprimido seguindo em direção à verdadeira libertação social".(Declaração de um anarquista militante contemporâneo)Esse 'papel principal' que se espera que os anarquistas exerçam nomovimento, para 'radicaliza-lo' será desalentador, porque não terá sucesso.Na política de protesto, com sua invariável divisão entre reformistas erevolucionários, os reformistas quase sempre acabam ganhando, porque aclasse governante está do lado deles, de forma a extrair o gás do movimentoe neutralizá-lo, para que no final das contas, depois que a comoção diminui,tudo se degenere em reformas. Esta derrota está arraigada na própriapolítica de protesto, e isso não quer dizer que os revolucionários não deramduro o suficiente para 'radicalizar' o movimento. Na medida em que lutarmoscontra o que não queremos, em vez de lutar pelo que queremos, sempreacabamos perdendo.Lutar pelo que queremos envolve muito mais do que avançar em uma "umaalternativa anarquista clara", especialmente se tal um 'avanço' começa eacaba em descrições verbais. A única forma de realmente avançar em umaalternativa anarquista é tentar traze-la para o mundo social real, tentarcriá-la de fato, com os novos arranjos sociais que julgamos deveriamsubstituir os arranjos do capitalismo. E para fazer isso teríamos quemodificar o foco de nossa atenção, em vez de protestar contra aquilo queestão fazendo contra nós, deveríamos defender aquilo que estamos fazendocontra eles. Precisamos estar na ofensiva. Escolher novos campos de batalha,novos locais estratégicos onde empreender nossa luta. Acredito que há trêslocais estratégicos -- assembléias no bairro, no local de trabalho, e nacomunidade. Se montássemos estes novos arranjos sociais, defendêssemosnossas criações, aí sim, construiríamos o mundo que queremos,simultaneamente arruinando e derrotando os capitalistas.O que significa "rejeitar e resistir a este sistema em todos os níveispossíveis?". Real rejeição não significa por qualquer outra coisa em seulugar? A rejeição real é -- destripar e abandonar o que não queremos, pôrnossas energias na construção do que queremos, ao invés protestar contra oque não queremos. Intimidar um Macdonald é suficiente? Interromper um oudois encontros de representantes da OMC faz alguma diferença? Esse ir e virde manifestações nas capitais dos países adianta alguma coisa? Interromperas convenções democráticas e republicanas muda qualquer coisa?A política de protesto é uma estratégia condenada ao fracasso. Não leva aparte alguma. Se esvaziará em argumentos sobre não-violência, desobediênciacivil, reforma (e tirar manifestantes da prisão). Enquanto isso, a classegovernante estará ganhando tempo para atualizar, reorganizar, reagrupar,testar novas contra-táticas, e renovar sua ideologia. E tem mais, a classegovernante teve a sorte inesperada de possuir, agora, as fotos de todos osmanifestantes, seus nomes, e os endereços de todas as organizações queplanejaram os protestos, as cópias de todos os discursos estão nas mãosdeles para análise e estudos na perspectiva de contradize-los edesacreditá-los. Mesmo com 30.000 ou 100.000 manifestantes, 1.000 ou 10.000organizações, todos os participantes podem ser facilmente identificados,investigados, classificados, infiltrados, arrebentados, estudados,neutralizados, intimidados, cooptados, ou destruídos, pela vasta burocracia,exército, e pela polícia secreta das classes governantes do mundo.A resposta habitual da esquerda neste ponto é dizer que se sairmos em'massivos' protestos, eles não poderão nos parar. Errado! Eles podem, e tema capacidade de faze-lo toda vez que julgarem necessário, fizeram issoquando destruíram o Vietnã, quando assassinaram várias centenas de milharesde pessoas na Indonésia em 1965, quando destruíram minuciosamente a novaesquerda nos Estados Unidos, quando instituíram os esquadrões da morte naAmérica Central nos anos oitenta, quando exterminaram a quarta parte dapopulação do Timor Leste, quando invadiram Granada e Panamá, quandobombardearam a Iugoslávia durante setenta e oito dias em 1999, quandobombardeiam e sancionam continuamente o Iraque, quando nesse momentoassassinam e massacram na Colômbia.Mas que tal mudar completamente de direção, e parar de desperdiçar nossotempo tentando interromper os crimes dos capitalistas, e começar a lutar porestabelecer aquilo que realmente queremos? Que tal se as 15.000 cidades dosEstados Unidos com 2.500 habitantes ou menos começassem a praticar ademocracia direta, através de assembléias nos bairros, escapando de seusgovernos hierárquicos, algo que facilmente poderiam fazer se quisessem? Quetal se as aldeias camponesas começassem a adotar o trabalho cooperativo? Quetal se os trabalhadores nas lojas, oficinas, e fábricas esquecessem seussindicatos e começassem a implementar assembléias por local de trabalho parater o controle de suas vidas em suas próprias mãos? Que tal se os vizinhoscomeçassem a combinar recursos para criar comunidades [autogestionárias] de100 a 200 pessoas? Isso poderia se tornar um movimento grande, mas não ummovimento de massa, quer dizer, um aglomerado de indivíduos isolados (mesmoque se reunam em grupos de afinidade temporários) aglutinados durantealgumas horas nas ruas das capitais do mundo. Em vez disso, seria ummovimento composto por comunidades de pessoas, e seria um movimentocooperativo, verdadeiramente arraigado na vida real. Uma ordem social novanão pode ser construída nas ruas, mas apenas em nossos bairros, locais detrabalho, e comunidades. O capitalismo não pode ser derrotado nas ruas, masapenas em nosso bairros, locais de trabalho, e comunidades.A dificuldade é que "nós" não sabemos o que "nós" queremos. Quer dizer, nãohá nenhuma definição objetiva, determinada, fixa, sobre aquilo que o'radical' quer. Não há nenhum consenso de opinião nem mesmo sobre o quesignifica a palavra 'radical'. Há muitas versões (vagas) do que queremosenquanto tendências dentro do movimento. Provavelmente, todo grupo queparticipa em uma manifestação espera avançar sua própria versão de'radical', e assim 'radicalizar' o movimento. A pergunta sempre é:Radicalizar o que? A campanha salarial? A campanha contra a carestia? Opartido de vanguarda leninista? A subversão do capitalismo? A socialdemocracia? o anarquismo? O mercado socialista? Ou o que?Além disso, há uma dificuldade profundamente entrincheirada no pensamentoutópico, a de compreender concretamente o que queremos colocar no lugar docapitalismo. Uma questão que nunca é suficientemente discutida. Assim em vezde concentrar nossas energias mentais e físicas de uma forma poderosa pararesolver este problema, eliminar este obstáculo e derrotar o capitalismo,preferimos "tomar as ruas", mais uma vez, em meros protestos, um meroengajamento no que é basicamente 'ativismo descuidado'. É verdade que onível de análise desta vez é consideravelmente mais alto do que nos anossessenta, e que os objetivos -- sweatshops, omc/bm/fmi, organismosgeneticamente modificados, e assim sucessivamente -- são melhores (ao invésde direitos civis, anti-guerra, e movimentos de identidade dos anossessenta), e conduzem quase que imediatamente ao questionamento dapropriedade, do comércio, e consequentemente à crítica ao capitalismo. Masisto ainda é protesto, essencialmente, uma simples petição à classegovernante para que modifiquem suas políticas. Embora os manifestantes digam"vamos prender esses criminosos" todo mundo sabe que isso não passa de umapiada, e que eles não podem. Embora gritem aos policiais: "de quem são asruas? As ruas são nossas!", fica evidente, no final das contas, que as ruaspertencem mesmo aos policiais. Quando eles gritam: "isso aqui é que édemocracia", fico pensando se pessoas impotentes gritando nas ruas tem algoa ver com democracia, democracia é deliberar em assembléias e ter o poder detomar reais decisões, isso é democracia.Nós estamos correndo contra o tempo. Como o capitalismo continuará sedesintegrando durante os próximos cinqüenta anos, nós perderemos aoportunidade de substitui-lo por uma nova, igualitária, ordem socialdemocrática, a menos que possamos compreender o que queremos, em condiçõesabsolutamente concretas, e começar a estabelecer aquilo que queremos. Temosque saber como queremos organizar as coisas e como nossa nova ordem socialfuncionará. Na ausência de tal visão concreta, e de uma estratégia paraalcança-la, as classes governantes capitalistas usarão o próximo meio séculopara inventar uma nova ordem social que lhes permita permanecer no poder eenriquecer ainda mais, mesmo como não capitalistas. Afinal de contas, asclasses governantes do feudalismo, ao se transformaram em capitalistas,fizeram exatamente isso.Imaginar o anarquismo, em condições muito concretas, não é algo assimsecundário, algo que fica em segundo plano, até que capitalismo sejaderrotado, algo que evoluirá automaticamente, paralelamente aos protestos eativismo de rua, ou algo que ninguém realmente sabe ao certo. Em primeirolugar, o anarquismo é algo absolutamente central para a derrocada docapitalismo, e algo que deveria ser prioridade total para todos osoposicionistas. Algo que não pode ser deixado para depois. Deve serdiscutido agora mesmo, ou então perderemos nossa chance de liberação.É fácil concordar contra o que vamos protestar. A lista de coisas queprecisam ser interrompidas sob o capitalismo é na realidade longa, tão longaque não há nem mesmo necessidade para concordar; basta escolher, basta pegaralgo que o incomoda. Talvez seja por isso que há tanto envolvimento, tantosativistas protestando. Entretanto, não é assim tão fácil entender o quequeremos colocar no lugar do capitalismo, não é assim tão fácil desenvolverargumentos convincentes sobre como essa coisa funcionaria, sobre como seriacriado tal mundo social. A verdade é que pouca energia está sendo dedicada aessa tarefa. Os princípios gerais de uma sociedade livre estão claramentedelineados neste esboço, mas não em detalhes concretos (no mundo real hámuitas discordâncias sobre princípios, por exemplo, manter ou abolir oestado, o mercado, o trabalho). Talvez seja por isso que tão poucas pessoasse envolvem na construção de um mundo novo, e preferem protestar contra ovelho.A política de manifestações é uma política fraca, a política da fraqueza, apolítica de pessoas fracas, com imaginação fraca -- a política de pessoasimpotentes. Pessoas impotentes têm que usar qualquer tática que estiver aoseu alcance. Mas esse é o ponto. Por que permanecermos impotentes, quando aadoção de uma estratégia diferente -- construir associações estratégicas --poderia nos tornar poderosos e não reduzidos a atos impotentes como actos dedesobediência civil e manifestações nas ruas contra políticas alheias anossa vontade?
Jared James
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2002/04/23152.shtml

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