Não é a primeira vez que me interpelam questionando-me assim: mas será que não encontras uma só coisa positiva na actividade da ministra da Educação, de forma a que não digas sempre mal do que ela faz? A crónica de hoje é uma pequeníssima parte escrita do que respondi, em amena conversa, ao último interpelante, um amigo, velho militante do PS, economista, aterrorizado pelo eventual homicídio da República às mãos do défice, recém-convertido, por essa paranóia, ao neoliberalismo selvagem.
De facto, não encontro uma só coisa que me mereça aprovação, o que não significa que discorde, a montante, de todas as intervenções havidas. Como assim? É que as que em simples propositura me dariam bem, são, a jusante, irremediavelmente destruídas pelos processos escolhidos.
A ministra não tem, conceptualmente, estrutura para discursar sobre os problemas em que pretende intervir. É confrangedor verificar, sempre que procura argumentos, a inconsistência das opiniões que emite como se fossem factos. Do que vai dizendo, retira-se o desconhecimento constante dos conceitos a que alude. Mas, sobretudo, está possuída por um sentimento obsessivo, próximo do ódio aos professores, que dela exala de cada vez que se lhes refere. Superficializa ou generaliza indevidamente, estragando sempre tudo. É uma catástrofe! Vão alguns exemplos:
1. Centrar nos docentes de sala de aula, por forma reincidente e inequivocamente consciente, a responsabilidade pelos males do ensino, como se não coubesse aos políticos e à casta de pensadores e assessores em que se apoiam a definição das políticas e dos processos de as implementar, é uma de duas coisas: má-fé ou ignorância.
2. As "aulas de substituição", o prolongamento do tempo de permanência das crianças na escola, o fim dos trabalhos para casa, o aumento das cargas curriculares das disciplinas em que o fracasso é maior, etc. são medidas demagógicas, populistas e inadequadas, com que a ministra pretendeu contentar as necessidades imediatas de pais que não sabem o que fazer aos filhos enquanto trabalham.
Quando um professor falta, uma escola organizada pode e deve prover uma aula de substituição ou uma actividade de compensação. São coisas diferentes, que a ministra nunca entendeu. Não se pode fazer isso ludibriando as regras contratuais, como a ministra fez. Actividades desse tipo têm que ser úteis, não servindo as ocupações grosseiramente caricatas que se generalizaram, nem os processos arcaicos de encurralamento de docentes aos magotes em salas, à espera do acaso, sem critérios e aviltando a dignidade de todos. A ministra não percebeu que há escolas que não têm recursos para executar um programa desse tipo. A ministra ignora que, face à cultura organizacional vigente, de obediência cega aos papéis, a pressão posta pelos serviços e a ausência de directivas sensatas só poderia gerar bagunça. A ministra não conhece as escolas que tutela, as pessoas que comanda e, depois de ter a confusão exposta na praça pública, fingiu que a não via ou, pior ainda, não se deu conta dela.
As crianças passam na escola mais tempo do que os operários estão nas fábricas. Muitas escolas, demasiadas escolas, são inóspitas como, felizmente, já o não são a maioria das fábricas. A ministra passa olimpicamente a leste dessas realidades. A ministra não compreendeu que o problema do ajustamento social a um novo paradigma de vida é tarefa que não cabe à Escola só, muito menos pode ser cumprido pela maioria das escolas que tem.
A ministra é inconsistente quando diz que as crianças têm que "progredir sozinhas acompanhadas" (sic), para liquidar os trabalhos de casa e amarrá-las mais tempo à escola e aos professores. Desfechou, assim, mais uma machadada no valor do trabalho, reforçou o culto do facilitismo e ao "eduquês" somou o "sociologês", invocando que os trabalhos de casa acentuam clivagens entre os filhos de pais cultos e os filhos de pais menos letrados. Como se os pais de hoje fossem mais ignorantes do que eram ontem, ou a lógica dos trabalhos para casa se resumisse a esse deve/haver parental de culturas.
A ministra ilude-se quando pensa que combate o insucesso com mais horas do mesmo. A ministra terminará o mandato sem entender que o verdadeiro insucesso se combate com medidas adequadas de gestão, que aumentarão, irremediável e temporariamente, o insucesso que a preocupa, o estatístico. Aqui ficam, a mero título de exemplo, algumas dessas medidas indispensáveis, que ela jamais assumirá, por falta de coragem e de competência: intervenção profunda no modelo de gestão das escolas, autonomizando-as, responsabilizando-as e entregando a respectiva direcção aos mais competentes; radical mudança na estrutura orgânica dos serviços centrais do ministério, que deviam estar estritamente orientados para a definição de políticas assentes em estudos e dados, supervisão da qualidade, gestão orçamental e gestão dos desempenhos e inovação de processos e de recursos; reformulação de programas, marcada pela exigência e diminuição do número de disciplinas e de horas curriculares; recuperação da homogeneização das turmas; implicação séria das organizações locais e comunitárias nas actividades extracurriculares; radical alteração dos normativos disciplinares escolares com a devolução clara da autoridade ao professor e consequências evidentes para o tratamento rápido dos incidentes; imposição de exames nacionais em todos os fins de ciclo, com peso relevante na classificação dos alunos.
Santana Castilho
http://ns3.esas.pt/dfa/santana_castilho.htm
De facto, não encontro uma só coisa que me mereça aprovação, o que não significa que discorde, a montante, de todas as intervenções havidas. Como assim? É que as que em simples propositura me dariam bem, são, a jusante, irremediavelmente destruídas pelos processos escolhidos.
A ministra não tem, conceptualmente, estrutura para discursar sobre os problemas em que pretende intervir. É confrangedor verificar, sempre que procura argumentos, a inconsistência das opiniões que emite como se fossem factos. Do que vai dizendo, retira-se o desconhecimento constante dos conceitos a que alude. Mas, sobretudo, está possuída por um sentimento obsessivo, próximo do ódio aos professores, que dela exala de cada vez que se lhes refere. Superficializa ou generaliza indevidamente, estragando sempre tudo. É uma catástrofe! Vão alguns exemplos:
1. Centrar nos docentes de sala de aula, por forma reincidente e inequivocamente consciente, a responsabilidade pelos males do ensino, como se não coubesse aos políticos e à casta de pensadores e assessores em que se apoiam a definição das políticas e dos processos de as implementar, é uma de duas coisas: má-fé ou ignorância.
2. As "aulas de substituição", o prolongamento do tempo de permanência das crianças na escola, o fim dos trabalhos para casa, o aumento das cargas curriculares das disciplinas em que o fracasso é maior, etc. são medidas demagógicas, populistas e inadequadas, com que a ministra pretendeu contentar as necessidades imediatas de pais que não sabem o que fazer aos filhos enquanto trabalham.
Quando um professor falta, uma escola organizada pode e deve prover uma aula de substituição ou uma actividade de compensação. São coisas diferentes, que a ministra nunca entendeu. Não se pode fazer isso ludibriando as regras contratuais, como a ministra fez. Actividades desse tipo têm que ser úteis, não servindo as ocupações grosseiramente caricatas que se generalizaram, nem os processos arcaicos de encurralamento de docentes aos magotes em salas, à espera do acaso, sem critérios e aviltando a dignidade de todos. A ministra não percebeu que há escolas que não têm recursos para executar um programa desse tipo. A ministra ignora que, face à cultura organizacional vigente, de obediência cega aos papéis, a pressão posta pelos serviços e a ausência de directivas sensatas só poderia gerar bagunça. A ministra não conhece as escolas que tutela, as pessoas que comanda e, depois de ter a confusão exposta na praça pública, fingiu que a não via ou, pior ainda, não se deu conta dela.
As crianças passam na escola mais tempo do que os operários estão nas fábricas. Muitas escolas, demasiadas escolas, são inóspitas como, felizmente, já o não são a maioria das fábricas. A ministra passa olimpicamente a leste dessas realidades. A ministra não compreendeu que o problema do ajustamento social a um novo paradigma de vida é tarefa que não cabe à Escola só, muito menos pode ser cumprido pela maioria das escolas que tem.
A ministra é inconsistente quando diz que as crianças têm que "progredir sozinhas acompanhadas" (sic), para liquidar os trabalhos de casa e amarrá-las mais tempo à escola e aos professores. Desfechou, assim, mais uma machadada no valor do trabalho, reforçou o culto do facilitismo e ao "eduquês" somou o "sociologês", invocando que os trabalhos de casa acentuam clivagens entre os filhos de pais cultos e os filhos de pais menos letrados. Como se os pais de hoje fossem mais ignorantes do que eram ontem, ou a lógica dos trabalhos para casa se resumisse a esse deve/haver parental de culturas.
A ministra ilude-se quando pensa que combate o insucesso com mais horas do mesmo. A ministra terminará o mandato sem entender que o verdadeiro insucesso se combate com medidas adequadas de gestão, que aumentarão, irremediável e temporariamente, o insucesso que a preocupa, o estatístico. Aqui ficam, a mero título de exemplo, algumas dessas medidas indispensáveis, que ela jamais assumirá, por falta de coragem e de competência: intervenção profunda no modelo de gestão das escolas, autonomizando-as, responsabilizando-as e entregando a respectiva direcção aos mais competentes; radical mudança na estrutura orgânica dos serviços centrais do ministério, que deviam estar estritamente orientados para a definição de políticas assentes em estudos e dados, supervisão da qualidade, gestão orçamental e gestão dos desempenhos e inovação de processos e de recursos; reformulação de programas, marcada pela exigência e diminuição do número de disciplinas e de horas curriculares; recuperação da homogeneização das turmas; implicação séria das organizações locais e comunitárias nas actividades extracurriculares; radical alteração dos normativos disciplinares escolares com a devolução clara da autoridade ao professor e consequências evidentes para o tratamento rápido dos incidentes; imposição de exames nacionais em todos os fins de ciclo, com peso relevante na classificação dos alunos.
Santana Castilho
http://ns3.esas.pt/dfa/santana_castilho.htm
Sem comentários:
Enviar um comentário