A estupidez sempre me fascinou. A minha, é claro – e isso é motivo suficiente para grande ansiedade. Porém, a situação é mais grave quando se tem a oportunidade de observar importantes decisões tomadas por pessoas importantes.
Geralmente tendemos a culpar a perversidade intencional, a malícia astuta, a megalomania, e outros defeitos morais pelas más decisões. Tudo isso conta, é claro, mas qualquer estudo cuidadoso da história, ou dos fatos, leva à conclusão invariável de que a maior fonte de terríveis erros é puramente a estupidez. Quando ela combina com outros factores (como acontece amiúde) os resultados podem ser devastadores.
Um dos muitos exemplos de estupidez é o uso da intriga e do poder de manipulação no que se chama de “comportamento maquiavélico”. Obviamente, ninguém leu os livros de Maquiavel, e não é isso o que o velho Niccolò quis dar a entender.
Outro facto que me surpreende (ou não) é o escasso material dedicado ao estudo de um tema tão importante como esse. Existem nas universidades departamentos para analisar as complexidades matemáticas, os movimentos das formigas do Amazonas, a história medieval da ilha de Perima, mas nunca soube de uma Fundação ou Conselho Consultivo que dê apoio aos estudos da Estupidologia.
Encontrei pouquíssimos bons livros sobre o tema. Um que li quando era adolescente, e do qual nunca me esqueci, se chama Uma Breve Introdução à História da Estupidez Humana de Walter B. Pitkin, da Universidade de Columbia, publicado em 1934. Encontrei-o por acidente faz muitos anos, quando estava mexendo nas estantes de livros de minha mãe. Fiquei muito contente, quando fui a casa dela ontem para buscá-lo. Ele ainda estava lá. Assim, velho como é, ainda é um livro muito bom. Algumas das observações do Professor Pitkin parecem extraordinariamente correctas, sessenta anos depois.
Mas, por que o autor chama de “uma breve introdução” a um livro de 300 páginas? Ao final do livro, diz: Epílogo: agora estamos prontos para começar a estudar a Historia da Estupidez. E nada se segue.
O Professor Pitkin foi um homem muito sensato. Sabia que toda uma vida era muito pouco tempo para cobrir ainda que um fragmento de tão vasto tema. Assim, publicou a Introdução, e isso foi tudo.
Pitkin estava muito consciente da carência de trabalhos prévios sobre o assunto. Ele tinha à sua disposição uma equipe de investigadores a qual pôs a realizar pesquisas nos arquivos da Biblioteca Central de Nova York. Nada encontraram. Segundo Pitkin, havia somente dois livros sobre a matéria: Aus der Geschite der menschlichen Dummheit de Max Kemmerich, e Über Dummheit de Lewenfeld. Infelizmente não entendo alemão, apesar de “Dummheit ” me parecer suficientemente claro; e creio que Kemmerich e Lewenfeld tiveram abundância especial de material para seus estudos, levando em conta o que aconteceu na Alemanha em 1933 e nos anos seguintes.
Na opinião de Pitkin, quatro de cada cinco pessoas tem quociente de estupidez suficientemente grande para ser chamadas “estúpidas”. Isso equivaleria a quinhentos milhões de pessoas, à época que ele escreveu o livro; agora são mais de quatro bilhões. Esse número por si já é bastante estupidez.
Ele observou que um dos problemas da Estupidez é que ninguém tem uma definição realmente boa. De fato, os génios são amiúde considerados estúpidos por uma maioria estúpida (apesar que ninguém tem, tampouco, uma boa definição de genialidade). Mas a estupidez definitivamente existe, e há muito mais dela do que sugerem nossos mais terríveis pesadelos. De fato ela domina o mundo – o que é claramente comprovado pela forma com que ele é governado.
Porém, cinquenta anos depois, alguém chegou com uma definição bastante interessante. Seu nome é Carlo M. Cipolla, Professor Emérito de Historia Económica em Berkeley. Todos seus livros foram publicados em inglês, excepto três. O primeiro foi publicado por “Il Mulino” em Bolonha em 1988.
Nesse livro há um pequeno ensaio intitulado As Leis Básicas da Estupidez Humana, que talvez seja o melhor de tudo que já foi escrito sobre a matéria.
As Cinco Leis da Estupidez, segundo Carlo Cipolla, são as seguintes:
Primeira Lei: Sempre subestimamos o número de pessoas estúpidas.
Isto não é tão obvio como parece, diz Cipolla, porque:
a) Pessoas que pensávamos ser racionais e inteligentes, de repente mostram-se estúpidas sem dar margem a dúvidas; e
b) Dia após dia somos afretados em tudo que fazemos por gente estúpida que invariavelmente aparece nos lugares menos apropriados.
Ele também observa que é impossível estabelecer uma percentagem, já que qualquer número que escolhamos será pequeno demais.
Segunda Lei: A probabilidade de que uma pessoa seja estúpida é independente de qualquer outra característica de sua personalidade.
Se estudamos a frequência da estupidez nas pessoas que limpam as salas de aula depois que os alunos se foram e nos professores, verificaremos que nestes últimos ela é muito más alta do que esperávamos. Poderíamos supor que ela está relacionada ao baixo nível de educação, ou ao fato de que as pessoas não estúpidas têm melhores oportunidades de conseguir bons empregos. Mas quando analisamos os estudantes ou os professores universitários (ou, adicionaria eu, os programadores de computador) a distribuição de estupidez é exactamente a mesma.
As militantes feministas podem exultar-se, disse Cipolla, mas o quociente de estupidez é o mesmo em ambos os géneros (ou em tantos géneros ou sexos você decida considerar). Não há nenhuma diferença no factor de estupidez, seguindo Cipolla, quando são comparadas as raças, a condição étnica, a educação etc.
Terceira Lei (a de Ouro): Uma pessoa estúpida é alguém que ocasiona dano a outra pessoa, ou a um grupo de pessoas, sem conseguir vantagem para si, ou mesmo com prejuízo próprio.
(Voltaremos a essa Lei, porque é o conceito central da Teoria de Cipolla)
Quarta Lei: As pessoas não estúpidas sempre subestimam o poder de causar dano das pessoas estúpidas. Constantemente elas se esquecem que em qualquer momento, e sob qualquer circunstância, associar-se com gente estúpida invariavelmente constitui-se em erro com prejuízo.
Isso sugere (diria eu) que as pessoas não estúpidas são assim mesmo um pouco estúpidas – mas voltarei a esse ponto ao final.
Quinta Lei: A pessoa mais perigosa que pode existir é a estúpida.
De todas as Leis, essa é provavelmente a mais facilmente entendida, si bem que somente porque é do conhecimento comum que as pessoas inteligentes, sem importar quão hostis elas sejam, são previsíveis, enquanto que as pessoas estúpidas não o são. Ademais, seu corolário básico: Uma pessoa estúpida é más perigosa que um bandido, nos conduz à parte medular da Teoria de Cipolla.
Existem quatro tipos de pessoas, disse ele, dependendo de seu comportamento em uma transacção:
O Infeliz (ou desesperado): alguém cujas acções geram prejuízo próprio, mas que também criam vantagens para outros.
O Inteligente: alguém cujas acções geram vantagens, igualmente para si e para os outros.
O Bandido: alguém cujas acções geram vantagens para si, ao mesmo tempo que causam danos a outros.
O Estúpido: já temos esta definição na Terceira Lei.
O Professor Cipolla usa um gráfico onde:
:
I = inteligente
S = estúpido (do inglês stupid)
H = infeliz (do inglês hapless)
B = bandido
O eixo dos X’;s mede as vantagens ara si obtidas pelas acções de alguém.
O eixo dos Y’s mede as vantagens de outra pessoa (ou grupo).
Obviamente, as pessoas da região “I” são inteligentes, as pessoas da região “B” são bandidas, pessoas da zona “H” são desafortunadas ou azaradas, e pessoas da região “S” são estúpidas.
Também é bastante claro que, dependendo da localização no gráfico, a pessoa tenderá a um maior ou menor quociente de estupidez, inteligência, banditismo, etc. Pode-se desenvolver uma grande variedade de combinações, tais como as de bandidos espertos e bandidos estúpidos, dependendo da razão vantagem/prejuízo. (a quantidade de prejuízo, observa Cipolla, deverá ser medida pela perspectiva da vítima, não pela do bandido, o que faz com que a maioria dos ladrões e criminosos sejam considerados bastante estúpidos).
Suponho que daqui por diante cada um de nós possa utilizar este gráfico para estudar a estupidez e aplicar a Teoria de Cipolla em todas as suas múltiplas variantes possíveis.
Mas isso não é ainda o final de a história.
Se traçamos uma linha diagonal através do gráfico, resulta que toda a zona que se encontra do lado superior direito corresponde a uma melhora no equilíbrio global do sistema, enquanto que os eventos (e as pessoas) do outro lado estão relacionadas a uma deterioração.
Ao estudar as variáveis em cada um dos quatros sectores, pode-se fazer vários tipos de combinação, tais como: Sh e Sb, Ib e Ih, Hs e Hi, ou dividir o gráfico na quantidade de subsectores que quiser.
Por exemplo, a linha “M” no lado inferior direito do gráfico, indica a posição do “bandido perfeito”: alguém que ocasiona exactamente tanto dano aos outros quanta vantagem para si. Obviamente, em ambos os lados da diagonal temos situações de bandidos “imperfeitos” – Bi corresponde a os “bandidos inteligentes” e Bs a “bandidos estúpidos”.
Em um mundo povoado exclusivamente por “bandidos perfeitos”, o sistema como um todo ficaria equilibrado; os danos e as vantagens se cancelariam mutuamente. O mesmo efeito ocorreria em um mundo povoado exclusivamente por pessoas “perfeitamente azaradas”.
É óbvio que as pessoas inteligentes são as que mais contribuem para a sociedade como um todo. Mas, por mais triste que possa parecer, os bandidos inteligentes também contribuem para uma melhora no equilíbrio da sociedade, pois provocam globalmente mais vantagens que danos. As pessoas “infelizes-inteligentes”, apesar de perdedoras individualmente, perdem também ter efeitos sociais positivos.
Sem dúvidas, apenas quando a estupidez entra em cena, é que o dano é consideravelmente maior que o beneficio para qualquer pessoa.
Isso comprova o ponto de vista inicial: o único factor perigoso em qualquer sociedade humana é a estupidez.
Como um historiador, Cipolla chama a atenção para o seguinte: se o factor de estupidez é constante através do tempo e do espaço, uma sociedade forte em ascensão tem uma percentagem maior de gente inteligente, enquanto que uma sociedade que declina tem uma alarmante percentagem de bandidos, um forte quociente de estupidez (sub-área Bs no gráfico) entre as pessoas em posição de poder, e uma igualmente alarmante percentagem de Infelizes (área H) entre aqueles que não estão no poder.
Onde estamos agora? Essa é uma boa pergunta!
Cipolla também observa que as pessoas inteligentes geralmente sabem que o são; os bandidos também estão conscientes de sua condição, e mesmo as pessoas azaradas têm uma suspeita de que não estão bem. Mas as pessoas estúpidas não sabem que são estúpidas, e esta é uma razão a mais por que são extremamente perigosas.
Isso me remete, é claro, a dolorosa pergunta inicial: serei eu estúpido?
Tenho passado por vários testes de quociente de inteligência e conseguido boas qualificações. Infelizmente sei como funcionam esses testes e sei que não provam nada.
Várias pessoas me dizem que sou inteligente. Mas isso tampouco serve de prova para qualquer coisa. Talvez essas pessoas me tenham demasiada consideração para dizer a verdade. Por outro lado, elas poderiam estar usando minha estupidez para seus próprios fins. Ou, poderiam simplesmente ser tão estúpidas quanto eu.
Tenho, porém, um pequeno resquício de esperança: frequentemente estou completamente consciente do quanto eu sou estúpido (ou tenho sido). E isso indica que não sou completamente estúpido.
Em algumas ocasiões, procurei localizar-me no gráfico de Cipolla, utilizando como termómetro, tanto quanto possível, resultados mensuráveis de minhas acções, em vez de opiniões. Dependendo da situação, parece que me situo ao redor do lado superior do gráfico, entre as áreas Ds e Ib; mas em alguns casos fico desesperadamente perdido em Sh. Nem sempre consigo ficar localizado no lado direito da diagonal com a frequência que desejo.
Em uma escala maior, a expectativa é que os factores mais fortes de êxito se localizem nos subsectores Ib e Bi. Entretanto, a enorme quantidade de pessoas Sb e mesmo Sh que fizeram carreiras maravilhosas só pode ser explicado por um forte desejo de parte de muitos líderes de estar rodeados de tantas pessoas estúpidas quanto possível.
Quando li o livro, gostei tanto que escrevi uma carta a Carlo Cipolla. (Fiz esse tipo de coisa apenas duas vezes em minha vida). Para minha surpresa, ele me respondeu, de modo breve mas amável.
Eu lhe fiz duas perguntas:
A. “Posso ter o texto inédito da versão em inglês, para meus amigos de fala inglesa?”
A resposta foi não. (Não disse porquê, mas tenho uma suspeita).
B. “Que pensa do meu ’corolários a sua Teoria?”
Nesse caso a resposta foi, “Bem... porquê não? talvez...” – que interpretei como uma entusiástica aprovação e adesão ao:
Corolário de Livraghi à Primeira Lei de Cipolla: cada um de nós tem um quociente de estupidez, que é sempre maior do que supomos.
Isso leva a um gráfico tridimensional, e não acho que deva mostrá-lo a você, porque nenhuma pessoa estúpida teria a coragem de ler até esse ponto.
Obviamente, pode-se introduzir outras variáveis, tais como os próprios quocientes H e B, e os quocientes S, H e B de outras pessoas. Ou talvez seja sensato esquecê-los, já que nunca são suficientes; não obstante, pode-se considerar o factor B, porque mesmo a mais generosa das pessoas pode comportar-se algumas vezes como um bandido, ainda que por erro. Esses factores adicionais geram modelos multidimensionais que podem se tornar um tanto difíceis de manejar. Porém, mesmo que consideramos somente nossos valores individuais no quociente de estupidez, a complexidade pode ser enorme.
Tente. E assuste-se de verdade.
O Poder da EstupidezSegunda parte
Por Giancarlo Livraghi
Depois de quinze meses, meu pequeno ensaio sobre a estupidez parece estar em pleno vigor na rede. Ele está sendo reproduzido e citado em vários textos e eu estou recebendo e-mails de várias partes do mundo. O diálogo que se seguiu à divulgação me levou a descobrir pessoas muito interessantes, e também alguns sites que eu ainda não conhecia.
Várias perguntas e comentários me levaram a pensar mais um pouco sobre este intrigante e aterrador tema. Aqui está o “humilde resultado” dessas reflexões.
É “certa” a definição de Cipolla?
Nos primeiros passos de minha aprendizagem, tive a sorte e a satisfação de contar com mestres que me ensinaram alguns princípios que, apesar dos muitos anos, ainda permanecem firmes em minha mente.
Um desses princípios filosóficos é que não há essa coisa chamada verdade “absoluta” . Uma teoria “verdadeira” é simplesmente a mais conveniente diante das circunstâncias, é aquela que melhor explica e interpreta o que estamos estudando.
Não sei qual é a definição categórica de estupidez, aquela que não se pode contestar – ou mesmo se existe uma que faça sentido. Não sei tampouco de qualquer definição de inteligência realmente adequada.
A beleza da definição de estupidez (ou inteligência) de Carlo Cipolla (creio) é que ela não se funda em conceitos abstractos, mas em resultados: uma pessoa ou um comportamento é estúpido ou inteligente dependendo do que aconteça. Isso traz duas vantagens. A primeira é que define uma pessoa (e o comportamento dela) como estúpida (ou inteligente, infeliz ou bandida) com base nos fatos – ou pelo menos com base no nosso entendimento e definição dos fatos. A segunda, porém de maior importância, é que focaliza o factor essencial: não a estupidez por si mesma, mas os danos que ela causa.
Talvez existam inúmeros tipos de comportamento que são – ou parecem ser – “estúpidos”, mas que são inofensivos. Eles estão localizados próximo a linha neutra do gráfico de Cipolla – e de fato pertencem a essa categoria.
Por exemplo: participar de uma diversão com amigos e rir alto pode parecer “estúpido” aos olhos dos outros, mas, de acordo com a Teoria de Cipolla, tal comportamento é provavelmente classificado como “inteligente”. E de fato é, vez que a alegria da diversão compartilhada é maior que os inconvenientes ou aborrecimentos causados aos demais. De modo geral, a inteligência (ou a vantagem prática) de tal comportamento, limita-se a um momento de bom humor, mas muito frequentemente provoca também efeitos mais importantes, gerando idéias e estimulando a cooperação, o que não seria possível em um ambiente tedioso.
Uma pessoa ridícula ou “maluca” pode ter uma extraordinária inteligência, enquanto uma pessoa “sisuda” pode ser bastante estúpida, em parte porque o pensamento criativo é, com frequência, visto como ridículo ou “maluco” pelas pessoas que não o entendem.
Isso nos remete ao importante tema da relevância do pensamento não linear (assim como a emoção e o humor) em todos os processos mentais e, em especial, no processo criativo. Para discutir esse assunto com clareza eu precisaria de muito mais espaço do que há disponível neste site. Permita-me dizer, porém, que a distinção entre o modo de pensar com a parte esquerda e o com a parte direita do cérebro pode ser interessante para experimentos clínicos, mas, ao meu ver, deveria ser evitada na observação do comportamento humano de modo geral. A razão é que a estrutura do ato de pensar não é tão simples assim, e, em todos os casos, os processos de percepção e de pensamento funcionam sempre juntos e são mais bem entendidos se vistos como um todo, e não como a soma das partes separadas.
Os Três Corolários
Pouco depois de ter lido sobre as Leis de Cipolla, elaborei o que em minha mente apareceu como o “Primeiro Corolário de Livraghi”. Então, me dei conta de que não poderia chamá-lo de “primeiro”, porque havia somente um. Entretanto, minha intuição inicial estava correcta. Descobri, depois, que existem pelo menos três. Aqui estão eles:
Primeiro Corolário:
Em cada um de nós há um factor de estupidez, que é sempre maior do que supomos.
(Esse eu expliquei em meu artigo original sobre “estupidez”)
Segundo Corolário
Quando combinadas, a estupidez de várias pessoas juntas cresce geometricamente, pela multiplicação – e não pela adição – dos factores individuais de estupidez.
Uma ideia geralmente aceita é que “a quantidade de possíveis interpretações entre membros de um grupo de pessoas aumenta proporcionalmente ao quadrado da quantidade de membros”, e parece muito óbvio que o mesmo critério se aplica à combinação dos factores individuais de estupidez. Isso pode ajudar a explicar o fato bem conhecido de que multidões como um todo são mais estúpidas do que um indivíduo isolado da multidão.
Terceiro Corolário:
A combinação da inteligência de várias pessoas tem um impacto menor que a combinação da estupidez, porque (Quarta Lei de Cipolla) as “pessoas não estúpidas sempre subestimam o poder de causar dano que as pessoas estúpidas têm”.
A estupidez não tem cérebro – não necessita pensar, organizar-se ou planejar para gerar um efeito combinado. A transferência e harmonização da inteligência é um processo muito mais complexo.
As pessoas estúpidas podem reunir-se instantaneamente em uma massa ou em um grupo super-estúpido, enquanto que as pessoas inteligentes só são efectivas em grupo quando se conhecem bem e têm experiência em trabalho de equipa. A criação de grupos bem sintonizados de pessoas que compartilhem a inteligência pode gerar forças anti-estupidez razoavelmente poderosas, mas (diferente da aglutinação de estupidez) essas pessoas necessitam planeamento organizado e acompanhamento; e podem perder grande parte de sua efectividade com a infiltração de pessoas estúpidas, ou pelo surgimento inesperado de estupidez em pessoas que agem de forma inteligente em qualquer outra actividade.
Em algumas situações, parte desses perigos podem ser evitados (se bem que não se pode controlá-los totalmente) por meio da concretização de que há um problema em potencial, antes que qualquer coisa de ruim aconteça, e também pelo cuidado de manter “inteligência de reserva” no grupo (ou em qualquer equipe em operação), para preencher as lacunas e corrigir os erros, antes que o dano seja sério demais. Qualquer bom capitão de veleiro sabe o que eu quero dizer, como também o sabe qualquer pessoa experiente em situações onde a relação causaríeis seja imediata, directa e tangível.
As comunidades com um elevado factor de inteligência têm provavelmente um maior potencial de sobrevivência a longo prazo. Mas, para que isso seja efectivo, deve-se evitar os mais imediatos e potencialmente devastadores impactos da estupidez compartilhada, que (infelizmente) pode causar danos substanciais a grande número de pessoas não estúpidas antes que se autodestrua.
Outro elemento perigoso na equação (como apontou Carlo Cipolla) é que a máquina do poder tende a colocar “bandidos inteligentes” na ponta da pirâmide (e algumas vezes mesmo “bandidos estúpidos”). Esses, por sua vez, tendem a favorecer e proteger a estupidez e manter a verdadeira inteligência fora de seu caminho tanto quanto possível. Esse é, creio, por si mesmo, um importante tema. Pode ser que algum dia eu faça algum comentário a respeito (Anos depois eu o fiz em “A Estupidez do Poder”).
A estupidez e a biologia
O “problema da estupidez” não existe em um ambiente biológico básico. O processo se baseia na produção de um número extremamente grande de mutantes “idiotas”. Pouquíssimos, apenas os mais bem “adaptados”, sobrevivem. É assim mesmo! Desse ponto de vista, o que vemos como uma catástrofe é tão-somente outra variação no curso “natural” dos eventos. Os botânicos entendem a destruição por incêndios como um passo necessário, de fato desejável, na evolução de uma floresta. As milhões de criaturas vivas que sucumbem no processo poderão não concordar, mas suas opiniões são irrelevantes.
Desse ponto de vista, as solução são simples e muito efectivas. Se há gente demais, tudo o que precisamos é de outra calamidade (ou qualquer mecanismo de matança que não interfira demais como o ambiente em sua totalidade) que possa aniquilar 90 porcento da população. Os dez por cento que sobrevivem, tão logo se refaçam do choque, provavelmente considerarão bastante aceitável o ambiente resultante. Provavelmente são também geneticamente semelhantes: compartilhando aspectos específicos de aparência e de atitude. Se todos têm cabelos verdes, ou olhos cor de rosa, e gostam de clima húmido, logo passam a considerar estranhos e inferiores os indivíduos extintos com qualquer outra cor de olhos e cabelos e os que gostam de clima seco e ensolarado, e então seus livros de história sobre a adaptação à humidade tratariam a maioria de nós como nós tratamos os Neandertais.
De uma perspectiva cósmica, a destruição ou esterilização de nosso planeta, pelo poderio nuclear (ou químico) criado pelo homem, ou pela colisão com algum meteoro errante, seria um detalhe irrelevante. Se isso acontecer antes do desenvolvimento das viagens espaciais e da colonização de outros planetas, o desaparecimento de nossa espécie (junto com o resto da biosfera terrestre) não causaria muita comoção, mesmo dentro de nossa galáxia.
Mas em um ambiente biológico especial onde certa espécie (tal como a nossa) se estabelece, o sistema é baseado na suposição de que o ambiente pode, e de fato deve, ser controlado; e que cada indivíduo em nossa espécie (e nas outras espécies que “protegemos”) é capaz de viver mais tempo, e mais prazenteiramente, do que seria possível em um ambiente não controlado. Isso requer uma categoria particular de “inteligência organizada”. Portanto, a estupidez, nessa fase e tipo de desenvolvimento biológico, é extremamente perigosa.
Como somos humanos, precisamos nos preocupar com isso.
A estupidez e o “milénio”
Poucas coisas neste mundo são previsíveis com tanta exactidão como o fim do Século Vinte. Ele ocorrerá exactamente às zero hora, zero minuto e zero segundo do dia primeiro de Janeiro, do ano 2001; e nós temos convenções que nos permitem acertar nossos relógios e cronómetros em cada um dos fusos horário, com a precisão desejada, seja para abrir uma garrafa de campanha, seja para utilizar um cronómetro sofisticado.
Mas há uma quantidade surpreendentemente grande de pessoas que pensam que o milénio terminará à meia-noite do dia 31 de Dezembro de 1999, quando, é óbvio, entraremos no ano dois mil. Mas, ainda estaremos no século vinte por mais um ano. Conheço muitas pessoas brilhantes e bem instruídas que só compreendem isso depois de um certo tempo. Coçam a cabeça e finalmente, apenas parcialmente convencidos, murmuram algo como “Hum, pode ser que você tenha razão. A acho que nunca houve um ano zero”.
Não é estúpido?
De acordo com a definição de Cipolla, não é; porque é improvável que cause algum dano maior. Pode até nos encorajar a recordar nossas aulas de aritmética, ou levar-nos a uma dupla celebração. Caso não provoque muitos acidentes, significaria apenas que as pessoas teriam diversão em dobro e que os comerciantes ganhariam o dobro de dinheiro. No final da história, os resultados poderiam ser inofensivos, ou até mesmo “inteligentes”.
Mas, há um problema que pode nos afectar muito gravemente, no final do ano de 1999: o acerto dos relógios nos sistemas computado rizados.
Ouvi muitos comentários bastante idiotas sobre este tema. Tais como: “Ha ha ha, meu computador Mac vai se ajustar ao ano 2000 e o teu PC não vai” – ou “Por que tanto barulho? O número 2000 não é problema para o relógio do meu computador”.
Parece quase impossível fazer com que a pessoas parem e pensem sobre implicações além daquelas que afectam o computador pessoal. Não quero entrar em detalhes técnicos – esse não é meu campo e o deixo aos peritos. Aqui há um link para uma análise mais minuciosa dos “mitos e verdades” e varias opiniões diferentes sobre essa matéria. Pode-se debater eternamente, mas o tempo está acabando.
Em todo caso, parece haver bastante software velho, tanto em grandes sistemas computado rizados como em dispositivos pequenos mas vitais, para que se constituam um problema sério para muitas pessoas que nada têm a ver com os computadores. Um amigo meu, que é um especialista muito competente e brilhante em processamento de dados disse: “Tua cafeteira automática, teu relógio despertador e teu videocassete provavelmente não terão problemas com as datas; teu computador pessoal poderá funcionar bem na mudança de século, com alguns pequenos ajustes, mas, apesar da companhia OTIS se recusar em aceitar responsabilidades, em alguns lugares do mundo tu deves tomar cuidado ao tomar um elevador no dia primeiro de Janeiro de 2000.”
Não creio que estamos indo ao juízo final. Suponho que nos próximos dois anos se encontrem soluções. Mas pense apenas um pouco sobre a seguinte hipótese: um sistema isolado, ou uma peça de equipamento, que não seja apropriadamente ajustado ou testado previamente, ou um controle de tráfico aéreo, ou um hospital, ou a mira automática de certo tipo de armamento – podemos realmente confiar que todas as pessoas envolvidas, em todos os cantos do planeta, farão suas tarefas adequadamente?
Não importa quão grande ou pequeno seja o problema, a estupidez faz parte de sua previsibilidade. O calendário Gregoriano foi estabelecido há 415 anos, muito antes que os artefactos modernos (electrónicos ou de qualquer outra índole) fossem concebidos. Como pode alguém, não importa há quanto tempo, construir um computador, software, ou qualquer coisa que contenha um programa de contagem de tempo, sem considerar que certamente apresentaria um problema, caso não tivesse a capacidade de computar anos com dígitos além de 99? A apenas dois anos do prazo final, ainda se discute como se livrar dessa confusão.
Poderíamos nos esquecer da electrónica e falar de muitas outras coisas. Por exemplo das pensões e aposentadorias. Em meu país (Itália) os programas de pensão são compulsórios e controlados pelo governo. Há algumas décadas já estava muito claro que a população envelheceria e criaria um sério problema. Ninguém fez nada a respeito. Muito pelo contrário, fizeram-se muitas coisas para agravar o problema: aposentadorias antecipadas, favores especiais a pessoas que não necessitavam nem mereciam etc. – em uma escala monstruosa. E agora estão discutindo sobre como resolver o problema.
O meio ambiente, a explosão demográfica, o uso da energia fóssil, a idiota rigidez hierárquica das organizações públicas e privadas (incluindo as escolas) em um mundo de crescente turbulência e complexidade; a “sociedade da informação”, o mundo ligado por redes informatizadas, tudo isso se constituindo em uma potencialmente poderosa ferramenta para os excluídos, mas conduzidos pelos desnecessariamente privilegiados na direcção oposta.
São cegos conduzindo cegos, a estupidez está dirigindo o mundo. Para qualquer um que nos veja a partir do espaço exterior, poderia ser extremamente engraçado. Mas de alguma forma não me faz rir.
A estupidez do poder Terceira parte de “O poder da estupidez”
Por Giancarlo Livraghi
Eu escrevi o primeiro esboço desse texto em Outubro de 1997. Por quatro anos e meio ele ficou incompleto. À época, eu enfrentava um problema semelhante ao de Walter Pitkin, quando ele, em 1934, publicou sua “Introdução à História da Estupidez Humana”. (ver a primeira parte de “O poder da estupidez”).
Toda vez que eu trabalhava no texto lembrava-me de vários exemplos de Estupidez do Poder, tanto nos acontecimentos do dia a dia quanto na historia, recente e antiga. Focalizar em qualquer desses acontecimentos significava mergulhar na assombrosa complicação de eventos trágicos e graves – ou nas circunstâncias que provavelmente levarão a desastres futuros e que não estão sendo efectivamente administradas – coisas complexas demais para ser discutidas em um pequeno artigo como este.
Assim, decidi esquecer os exemplos e os fatos e ficar apenas com a teoria geral, a qual, espero, seja basicamente clara e simples – embora, infelizmente, não ofereça nenhuma solução específica.
A essência da estupidologia é a tentativa de explicar por que razão as coisas não funcionam – e em que medida isso se deve à estupidez humana, que é a causa da maioria de nossos problemas. Mesmo quando a causa não é a estupidez, fazemos com que as consequências sejam piores, pela estupidez da forma como reagimos e como tentamos solucionar o problema.
Fundamentalmente, essa análise é um diagnóstico, não uma terapia. A ideia é que, se entendemos como funciona a estupidez, então somos capazes de controlar melhor os seus efeitos. É impossível derrota-la de vez, porque faz parte da natureza humana, mas seus efeitos podem ser significativamente reduzidos, se soubermos que ela existe, entendermos como ela funciona e, assim, não sermos pegos de surpresa.
Já discutimos esse ponto, de forma restrita, em “O Poder da Estupidez”. (Como todos os estupidólogos sabem, o assunto é tão vasto que breves comentários podem apenas tocá-lo superficialmente. (Mas se eu for capaz de preparar os leitores para pensar a respeito, essa seria a maior realização que eu poderia esperar).
A estupidez de um único ser humano já é um problema bastante grande. Porém, a situação muda de figura quando levamos em consideração a estupidez de pessoas que têm “poder”, isto é, o controle sobre o destino de outras pessoas.
Como nas duas primeiras partes, continuarei com a definição de Cipolla para estupidez, inteligência, etc. Mas há uma diferença fundamental quando o relacionamento não é entre iguais. Quando uma pessoa, ou um pequeno grupo de pessoas, pode influir na vida e no bem-estar de muitos outros, isso muda as relações de causa e efeito no sistema.
O “Grande” e o “pequeno” poder
O poder é omnipresente. Todos nós estamos sujeitos ao poder de outras pessoas e (excepto nos casos de escravidão extrema) todos exercemos poder sobre outras pessoas. Pessoalmente eu odeio a ideia, mas é parte da vida. Os pais têm (ou devem ter) poder sobre os filhos, mas os filhos têm muito poder sobre os pais, e frequentemente o exercem de forma cruel. Podemos “possuir” cães e gatos, cavalos ou hamsters, elefantes ou camelos, barcos ou automóveis, telefones ou computadores, mas frequentemente estamos sujeitos ao seu poder.
Seria complicado demais, ante o objectivo desse ensaio, entrar no intricado assunto das relações humanas. Dessa forma, eu me concentrarei no mais óbvio caso de poder: aquele em que alguém exerce o papel de autoridade sobre um grande (ou pequeno) número de pessoas.
Em tese, todos estamos dispostos a concordar que o poder deveria ser o mínimo possível, e que quem exerce o poder deveria estar sujeito ao controle das demais pessoas. A isso chamamos “democracia”, ou, nas organizações de: divisão de trabalho, colaboração, motivação, responsabilidade distribuída, compartilhando e delegação de poder – em contraposição à autoridade, burocracia, centralização ou disciplina formal.
Mas são poucas as pessoas que querem a verdadeira liberdade. A responsabilidade é uma carga pesada. É muito mais fácil ser “seguidor”. Deixar a tarefa de pensar e de ditar o ritmo aos mandatários, patrões, formadores de opinião, gurus de todo tipo, personalidades do “show business”, etc. – e culpá-los por nossa infelicidade.
Por outro lado, há um tipo especial de pessoas que tem prazer em exercer o poder. Essas prevalecem porque se esforçam, se sacrificam e se dedicam com a energia necessária para ter cada vez mais poder.
Devemos admitir que a teoria de Cipolla é aplicável: há tantos estúpidos no poder como no resto da humanidade, e eles são mais numerosos do que pensamos. Mas em duas coisas são diferentes: no relacionamento e na atitude.
O poder do poder
As pessoas no poder são mais poderosas que as outras. Isso não é tão óbvio quanto parece. Pode-se argumentar que nem sempre elas são. Há pessoas aparentemente poderosas com menos influência que outras muito menos visíveis. Por conveniência dessa discussão passaremos ao largo desse problema. Independentemente de como e por que o poder real é mantido e exercido, tratamos aqui do poder verdadeiro. Essa relação desequilibrada que resulta do fato que, em certas circunstâncias, alguns têm mais forte influência que outros – e nas muitas situações em que poucos podem fazer o bem ou o mal a muitos.
Uma definição fundamental na teoria de Cipolla é que o efeito do comportamento deve ser medido não pelo metro de quem faz alguma coisa (ou não faz o que deveria) mas pelo outro extremo: o ponto de vista de quem sofre os efeitos do ato daquele pessoa (ou de sua falta de acção). O resultado óbvio desse conceito básico é um drástico deslocamento no gráfico de Cipolla. O dano (ou vantagem) é muito maior, dependendo da quantidade de pessoas envolvidas e do impacto das acções e decisões.
Se uma pessoa em uma relação igualitária, consegue tantas vantagens pessoais quanto causa dano à outra, essa pessoa, na definição de Cipolla, é um “bandido perfeito”, enquanto que a outra é um “perfeito infeliz” – e o sistema, como um todo, está em equilíbrio. Obviamente não é assim, quando há uma diferença de poder.
Em tese, poderíamos admitir que enquanto a percentagem de pessoas inteligentes e estúpidas for a mesma, os efeitos do poder são equilibrados. Mas quando o poder atinge uma grande quantidade de pessoas, o relacionamento de um para um se perde. É muito mais difícil ouvir, entender e medir os efeitos e as percepções. Há um “efeito doppler”, um deslocamento, que leva ao aumento do factor de estupidez. Todos os estudos sérios sobre os sistemas de poder (embora não necessariamente baseados na noção de que o poder é estúpido) apontam a necessidade da separação de poderes e da formalização dos conflitos de poder, para evitar que isso não leve à violência, e a fim de evitar o “poder absoluto” (isto é, a extrema estupidez). Este problema é tão grave que todos devem ficar alerta para qualquer concentração exagerada de poder e buscar explicações para o fato de que tantas coisas não funcionam como deveriam. Porém, há mais.
A síndrome do poder
Como as pessoas adquirem poder? Às vezes, mesmo sem tentar. Essas pessoas são credenciadas porque outras pessoas confiam nelas. Elas têm liderança e senso de responsabilidade. É mais provável que este processo produza poder “inteligente” que não-inteligente: a situação na qual os líderes escolhidos fazem o bem a si mesmos e ainda mais aos outros. Algumas vezes isso leva ao sacrifício deliberado, quando pessoas causam dano a si mesmas pelo bem de outras (caso seja um ato intencional não deve ser considerado “infeliz”, por causa do bem-estar moral, incluindo aí a auto-percepção e a aprovação dos outros, obtidas pela pessoa que deliberadamente coloca o bem comum acima do interesse privado). Mas há menos exemplos de tal “poder inteligente” do que gostaríamos que houvesse. Por que?
A razão é que há competição pelo poder. As pessoas que não buscam o poder pelo poder, mas que estão mais concentradas em fazer o bem aos outros, têm menos tempo e energia para gastar na conquista do poder – ou mesmo para conservar o que já tem. As pessoas sedentas de poder se concentram na luta pelo poder, independentemente do impacto sobre a sociedade. A maior parte das pessoas estão em um ponto intermediário entre os dois extremos do espectro, com muitas e diferentes tonalidades e nuances. Mas o elemento obcecado pelo poder é mais agressivo no jogo do poder, e por isso adquire mais poder.
Mesmo pessoas que de início têm as mais generosas motivações podem ser forçadas, com o tempo, a dedicar mais energia para manter ou aumentar o poder – até que perdem de vista seus objectivos iniciais.
Outro elemento, que torna as coisas piores, é a megalomania. O poder é uma droga que vicia. As pessoas no poder são frequentemente levadas a acreditar que porque estão no poder são melhores, mais inteligentes e mais sábias que as pessoas comuns. Elas também estão cercadas de sicofantas, bajuladores e aproveitadores que reforçam essa ilusão.
O poder é “sexo”. Isso não é apenas um modo de dizer. Há um instinto na natureza de nossa espécie que torna as pessoas poderosas (ou que parecem ser) sexualmente atractivas, embora as pessoas no jogo do poder estejam, usualmente, muito ocupadas para ter qualquer sexo decente – ou para cuidar de emoções, afeição e amor.
As pessoas que têm ou buscam o poder são tão estúpidas, ou inteligentes, quanto uma pessoa mediana. Frequentemente ela são mais espertas, mais astutas e mais dissimuladas. Mas se seguimos a teoria de Cipolla – que mede a estupidez e a inteligência pelos efeitos do comportamento, não pela motivação ou pela técnica – o resultado é definitivamente um deslocamento, como o mostrado no gráfico, onde a flecha vermelha é o factor “P” (poder). Esse factor aumenta o factor “sigma” no sistema e há um deslocamento de “I” (inteligência) para “S” (estupidez).
Um leitor atento pode notar que a flecha está em um lado. Isso é explicado pelo fato que poucas pessoas (aquelas no poder em seu círculo) ganhem alguma vantagem – e portanto o deslocamento não vai do centro da área “I” ao centro da “S”, mas tende a ir do sector “Ib” (bandidos inteligentes) para o “Sb” (bandidos estúpidos).
Um pouco mais de gráficos, mostrando outros possíveis desenvolvimentos estão incluídos no nota de rodapé como um arquivo separado.
A busca do poder aumenta o factor de estupidez. O impacto pode ser relativamente grande ou pequeno, dependendo da quantidade de poder (a importância das questões influenciadas pelo poder e a quantidade de pessoas sujeitas aos seus efeitos) e da intensidade da competição.
Essa é a mais relevante, se não a única, excepção à segunda lei de Cipolla. A frase “a probabilidade de que uma pessoa seja estúpida é independente de qualquer outra característica dessa pessoa” permanece verdadeira. Mas o poder, como sistema, é muito mais estúpido do que uma simples e ordinária pessoa pode ser.
O problema é que o poder pode ser limitado, controlado, escrutinado e condicionado – mas não pode ser eliminado totalmente. A humanidade precisa de líderes. As organizações necessitam de pessoas que assumam responsabilidades, e essas pessoas devem ter algum poder para desempenhar seu papel.
Então, temos de viver com o poder – e sua estupidez. Mas isso não significa que devamos aceitá-lo, tolerá-lo ou apoia-lo. O poder não deve ser admirado, acreditado e mesmo respeitado a menos que demonstre inteligência prática no que faz para nós e para o mundo. Até onde eu posso ver, não há uma solução “universal” ou padronizada para esse problema. Mas estaremos na metade do caminho se estivermos conscientes de sua existência – e si nunca nos deixarmos ser enganados ou seduzidos pelo enganador brilho do poder.
Um antídoto eficaz contra a estupidez do poder é a habilidade,que algumas pessoas têm, de fazer com que as coisas funcionemsem assumir uma posição de poder.Como foi explicado numa maravilhosa e pequena historiaescrita há setenta anos que se chama Brown’s Job.
http://www.gandalf.it/stupid/portug.htm
Por Giancarlo LivraghiVersão de Maranhão Barros
Geralmente tendemos a culpar a perversidade intencional, a malícia astuta, a megalomania, e outros defeitos morais pelas más decisões. Tudo isso conta, é claro, mas qualquer estudo cuidadoso da história, ou dos fatos, leva à conclusão invariável de que a maior fonte de terríveis erros é puramente a estupidez. Quando ela combina com outros factores (como acontece amiúde) os resultados podem ser devastadores.
Um dos muitos exemplos de estupidez é o uso da intriga e do poder de manipulação no que se chama de “comportamento maquiavélico”. Obviamente, ninguém leu os livros de Maquiavel, e não é isso o que o velho Niccolò quis dar a entender.
Outro facto que me surpreende (ou não) é o escasso material dedicado ao estudo de um tema tão importante como esse. Existem nas universidades departamentos para analisar as complexidades matemáticas, os movimentos das formigas do Amazonas, a história medieval da ilha de Perima, mas nunca soube de uma Fundação ou Conselho Consultivo que dê apoio aos estudos da Estupidologia.
Encontrei pouquíssimos bons livros sobre o tema. Um que li quando era adolescente, e do qual nunca me esqueci, se chama Uma Breve Introdução à História da Estupidez Humana de Walter B. Pitkin, da Universidade de Columbia, publicado em 1934. Encontrei-o por acidente faz muitos anos, quando estava mexendo nas estantes de livros de minha mãe. Fiquei muito contente, quando fui a casa dela ontem para buscá-lo. Ele ainda estava lá. Assim, velho como é, ainda é um livro muito bom. Algumas das observações do Professor Pitkin parecem extraordinariamente correctas, sessenta anos depois.
Mas, por que o autor chama de “uma breve introdução” a um livro de 300 páginas? Ao final do livro, diz: Epílogo: agora estamos prontos para começar a estudar a Historia da Estupidez. E nada se segue.
O Professor Pitkin foi um homem muito sensato. Sabia que toda uma vida era muito pouco tempo para cobrir ainda que um fragmento de tão vasto tema. Assim, publicou a Introdução, e isso foi tudo.
Pitkin estava muito consciente da carência de trabalhos prévios sobre o assunto. Ele tinha à sua disposição uma equipe de investigadores a qual pôs a realizar pesquisas nos arquivos da Biblioteca Central de Nova York. Nada encontraram. Segundo Pitkin, havia somente dois livros sobre a matéria: Aus der Geschite der menschlichen Dummheit de Max Kemmerich, e Über Dummheit de Lewenfeld. Infelizmente não entendo alemão, apesar de “Dummheit ” me parecer suficientemente claro; e creio que Kemmerich e Lewenfeld tiveram abundância especial de material para seus estudos, levando em conta o que aconteceu na Alemanha em 1933 e nos anos seguintes.
Na opinião de Pitkin, quatro de cada cinco pessoas tem quociente de estupidez suficientemente grande para ser chamadas “estúpidas”. Isso equivaleria a quinhentos milhões de pessoas, à época que ele escreveu o livro; agora são mais de quatro bilhões. Esse número por si já é bastante estupidez.
Ele observou que um dos problemas da Estupidez é que ninguém tem uma definição realmente boa. De fato, os génios são amiúde considerados estúpidos por uma maioria estúpida (apesar que ninguém tem, tampouco, uma boa definição de genialidade). Mas a estupidez definitivamente existe, e há muito mais dela do que sugerem nossos mais terríveis pesadelos. De fato ela domina o mundo – o que é claramente comprovado pela forma com que ele é governado.
Porém, cinquenta anos depois, alguém chegou com uma definição bastante interessante. Seu nome é Carlo M. Cipolla, Professor Emérito de Historia Económica em Berkeley. Todos seus livros foram publicados em inglês, excepto três. O primeiro foi publicado por “Il Mulino” em Bolonha em 1988.
Nesse livro há um pequeno ensaio intitulado As Leis Básicas da Estupidez Humana, que talvez seja o melhor de tudo que já foi escrito sobre a matéria.
As Cinco Leis da Estupidez, segundo Carlo Cipolla, são as seguintes:
Primeira Lei: Sempre subestimamos o número de pessoas estúpidas.
Isto não é tão obvio como parece, diz Cipolla, porque:
a) Pessoas que pensávamos ser racionais e inteligentes, de repente mostram-se estúpidas sem dar margem a dúvidas; e
b) Dia após dia somos afretados em tudo que fazemos por gente estúpida que invariavelmente aparece nos lugares menos apropriados.
Ele também observa que é impossível estabelecer uma percentagem, já que qualquer número que escolhamos será pequeno demais.
Segunda Lei: A probabilidade de que uma pessoa seja estúpida é independente de qualquer outra característica de sua personalidade.
Se estudamos a frequência da estupidez nas pessoas que limpam as salas de aula depois que os alunos se foram e nos professores, verificaremos que nestes últimos ela é muito más alta do que esperávamos. Poderíamos supor que ela está relacionada ao baixo nível de educação, ou ao fato de que as pessoas não estúpidas têm melhores oportunidades de conseguir bons empregos. Mas quando analisamos os estudantes ou os professores universitários (ou, adicionaria eu, os programadores de computador) a distribuição de estupidez é exactamente a mesma.
As militantes feministas podem exultar-se, disse Cipolla, mas o quociente de estupidez é o mesmo em ambos os géneros (ou em tantos géneros ou sexos você decida considerar). Não há nenhuma diferença no factor de estupidez, seguindo Cipolla, quando são comparadas as raças, a condição étnica, a educação etc.
Terceira Lei (a de Ouro): Uma pessoa estúpida é alguém que ocasiona dano a outra pessoa, ou a um grupo de pessoas, sem conseguir vantagem para si, ou mesmo com prejuízo próprio.
(Voltaremos a essa Lei, porque é o conceito central da Teoria de Cipolla)
Quarta Lei: As pessoas não estúpidas sempre subestimam o poder de causar dano das pessoas estúpidas. Constantemente elas se esquecem que em qualquer momento, e sob qualquer circunstância, associar-se com gente estúpida invariavelmente constitui-se em erro com prejuízo.
Isso sugere (diria eu) que as pessoas não estúpidas são assim mesmo um pouco estúpidas – mas voltarei a esse ponto ao final.
Quinta Lei: A pessoa mais perigosa que pode existir é a estúpida.
De todas as Leis, essa é provavelmente a mais facilmente entendida, si bem que somente porque é do conhecimento comum que as pessoas inteligentes, sem importar quão hostis elas sejam, são previsíveis, enquanto que as pessoas estúpidas não o são. Ademais, seu corolário básico: Uma pessoa estúpida é más perigosa que um bandido, nos conduz à parte medular da Teoria de Cipolla.
Existem quatro tipos de pessoas, disse ele, dependendo de seu comportamento em uma transacção:
O Infeliz (ou desesperado): alguém cujas acções geram prejuízo próprio, mas que também criam vantagens para outros.
O Inteligente: alguém cujas acções geram vantagens, igualmente para si e para os outros.
O Bandido: alguém cujas acções geram vantagens para si, ao mesmo tempo que causam danos a outros.
O Estúpido: já temos esta definição na Terceira Lei.
O Professor Cipolla usa um gráfico onde:
:
I = inteligente
S = estúpido (do inglês stupid)
H = infeliz (do inglês hapless)
B = bandido
O eixo dos X’;s mede as vantagens ara si obtidas pelas acções de alguém.
O eixo dos Y’s mede as vantagens de outra pessoa (ou grupo).
Obviamente, as pessoas da região “I” são inteligentes, as pessoas da região “B” são bandidas, pessoas da zona “H” são desafortunadas ou azaradas, e pessoas da região “S” são estúpidas.
Também é bastante claro que, dependendo da localização no gráfico, a pessoa tenderá a um maior ou menor quociente de estupidez, inteligência, banditismo, etc. Pode-se desenvolver uma grande variedade de combinações, tais como as de bandidos espertos e bandidos estúpidos, dependendo da razão vantagem/prejuízo. (a quantidade de prejuízo, observa Cipolla, deverá ser medida pela perspectiva da vítima, não pela do bandido, o que faz com que a maioria dos ladrões e criminosos sejam considerados bastante estúpidos).
Suponho que daqui por diante cada um de nós possa utilizar este gráfico para estudar a estupidez e aplicar a Teoria de Cipolla em todas as suas múltiplas variantes possíveis.
Mas isso não é ainda o final de a história.
Se traçamos uma linha diagonal através do gráfico, resulta que toda a zona que se encontra do lado superior direito corresponde a uma melhora no equilíbrio global do sistema, enquanto que os eventos (e as pessoas) do outro lado estão relacionadas a uma deterioração.
Ao estudar as variáveis em cada um dos quatros sectores, pode-se fazer vários tipos de combinação, tais como: Sh e Sb, Ib e Ih, Hs e Hi, ou dividir o gráfico na quantidade de subsectores que quiser.
Por exemplo, a linha “M” no lado inferior direito do gráfico, indica a posição do “bandido perfeito”: alguém que ocasiona exactamente tanto dano aos outros quanta vantagem para si. Obviamente, em ambos os lados da diagonal temos situações de bandidos “imperfeitos” – Bi corresponde a os “bandidos inteligentes” e Bs a “bandidos estúpidos”.
Em um mundo povoado exclusivamente por “bandidos perfeitos”, o sistema como um todo ficaria equilibrado; os danos e as vantagens se cancelariam mutuamente. O mesmo efeito ocorreria em um mundo povoado exclusivamente por pessoas “perfeitamente azaradas”.
É óbvio que as pessoas inteligentes são as que mais contribuem para a sociedade como um todo. Mas, por mais triste que possa parecer, os bandidos inteligentes também contribuem para uma melhora no equilíbrio da sociedade, pois provocam globalmente mais vantagens que danos. As pessoas “infelizes-inteligentes”, apesar de perdedoras individualmente, perdem também ter efeitos sociais positivos.
Sem dúvidas, apenas quando a estupidez entra em cena, é que o dano é consideravelmente maior que o beneficio para qualquer pessoa.
Isso comprova o ponto de vista inicial: o único factor perigoso em qualquer sociedade humana é a estupidez.
Como um historiador, Cipolla chama a atenção para o seguinte: se o factor de estupidez é constante através do tempo e do espaço, uma sociedade forte em ascensão tem uma percentagem maior de gente inteligente, enquanto que uma sociedade que declina tem uma alarmante percentagem de bandidos, um forte quociente de estupidez (sub-área Bs no gráfico) entre as pessoas em posição de poder, e uma igualmente alarmante percentagem de Infelizes (área H) entre aqueles que não estão no poder.
Onde estamos agora? Essa é uma boa pergunta!
Cipolla também observa que as pessoas inteligentes geralmente sabem que o são; os bandidos também estão conscientes de sua condição, e mesmo as pessoas azaradas têm uma suspeita de que não estão bem. Mas as pessoas estúpidas não sabem que são estúpidas, e esta é uma razão a mais por que são extremamente perigosas.
Isso me remete, é claro, a dolorosa pergunta inicial: serei eu estúpido?
Tenho passado por vários testes de quociente de inteligência e conseguido boas qualificações. Infelizmente sei como funcionam esses testes e sei que não provam nada.
Várias pessoas me dizem que sou inteligente. Mas isso tampouco serve de prova para qualquer coisa. Talvez essas pessoas me tenham demasiada consideração para dizer a verdade. Por outro lado, elas poderiam estar usando minha estupidez para seus próprios fins. Ou, poderiam simplesmente ser tão estúpidas quanto eu.
Tenho, porém, um pequeno resquício de esperança: frequentemente estou completamente consciente do quanto eu sou estúpido (ou tenho sido). E isso indica que não sou completamente estúpido.
Em algumas ocasiões, procurei localizar-me no gráfico de Cipolla, utilizando como termómetro, tanto quanto possível, resultados mensuráveis de minhas acções, em vez de opiniões. Dependendo da situação, parece que me situo ao redor do lado superior do gráfico, entre as áreas Ds e Ib; mas em alguns casos fico desesperadamente perdido em Sh. Nem sempre consigo ficar localizado no lado direito da diagonal com a frequência que desejo.
Em uma escala maior, a expectativa é que os factores mais fortes de êxito se localizem nos subsectores Ib e Bi. Entretanto, a enorme quantidade de pessoas Sb e mesmo Sh que fizeram carreiras maravilhosas só pode ser explicado por um forte desejo de parte de muitos líderes de estar rodeados de tantas pessoas estúpidas quanto possível.
Quando li o livro, gostei tanto que escrevi uma carta a Carlo Cipolla. (Fiz esse tipo de coisa apenas duas vezes em minha vida). Para minha surpresa, ele me respondeu, de modo breve mas amável.
Eu lhe fiz duas perguntas:
A. “Posso ter o texto inédito da versão em inglês, para meus amigos de fala inglesa?”
A resposta foi não. (Não disse porquê, mas tenho uma suspeita).
B. “Que pensa do meu ’corolários a sua Teoria?”
Nesse caso a resposta foi, “Bem... porquê não? talvez...” – que interpretei como uma entusiástica aprovação e adesão ao:
Corolário de Livraghi à Primeira Lei de Cipolla: cada um de nós tem um quociente de estupidez, que é sempre maior do que supomos.
Isso leva a um gráfico tridimensional, e não acho que deva mostrá-lo a você, porque nenhuma pessoa estúpida teria a coragem de ler até esse ponto.
Obviamente, pode-se introduzir outras variáveis, tais como os próprios quocientes H e B, e os quocientes S, H e B de outras pessoas. Ou talvez seja sensato esquecê-los, já que nunca são suficientes; não obstante, pode-se considerar o factor B, porque mesmo a mais generosa das pessoas pode comportar-se algumas vezes como um bandido, ainda que por erro. Esses factores adicionais geram modelos multidimensionais que podem se tornar um tanto difíceis de manejar. Porém, mesmo que consideramos somente nossos valores individuais no quociente de estupidez, a complexidade pode ser enorme.
Tente. E assuste-se de verdade.
O Poder da EstupidezSegunda parte
Por Giancarlo Livraghi
Depois de quinze meses, meu pequeno ensaio sobre a estupidez parece estar em pleno vigor na rede. Ele está sendo reproduzido e citado em vários textos e eu estou recebendo e-mails de várias partes do mundo. O diálogo que se seguiu à divulgação me levou a descobrir pessoas muito interessantes, e também alguns sites que eu ainda não conhecia.
Várias perguntas e comentários me levaram a pensar mais um pouco sobre este intrigante e aterrador tema. Aqui está o “humilde resultado” dessas reflexões.
É “certa” a definição de Cipolla?
Nos primeiros passos de minha aprendizagem, tive a sorte e a satisfação de contar com mestres que me ensinaram alguns princípios que, apesar dos muitos anos, ainda permanecem firmes em minha mente.
Um desses princípios filosóficos é que não há essa coisa chamada verdade “absoluta” . Uma teoria “verdadeira” é simplesmente a mais conveniente diante das circunstâncias, é aquela que melhor explica e interpreta o que estamos estudando.
Não sei qual é a definição categórica de estupidez, aquela que não se pode contestar – ou mesmo se existe uma que faça sentido. Não sei tampouco de qualquer definição de inteligência realmente adequada.
A beleza da definição de estupidez (ou inteligência) de Carlo Cipolla (creio) é que ela não se funda em conceitos abstractos, mas em resultados: uma pessoa ou um comportamento é estúpido ou inteligente dependendo do que aconteça. Isso traz duas vantagens. A primeira é que define uma pessoa (e o comportamento dela) como estúpida (ou inteligente, infeliz ou bandida) com base nos fatos – ou pelo menos com base no nosso entendimento e definição dos fatos. A segunda, porém de maior importância, é que focaliza o factor essencial: não a estupidez por si mesma, mas os danos que ela causa.
Talvez existam inúmeros tipos de comportamento que são – ou parecem ser – “estúpidos”, mas que são inofensivos. Eles estão localizados próximo a linha neutra do gráfico de Cipolla – e de fato pertencem a essa categoria.
Por exemplo: participar de uma diversão com amigos e rir alto pode parecer “estúpido” aos olhos dos outros, mas, de acordo com a Teoria de Cipolla, tal comportamento é provavelmente classificado como “inteligente”. E de fato é, vez que a alegria da diversão compartilhada é maior que os inconvenientes ou aborrecimentos causados aos demais. De modo geral, a inteligência (ou a vantagem prática) de tal comportamento, limita-se a um momento de bom humor, mas muito frequentemente provoca também efeitos mais importantes, gerando idéias e estimulando a cooperação, o que não seria possível em um ambiente tedioso.
Uma pessoa ridícula ou “maluca” pode ter uma extraordinária inteligência, enquanto uma pessoa “sisuda” pode ser bastante estúpida, em parte porque o pensamento criativo é, com frequência, visto como ridículo ou “maluco” pelas pessoas que não o entendem.
Isso nos remete ao importante tema da relevância do pensamento não linear (assim como a emoção e o humor) em todos os processos mentais e, em especial, no processo criativo. Para discutir esse assunto com clareza eu precisaria de muito mais espaço do que há disponível neste site. Permita-me dizer, porém, que a distinção entre o modo de pensar com a parte esquerda e o com a parte direita do cérebro pode ser interessante para experimentos clínicos, mas, ao meu ver, deveria ser evitada na observação do comportamento humano de modo geral. A razão é que a estrutura do ato de pensar não é tão simples assim, e, em todos os casos, os processos de percepção e de pensamento funcionam sempre juntos e são mais bem entendidos se vistos como um todo, e não como a soma das partes separadas.
Os Três Corolários
Pouco depois de ter lido sobre as Leis de Cipolla, elaborei o que em minha mente apareceu como o “Primeiro Corolário de Livraghi”. Então, me dei conta de que não poderia chamá-lo de “primeiro”, porque havia somente um. Entretanto, minha intuição inicial estava correcta. Descobri, depois, que existem pelo menos três. Aqui estão eles:
Primeiro Corolário:
Em cada um de nós há um factor de estupidez, que é sempre maior do que supomos.
(Esse eu expliquei em meu artigo original sobre “estupidez”)
Segundo Corolário
Quando combinadas, a estupidez de várias pessoas juntas cresce geometricamente, pela multiplicação – e não pela adição – dos factores individuais de estupidez.
Uma ideia geralmente aceita é que “a quantidade de possíveis interpretações entre membros de um grupo de pessoas aumenta proporcionalmente ao quadrado da quantidade de membros”, e parece muito óbvio que o mesmo critério se aplica à combinação dos factores individuais de estupidez. Isso pode ajudar a explicar o fato bem conhecido de que multidões como um todo são mais estúpidas do que um indivíduo isolado da multidão.
Terceiro Corolário:
A combinação da inteligência de várias pessoas tem um impacto menor que a combinação da estupidez, porque (Quarta Lei de Cipolla) as “pessoas não estúpidas sempre subestimam o poder de causar dano que as pessoas estúpidas têm”.
A estupidez não tem cérebro – não necessita pensar, organizar-se ou planejar para gerar um efeito combinado. A transferência e harmonização da inteligência é um processo muito mais complexo.
As pessoas estúpidas podem reunir-se instantaneamente em uma massa ou em um grupo super-estúpido, enquanto que as pessoas inteligentes só são efectivas em grupo quando se conhecem bem e têm experiência em trabalho de equipa. A criação de grupos bem sintonizados de pessoas que compartilhem a inteligência pode gerar forças anti-estupidez razoavelmente poderosas, mas (diferente da aglutinação de estupidez) essas pessoas necessitam planeamento organizado e acompanhamento; e podem perder grande parte de sua efectividade com a infiltração de pessoas estúpidas, ou pelo surgimento inesperado de estupidez em pessoas que agem de forma inteligente em qualquer outra actividade.
Em algumas situações, parte desses perigos podem ser evitados (se bem que não se pode controlá-los totalmente) por meio da concretização de que há um problema em potencial, antes que qualquer coisa de ruim aconteça, e também pelo cuidado de manter “inteligência de reserva” no grupo (ou em qualquer equipe em operação), para preencher as lacunas e corrigir os erros, antes que o dano seja sério demais. Qualquer bom capitão de veleiro sabe o que eu quero dizer, como também o sabe qualquer pessoa experiente em situações onde a relação causaríeis seja imediata, directa e tangível.
As comunidades com um elevado factor de inteligência têm provavelmente um maior potencial de sobrevivência a longo prazo. Mas, para que isso seja efectivo, deve-se evitar os mais imediatos e potencialmente devastadores impactos da estupidez compartilhada, que (infelizmente) pode causar danos substanciais a grande número de pessoas não estúpidas antes que se autodestrua.
Outro elemento perigoso na equação (como apontou Carlo Cipolla) é que a máquina do poder tende a colocar “bandidos inteligentes” na ponta da pirâmide (e algumas vezes mesmo “bandidos estúpidos”). Esses, por sua vez, tendem a favorecer e proteger a estupidez e manter a verdadeira inteligência fora de seu caminho tanto quanto possível. Esse é, creio, por si mesmo, um importante tema. Pode ser que algum dia eu faça algum comentário a respeito (Anos depois eu o fiz em “A Estupidez do Poder”).
A estupidez e a biologia
O “problema da estupidez” não existe em um ambiente biológico básico. O processo se baseia na produção de um número extremamente grande de mutantes “idiotas”. Pouquíssimos, apenas os mais bem “adaptados”, sobrevivem. É assim mesmo! Desse ponto de vista, o que vemos como uma catástrofe é tão-somente outra variação no curso “natural” dos eventos. Os botânicos entendem a destruição por incêndios como um passo necessário, de fato desejável, na evolução de uma floresta. As milhões de criaturas vivas que sucumbem no processo poderão não concordar, mas suas opiniões são irrelevantes.
Desse ponto de vista, as solução são simples e muito efectivas. Se há gente demais, tudo o que precisamos é de outra calamidade (ou qualquer mecanismo de matança que não interfira demais como o ambiente em sua totalidade) que possa aniquilar 90 porcento da população. Os dez por cento que sobrevivem, tão logo se refaçam do choque, provavelmente considerarão bastante aceitável o ambiente resultante. Provavelmente são também geneticamente semelhantes: compartilhando aspectos específicos de aparência e de atitude. Se todos têm cabelos verdes, ou olhos cor de rosa, e gostam de clima húmido, logo passam a considerar estranhos e inferiores os indivíduos extintos com qualquer outra cor de olhos e cabelos e os que gostam de clima seco e ensolarado, e então seus livros de história sobre a adaptação à humidade tratariam a maioria de nós como nós tratamos os Neandertais.
De uma perspectiva cósmica, a destruição ou esterilização de nosso planeta, pelo poderio nuclear (ou químico) criado pelo homem, ou pela colisão com algum meteoro errante, seria um detalhe irrelevante. Se isso acontecer antes do desenvolvimento das viagens espaciais e da colonização de outros planetas, o desaparecimento de nossa espécie (junto com o resto da biosfera terrestre) não causaria muita comoção, mesmo dentro de nossa galáxia.
Mas em um ambiente biológico especial onde certa espécie (tal como a nossa) se estabelece, o sistema é baseado na suposição de que o ambiente pode, e de fato deve, ser controlado; e que cada indivíduo em nossa espécie (e nas outras espécies que “protegemos”) é capaz de viver mais tempo, e mais prazenteiramente, do que seria possível em um ambiente não controlado. Isso requer uma categoria particular de “inteligência organizada”. Portanto, a estupidez, nessa fase e tipo de desenvolvimento biológico, é extremamente perigosa.
Como somos humanos, precisamos nos preocupar com isso.
A estupidez e o “milénio”
Poucas coisas neste mundo são previsíveis com tanta exactidão como o fim do Século Vinte. Ele ocorrerá exactamente às zero hora, zero minuto e zero segundo do dia primeiro de Janeiro, do ano 2001; e nós temos convenções que nos permitem acertar nossos relógios e cronómetros em cada um dos fusos horário, com a precisão desejada, seja para abrir uma garrafa de campanha, seja para utilizar um cronómetro sofisticado.
Mas há uma quantidade surpreendentemente grande de pessoas que pensam que o milénio terminará à meia-noite do dia 31 de Dezembro de 1999, quando, é óbvio, entraremos no ano dois mil. Mas, ainda estaremos no século vinte por mais um ano. Conheço muitas pessoas brilhantes e bem instruídas que só compreendem isso depois de um certo tempo. Coçam a cabeça e finalmente, apenas parcialmente convencidos, murmuram algo como “Hum, pode ser que você tenha razão. A acho que nunca houve um ano zero”.
Não é estúpido?
De acordo com a definição de Cipolla, não é; porque é improvável que cause algum dano maior. Pode até nos encorajar a recordar nossas aulas de aritmética, ou levar-nos a uma dupla celebração. Caso não provoque muitos acidentes, significaria apenas que as pessoas teriam diversão em dobro e que os comerciantes ganhariam o dobro de dinheiro. No final da história, os resultados poderiam ser inofensivos, ou até mesmo “inteligentes”.
Mas, há um problema que pode nos afectar muito gravemente, no final do ano de 1999: o acerto dos relógios nos sistemas computado rizados.
Ouvi muitos comentários bastante idiotas sobre este tema. Tais como: “Ha ha ha, meu computador Mac vai se ajustar ao ano 2000 e o teu PC não vai” – ou “Por que tanto barulho? O número 2000 não é problema para o relógio do meu computador”.
Parece quase impossível fazer com que a pessoas parem e pensem sobre implicações além daquelas que afectam o computador pessoal. Não quero entrar em detalhes técnicos – esse não é meu campo e o deixo aos peritos. Aqui há um link para uma análise mais minuciosa dos “mitos e verdades” e varias opiniões diferentes sobre essa matéria. Pode-se debater eternamente, mas o tempo está acabando.
Em todo caso, parece haver bastante software velho, tanto em grandes sistemas computado rizados como em dispositivos pequenos mas vitais, para que se constituam um problema sério para muitas pessoas que nada têm a ver com os computadores. Um amigo meu, que é um especialista muito competente e brilhante em processamento de dados disse: “Tua cafeteira automática, teu relógio despertador e teu videocassete provavelmente não terão problemas com as datas; teu computador pessoal poderá funcionar bem na mudança de século, com alguns pequenos ajustes, mas, apesar da companhia OTIS se recusar em aceitar responsabilidades, em alguns lugares do mundo tu deves tomar cuidado ao tomar um elevador no dia primeiro de Janeiro de 2000.”
Não creio que estamos indo ao juízo final. Suponho que nos próximos dois anos se encontrem soluções. Mas pense apenas um pouco sobre a seguinte hipótese: um sistema isolado, ou uma peça de equipamento, que não seja apropriadamente ajustado ou testado previamente, ou um controle de tráfico aéreo, ou um hospital, ou a mira automática de certo tipo de armamento – podemos realmente confiar que todas as pessoas envolvidas, em todos os cantos do planeta, farão suas tarefas adequadamente?
Não importa quão grande ou pequeno seja o problema, a estupidez faz parte de sua previsibilidade. O calendário Gregoriano foi estabelecido há 415 anos, muito antes que os artefactos modernos (electrónicos ou de qualquer outra índole) fossem concebidos. Como pode alguém, não importa há quanto tempo, construir um computador, software, ou qualquer coisa que contenha um programa de contagem de tempo, sem considerar que certamente apresentaria um problema, caso não tivesse a capacidade de computar anos com dígitos além de 99? A apenas dois anos do prazo final, ainda se discute como se livrar dessa confusão.
Poderíamos nos esquecer da electrónica e falar de muitas outras coisas. Por exemplo das pensões e aposentadorias. Em meu país (Itália) os programas de pensão são compulsórios e controlados pelo governo. Há algumas décadas já estava muito claro que a população envelheceria e criaria um sério problema. Ninguém fez nada a respeito. Muito pelo contrário, fizeram-se muitas coisas para agravar o problema: aposentadorias antecipadas, favores especiais a pessoas que não necessitavam nem mereciam etc. – em uma escala monstruosa. E agora estão discutindo sobre como resolver o problema.
O meio ambiente, a explosão demográfica, o uso da energia fóssil, a idiota rigidez hierárquica das organizações públicas e privadas (incluindo as escolas) em um mundo de crescente turbulência e complexidade; a “sociedade da informação”, o mundo ligado por redes informatizadas, tudo isso se constituindo em uma potencialmente poderosa ferramenta para os excluídos, mas conduzidos pelos desnecessariamente privilegiados na direcção oposta.
São cegos conduzindo cegos, a estupidez está dirigindo o mundo. Para qualquer um que nos veja a partir do espaço exterior, poderia ser extremamente engraçado. Mas de alguma forma não me faz rir.
A estupidez do poder Terceira parte de “O poder da estupidez”
Por Giancarlo Livraghi
Eu escrevi o primeiro esboço desse texto em Outubro de 1997. Por quatro anos e meio ele ficou incompleto. À época, eu enfrentava um problema semelhante ao de Walter Pitkin, quando ele, em 1934, publicou sua “Introdução à História da Estupidez Humana”. (ver a primeira parte de “O poder da estupidez”).
Toda vez que eu trabalhava no texto lembrava-me de vários exemplos de Estupidez do Poder, tanto nos acontecimentos do dia a dia quanto na historia, recente e antiga. Focalizar em qualquer desses acontecimentos significava mergulhar na assombrosa complicação de eventos trágicos e graves – ou nas circunstâncias que provavelmente levarão a desastres futuros e que não estão sendo efectivamente administradas – coisas complexas demais para ser discutidas em um pequeno artigo como este.
Assim, decidi esquecer os exemplos e os fatos e ficar apenas com a teoria geral, a qual, espero, seja basicamente clara e simples – embora, infelizmente, não ofereça nenhuma solução específica.
A essência da estupidologia é a tentativa de explicar por que razão as coisas não funcionam – e em que medida isso se deve à estupidez humana, que é a causa da maioria de nossos problemas. Mesmo quando a causa não é a estupidez, fazemos com que as consequências sejam piores, pela estupidez da forma como reagimos e como tentamos solucionar o problema.
Fundamentalmente, essa análise é um diagnóstico, não uma terapia. A ideia é que, se entendemos como funciona a estupidez, então somos capazes de controlar melhor os seus efeitos. É impossível derrota-la de vez, porque faz parte da natureza humana, mas seus efeitos podem ser significativamente reduzidos, se soubermos que ela existe, entendermos como ela funciona e, assim, não sermos pegos de surpresa.
Já discutimos esse ponto, de forma restrita, em “O Poder da Estupidez”. (Como todos os estupidólogos sabem, o assunto é tão vasto que breves comentários podem apenas tocá-lo superficialmente. (Mas se eu for capaz de preparar os leitores para pensar a respeito, essa seria a maior realização que eu poderia esperar).
A estupidez de um único ser humano já é um problema bastante grande. Porém, a situação muda de figura quando levamos em consideração a estupidez de pessoas que têm “poder”, isto é, o controle sobre o destino de outras pessoas.
Como nas duas primeiras partes, continuarei com a definição de Cipolla para estupidez, inteligência, etc. Mas há uma diferença fundamental quando o relacionamento não é entre iguais. Quando uma pessoa, ou um pequeno grupo de pessoas, pode influir na vida e no bem-estar de muitos outros, isso muda as relações de causa e efeito no sistema.
O “Grande” e o “pequeno” poder
O poder é omnipresente. Todos nós estamos sujeitos ao poder de outras pessoas e (excepto nos casos de escravidão extrema) todos exercemos poder sobre outras pessoas. Pessoalmente eu odeio a ideia, mas é parte da vida. Os pais têm (ou devem ter) poder sobre os filhos, mas os filhos têm muito poder sobre os pais, e frequentemente o exercem de forma cruel. Podemos “possuir” cães e gatos, cavalos ou hamsters, elefantes ou camelos, barcos ou automóveis, telefones ou computadores, mas frequentemente estamos sujeitos ao seu poder.
Seria complicado demais, ante o objectivo desse ensaio, entrar no intricado assunto das relações humanas. Dessa forma, eu me concentrarei no mais óbvio caso de poder: aquele em que alguém exerce o papel de autoridade sobre um grande (ou pequeno) número de pessoas.
Em tese, todos estamos dispostos a concordar que o poder deveria ser o mínimo possível, e que quem exerce o poder deveria estar sujeito ao controle das demais pessoas. A isso chamamos “democracia”, ou, nas organizações de: divisão de trabalho, colaboração, motivação, responsabilidade distribuída, compartilhando e delegação de poder – em contraposição à autoridade, burocracia, centralização ou disciplina formal.
Mas são poucas as pessoas que querem a verdadeira liberdade. A responsabilidade é uma carga pesada. É muito mais fácil ser “seguidor”. Deixar a tarefa de pensar e de ditar o ritmo aos mandatários, patrões, formadores de opinião, gurus de todo tipo, personalidades do “show business”, etc. – e culpá-los por nossa infelicidade.
Por outro lado, há um tipo especial de pessoas que tem prazer em exercer o poder. Essas prevalecem porque se esforçam, se sacrificam e se dedicam com a energia necessária para ter cada vez mais poder.
Devemos admitir que a teoria de Cipolla é aplicável: há tantos estúpidos no poder como no resto da humanidade, e eles são mais numerosos do que pensamos. Mas em duas coisas são diferentes: no relacionamento e na atitude.
O poder do poder
As pessoas no poder são mais poderosas que as outras. Isso não é tão óbvio quanto parece. Pode-se argumentar que nem sempre elas são. Há pessoas aparentemente poderosas com menos influência que outras muito menos visíveis. Por conveniência dessa discussão passaremos ao largo desse problema. Independentemente de como e por que o poder real é mantido e exercido, tratamos aqui do poder verdadeiro. Essa relação desequilibrada que resulta do fato que, em certas circunstâncias, alguns têm mais forte influência que outros – e nas muitas situações em que poucos podem fazer o bem ou o mal a muitos.
Uma definição fundamental na teoria de Cipolla é que o efeito do comportamento deve ser medido não pelo metro de quem faz alguma coisa (ou não faz o que deveria) mas pelo outro extremo: o ponto de vista de quem sofre os efeitos do ato daquele pessoa (ou de sua falta de acção). O resultado óbvio desse conceito básico é um drástico deslocamento no gráfico de Cipolla. O dano (ou vantagem) é muito maior, dependendo da quantidade de pessoas envolvidas e do impacto das acções e decisões.
Se uma pessoa em uma relação igualitária, consegue tantas vantagens pessoais quanto causa dano à outra, essa pessoa, na definição de Cipolla, é um “bandido perfeito”, enquanto que a outra é um “perfeito infeliz” – e o sistema, como um todo, está em equilíbrio. Obviamente não é assim, quando há uma diferença de poder.
Em tese, poderíamos admitir que enquanto a percentagem de pessoas inteligentes e estúpidas for a mesma, os efeitos do poder são equilibrados. Mas quando o poder atinge uma grande quantidade de pessoas, o relacionamento de um para um se perde. É muito mais difícil ouvir, entender e medir os efeitos e as percepções. Há um “efeito doppler”, um deslocamento, que leva ao aumento do factor de estupidez. Todos os estudos sérios sobre os sistemas de poder (embora não necessariamente baseados na noção de que o poder é estúpido) apontam a necessidade da separação de poderes e da formalização dos conflitos de poder, para evitar que isso não leve à violência, e a fim de evitar o “poder absoluto” (isto é, a extrema estupidez). Este problema é tão grave que todos devem ficar alerta para qualquer concentração exagerada de poder e buscar explicações para o fato de que tantas coisas não funcionam como deveriam. Porém, há mais.
A síndrome do poder
Como as pessoas adquirem poder? Às vezes, mesmo sem tentar. Essas pessoas são credenciadas porque outras pessoas confiam nelas. Elas têm liderança e senso de responsabilidade. É mais provável que este processo produza poder “inteligente” que não-inteligente: a situação na qual os líderes escolhidos fazem o bem a si mesmos e ainda mais aos outros. Algumas vezes isso leva ao sacrifício deliberado, quando pessoas causam dano a si mesmas pelo bem de outras (caso seja um ato intencional não deve ser considerado “infeliz”, por causa do bem-estar moral, incluindo aí a auto-percepção e a aprovação dos outros, obtidas pela pessoa que deliberadamente coloca o bem comum acima do interesse privado). Mas há menos exemplos de tal “poder inteligente” do que gostaríamos que houvesse. Por que?
A razão é que há competição pelo poder. As pessoas que não buscam o poder pelo poder, mas que estão mais concentradas em fazer o bem aos outros, têm menos tempo e energia para gastar na conquista do poder – ou mesmo para conservar o que já tem. As pessoas sedentas de poder se concentram na luta pelo poder, independentemente do impacto sobre a sociedade. A maior parte das pessoas estão em um ponto intermediário entre os dois extremos do espectro, com muitas e diferentes tonalidades e nuances. Mas o elemento obcecado pelo poder é mais agressivo no jogo do poder, e por isso adquire mais poder.
Mesmo pessoas que de início têm as mais generosas motivações podem ser forçadas, com o tempo, a dedicar mais energia para manter ou aumentar o poder – até que perdem de vista seus objectivos iniciais.
Outro elemento, que torna as coisas piores, é a megalomania. O poder é uma droga que vicia. As pessoas no poder são frequentemente levadas a acreditar que porque estão no poder são melhores, mais inteligentes e mais sábias que as pessoas comuns. Elas também estão cercadas de sicofantas, bajuladores e aproveitadores que reforçam essa ilusão.
O poder é “sexo”. Isso não é apenas um modo de dizer. Há um instinto na natureza de nossa espécie que torna as pessoas poderosas (ou que parecem ser) sexualmente atractivas, embora as pessoas no jogo do poder estejam, usualmente, muito ocupadas para ter qualquer sexo decente – ou para cuidar de emoções, afeição e amor.
As pessoas que têm ou buscam o poder são tão estúpidas, ou inteligentes, quanto uma pessoa mediana. Frequentemente ela são mais espertas, mais astutas e mais dissimuladas. Mas se seguimos a teoria de Cipolla – que mede a estupidez e a inteligência pelos efeitos do comportamento, não pela motivação ou pela técnica – o resultado é definitivamente um deslocamento, como o mostrado no gráfico, onde a flecha vermelha é o factor “P” (poder). Esse factor aumenta o factor “sigma” no sistema e há um deslocamento de “I” (inteligência) para “S” (estupidez).
Um leitor atento pode notar que a flecha está em um lado. Isso é explicado pelo fato que poucas pessoas (aquelas no poder em seu círculo) ganhem alguma vantagem – e portanto o deslocamento não vai do centro da área “I” ao centro da “S”, mas tende a ir do sector “Ib” (bandidos inteligentes) para o “Sb” (bandidos estúpidos).
Um pouco mais de gráficos, mostrando outros possíveis desenvolvimentos estão incluídos no nota de rodapé como um arquivo separado.
A busca do poder aumenta o factor de estupidez. O impacto pode ser relativamente grande ou pequeno, dependendo da quantidade de poder (a importância das questões influenciadas pelo poder e a quantidade de pessoas sujeitas aos seus efeitos) e da intensidade da competição.
Essa é a mais relevante, se não a única, excepção à segunda lei de Cipolla. A frase “a probabilidade de que uma pessoa seja estúpida é independente de qualquer outra característica dessa pessoa” permanece verdadeira. Mas o poder, como sistema, é muito mais estúpido do que uma simples e ordinária pessoa pode ser.
O problema é que o poder pode ser limitado, controlado, escrutinado e condicionado – mas não pode ser eliminado totalmente. A humanidade precisa de líderes. As organizações necessitam de pessoas que assumam responsabilidades, e essas pessoas devem ter algum poder para desempenhar seu papel.
Então, temos de viver com o poder – e sua estupidez. Mas isso não significa que devamos aceitá-lo, tolerá-lo ou apoia-lo. O poder não deve ser admirado, acreditado e mesmo respeitado a menos que demonstre inteligência prática no que faz para nós e para o mundo. Até onde eu posso ver, não há uma solução “universal” ou padronizada para esse problema. Mas estaremos na metade do caminho se estivermos conscientes de sua existência – e si nunca nos deixarmos ser enganados ou seduzidos pelo enganador brilho do poder.
Um antídoto eficaz contra a estupidez do poder é a habilidade,que algumas pessoas têm, de fazer com que as coisas funcionemsem assumir uma posição de poder.Como foi explicado numa maravilhosa e pequena historiaescrita há setenta anos que se chama Brown’s Job.
http://www.gandalf.it/stupid/portug.htm
Por Giancarlo LivraghiVersão de Maranhão Barros
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