domingo, julho 16, 2006

A QUESTÃO DA PALESTINA

Quando os hebreus chegaram à região da Palestina, por volta do ano2.000 a.C., ali já viviam os filisteus, ancestrais dos árabes. Com adecadência dos reinos de Judá e Israel, as populações locais foramdominadas sucessivamente por assírios, caldeus, persas, gregos eromanos.No início da era cristã, os judeus foram derrotados pelos romanos,iniciando-se a Diáspora Judaica. No século VII, com o surgimento doIslam, as populações locais foram islamizadas e quando os turcosotomanos chegaram, toda a região da Palestina já se encontrava sob odomínio dos muçulmanos que controlavam inclusive os lugares sagrados,Makkah e Medina em Hijaz (Península Arábica), e Jerusalém e Hebron, naPalestina. Com o fim do Império Otomano, no final da I Guerra Mundial,a Inglaterra obteve da Liga das Nações um mandato para administrar aPalestina e o Iraque.Apesar de espalhados pelo mundo, os judeus jamais perderam a esperançade voltar à Terra Prometida. Esta possibilidade começou a sematerializar com o surgimento do sionismo, um movimento criado porTheodor Hezl, no final do século XIX e que pregava o retorno ao Sion,nome bíblico de Canaã, a Terra Prometida.Em 1917, Lord Balfour, o secretário inglês para Assuntos Estrangeiros,fez publicar a Declaração Balfour, em que apoiava a imigração dejudeus para a Palestina e o estabelecimento de um "lar nacional para opovo judeu" na região, afirmando que "nada será feito que possaprejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicasexistentes" - numa referência aos árabes, que, então, representavam92% da população.
A carta foi publicada no The Times de Londres e dizia:
"Prezado Lord Rothschild,
Tenho muito prazer em transmitir-lhe, em nome do governo de SuaMajestade, a seguinte declaração de simpatia com as aspiraçõessionistas que foram apresentadas ao Gabinete e aprovadas por ele: 'OGoverno de Sua Majestade vê com simpatia o estabelecimento naPalestina de um lar nacional para o povo judeu e envidará seusmelhores esforços para facilitar a conquista desse objetivos, ficandoclaramente entendido que nada será feito que possa prejudicar osdireitos religiosos e civis das comunidades não judaicas existentes naPalestina ou os direitos e condições políticas usufruídas pelos judeusem qualquer outro país.' Agracederia que você levasse essa declaraçãoao conhecimento da Federação Sionista.
AtenciosamenteArthur James Balfour"

Em seu livro intitulado "The Question of Palestine", o famosoescritor palestino, Edward Said, definiu a importância dessadeclaração da seguinte maneira:"O que é importante a respeito da declaração é que, em primeiro lugar,durante muito tempo ela foi a base legal para as reivindicaçõessionistas em relação à Palestina e, em segundo lugar, e maisimportante para os nossos objetivos aqui, que foi uma declaração cujaforça só pode ser avaliada quando as realidades demográfica e humanada Palestina ficaram claras na mente. Isto é, a declaração foi feita(a) por um poder europeu, (b) a respeito de um território não-europeu,(c) num claro desrespeito à presença e aos desejos da população nativaresidente no território e (d) tomou a forma de uma promessa sobre estemesmo território por um outro grupo estrangeiro, a fim de que essegrupo estrangeiro pudesse, literalmente, fazer desse território umanação para o povo judeu."A "Declaração Balfour" foi interpretada pelos líderes sionistas comoum apoio à criação de um estado judeu soberano e tornou-se a base doapoio internacional para a formação do moderno estado de Israel. Nasdécadas que se seguiram, dezenas de milhares de judeus fixaram-se naPalestina, em sua maioria oriundos da Europa, movidos pelo ideal dosionismo.O estímulo sionista à imigração judaica, as vacilações britânicas paracontê-las e a perseguição nazista fizeram aumentar o número de judeusna Palestina, criando áreas de tensão com a população árabe local.No período de 1928 a 1949, com uma pausa durante a II Guerra, omovimento imigratório de judeus europeus se intensificou, alterandoprofundamente a estrutura da população da Palestina. Em 1922, osjudeus representavam 11% da população, e em 1949 eram mais de 30%.Cerca de 20% da terra cultivada pertenciam a um Fundo NacionalJudaico, em nome do povo judeu.A política do governo inglês foi a de manter sob controle direto aimigração, favorecendo o desenvolvimento econômico da comunidadejudaica, o que beneficiou mais aos sionistas do que aos árabes. Emmeados dos anos 30, com a chegada dos nazistas na Alemanha, aumentou apressão da comunidade judaica sobre a Inglaterra para ampliar oslimites de imigração, o que acarretou forte oposição nos países árabesvizinhos, com reflexos nas relações entre Inglaterra e aqueles países.A eclosão da II Guerra Mundial manteve o problema em suspenso, e aimigração de judeus para a Palestina foi praticamente interrompida.Ao final da guerra, foi criada a Liga Árabe que, entre seus objetivos,tinha a defesa da causa palestina. Os judeus europeus, traumatizadoscom os massacres nazistas, sentiam a necessidade de criar um estado. AInglaterra tinha consciência de que a criação desse estado naPalestina encontraria forte objeção por parte dos árabes. EstadosUnidos, que emergiam da guerra como uma nova potência e sob a pressãodo sionismo, usaram de sua influência em favor da causa sionista, quese resumia na criação de um estado judeu e na imigração de umcontingente maior de judeus.Em 1947, a Inglaterra decidiu submeter a questão às Nações Unidas, queaprovou a partilha da Palestina entre árabes e judeus. Com a aprovaçãodo plano pela Assembléia Geral da ONU, em 14 de maio de 1948, aInglaterra se retirou da Palestina e os judeus proclamaram o Estado deIsrael, que foi imediatamente reconhecido pelos EUA e Rússia. Osárabes da Palestina e dos vizinhos, Egito, Jordânia, Iraque, Síria eLíbano, inconformados com a decisão, declararam guerra ao recém criadoEstado de Israel.Com a vitória de Israel em 1949, novas fronteiras foram estabelecidas.Cerca de 75% da Palestina foi incluída dentro das fronteiras deIsrael; uma faixa de terra ao sul, que ia de Gaza até a fronteira como Egito ficou sob controle do Egito; o restante do território foianexado pelo reino hashemita da Jordânia. Jerusalém foi dividida entreIsrael e Jordânia.O estado árabe-palestino deixou de existir. Quase 2/3 da populaçãoárabe deixou suas casas e tornou-se refugiada. Centenas de milhares depalestinos emigraram para os estados árabes, nos quais passaram aviver em acampamentos precários e os que permaneceram, ficaram nacondição de refugiados em sua própria pátria. Jerusalém, divididaentre cristãos, judeus, e muçulmanos, tornou-se pólo de conflitos quese estendem até os dias atuais.Os conflitos tornaram-se endêmicos e a guerra eclodiu mais de umavez, em 1956, 1967 e 1973, sendo a mais importante a Guerra dos SeisDias, em 1967, quando Israel incorporou a península do Sinai e a Faixade Gaza, a Cisjordânia e o território sírio das Colinas do Golã eintensificou sua política de construção de assentamentos para colonosjudeus imigrantes. Quanto aos cidadãos árabes de Israel, emborausufruíssem de direitos políticos, eram considerados cidadãos desegunda classe, não pertencendo à comunidade que se estava formando.Por esta época, uma nova geração de palestinos crescia no exílio,principalmente no Cairo e em Beirute. Aos poucos, surgiram váriosmovimentos políticos, sendo o mais importante o Fatah, uma organizaçãoguerrilheira criada por Yasser Arafat, que se pretendia completamenteindependente dos regimes árabes, cujos interesses não fossem os mesmosdos palestinos e que pregava um confronto militar com Israel.Em 1964, com o apoio dos países árabes, foi fundada em Jerusalém aOrganização para a Libertação da Palestina (OLP), sob controle doEgito, constituída a partir do Fatah e que passou a ser presidida porYasser Arafat. A OLP era composta basicamente de membros dos exércitosdo Egito, Síria, Jordânia e Iraque. O Fatah começou a agir dentro deIsrael. A população israelense continuava a crescer por força daimigração. Em 1967, do total de 2.3 milhões de habitantes, os árabesrepresentavam 13%.A economia crescera em razão da ajuda americana e por causa dacontribuição financeira de judeus do mundo inteiro e também por causadas reparações de guerra da Alemanha. Israel sabia que era mais fortemilitar e politicamente do que seus vizinhos árabes. Diante dasameaças de ambos os lados, israelenses e árabes se enfrentaramnovamente e os israelenses vitoriosos ocuparam o Sinai, Jerusalém, aparte palestina da Jordânia e parte do sul da Síria (as colinas doGolan) antes do cessar-fogo acordado com a ONU.A guerra de 1967 foi o ponto decisivo. A conquista de Jerusalém e ofato de que os lugares sagrados para muçulmanos e cristãos estavamagora sob controle israelense trouxe uma outra dimensão para a crise.A guerra mudou o equilíbrio de forças no Oriente Médio.Estava claro que Israel era mais forte militarmente do que qualqueraliança entre estados árabes e isso mudou a relação de cada um delescom o mundo exterior. Para os árabes foi uma derrota e para ospalestinos representou uma nova leva de refugiados. Nos anos seguinteso mundo ignoraria a situação dos palestinos até que, em 1974, YasserArafat foi, pela primeira vez a ONU, formalizando, assim, arepresentação política do povo palestino.A fim de harmonizar o conflito, foram baixadas numerosas resoluçõespor parte das Nações Unidas, conclamando à paz, ao retorno dosrefugiados às suas casas, à retirada dos israelenses dos territóriosocupados e ao estabelecimento de fronteiras permanentes, nenhuma delasacatadas por Israel.Em março de 1979, Egito e Israel assinaram um tratado em separado, doqual os Estados Unidos foram signatários. Embora tenha levado a umamelhora nas relações entre egípcios e israelenses, que resultou naevacuação de alguns territórios egípcios ocupados e na abertura doCanal de Suez para os navios de Israel, no entanto este tratado nadafez para efetivar uma retirada das forças de ocupação israelenses deJerusalém oriental, da Margem Ocidental e das colinas do Golan, naSíria, e, principalmente, deixou intocada a raiz do problema - acondição dos palestinos. Na verdade, o tratado resultou norecrudescimento da tensão no Oriente Médio, que se manifestou por umaumento da intransigência israelense nos territórios ocupados e noisolamento do Egito do resto do mundo árabe.Em 1987, um caminhão militar israelense atropelou e matou 4 palestinosna Faixa de Gaza. Este incidente foi o estopim para o início doscombates entre jovens palestinos e as tropas de ocupação israelense. Arevolta, conhecida como a Revolta das Pedras (intifada) durou 6 anos,resultando em muitas mortes e um profundo desgaste para Israel, poiseram jovens e crianças enfrentando com paus e pedras as armassofisticadas dos soldados israelenses. A Intifada foi a primeiramanifestação dentro dos territórios ocupados a abalar de formaduradoura a rotina da ocupação israelense, iniciada em 1967.Em 1991, realizou-se em Madri a Conferência Internacional de Paz,marco inicial das conversações diretas entre Israel e os paísesárabes. Em 1993, os dois lados firmaram em Washington um acordo de pazque previa a extensão da autonomia dos palestinos na Cisjordânia, coma retirada das tropas israelenses. Em 1995, Israel e OLP firmaram umnovo acordo, desta vez com a extensão da autonomia a quase toda aCisjordânia, sem dúvida um passo importante para o surgimento de umestado palestino, mas que se torna irrelevante enquanto Israel detivero monopólio do uso da força nos territórios ocupados.Desde o ano passado, Yasser Arafat e Ehud Barak já se encontraramdiversas vezes mas sem chegaram a um acordo possível sobre as duasquestões fundamentais para os palestinos: Jerusalém e o direito deretorno. Israel simplesmente perderia seu caráter sionista seJerusalém, unificada e em sua forma ampliada, deixasse de ser suacapital.As circunstâncias pelas quais os israelenses poderiam pensar emabandonar essa reivindicação ainda não foram criadas e portanto não háo que ceder. Por outro lado, a Autoridade Palestina de Yasser Arafatestaria cometendo suicídio político se cedesse nos direitos depalestinos árabes e muçulmanos à cidade sagrada e no direito deretorno dos refugiados.A visita de Ariel Sharon no dia 28 de setembro passado à Esplanada dasMesquitas detonou uma nova crise que já está sendo chamada de asegunda intifada e que já se anunciava de há muito tempo e cujasconsequências agora são imprevisíveis.Quem quer que visite a Faixa de Gaza, pode perceber as razões para odescontentamento dos palestinos. Com uma população de mais de 1 milhãode habitantes, a Faixa de Gaza, chamada de "Soweto de Israel"(referência ao gueto da África do Sul), não é um estado e não foianexada a Israel.As forças de defesa de Israel controlam toda a fronteira. Mesmo com arecente abertura de uma passagem especial de Gaza para a Cisjordânia,se os moradores de Gaza quiserem sair dessa área, precisam obter umapermissão dos israelenses. Muitas palestinos - nascidos a partir de1967 - nunca sairam da faixa, uma tripa de terra situada entre odeserto de Negev e o mar Mediterrâneo, que mede 46 km de decomprimento e 10 km de largura, aproximadamente.Algumas das piores condições de vida estão no Acampamento deDehaishem, visitado pelo papa João Paulo II no início deste ano.Segundo o New York Times, "Quase 10.000 refugiados palestinos, quasetodos muçulmanos, vivem em menos de 1 milha quadrada de terra,amontoados em barracos que formam becos salpicados de sucata de carrosvelhos, velhas bobinas de fio e lixo. Eles são refugiados há 52 anos,e muitos deles ainda guardam as chaves de suas casas que foramforçados a abandonar, na luta que se seguiu á criação de Israel."Apesar de todos os encontros que se realizam desde 1991, continuam semsolução questões como o status de Jerusalém, reivindicada como capitaltanto por judeus como por palestinos, e a questão da diásporapalestina. A grande maioria dos 5 milhões de palestinos vive dispersapelos países árabes em terríveis condições de vida ou em territóriosocupados por Israel na condição de refugiados em sua própria pátria. Esubsiste o ódio, alimentado por décadas de violência, que se expressaem atos terroristas de ambos os lados, como no caso do assassinato dolíder israelense Yitzhak Rabin, praticado por um judeu de extremadireita, indignado com a perspectiva de um acordo que pudesse vir areconhecer direitos mínimos aos palestinos.Para nós, espectadores do conflito ficam algumas interrogações. Asegunda intifada coloca em cena novas forças e tendências que desafiamcada vez mais o statu quo. Novas lideranças estão surgindo equestionam a legitimidade de negociadores, representantes e mediadoresdo processo de paz. O presidente Clinton em final de mandato, IasserArafat sobre quem pesam fortes suspeitas de corrupção e desvio dedinheiro proveniente de ajuda internacional, Ehud Barak, manietadopela ala mais radical da direita israelense, que não tem interesse emver o país dividido com os palestinos.Por outro lado, a responsabilidade pela tragédia do povo palestino nãopode ser creditada única e exclusivamente ao sionismo. Na verdade,os países árabes jamais chegaram a um acordo quanto à forma deatuação em relação a Israel, desde a aprovação do plano de partilha daPalestina. A última reunião de cúpula da Liga Árabe, realizada emSharm-al-shair, em outubro último, revelou as enormes contradiçõesinternas na busca de uma solução unificada para a Palestina.O poder das famílias tradicionais dos países árabes também já nãoconsegue mais conter a revolta que vem das populações que anseiam porliberdade e independência e exigem uma retomada do compromisso dedefesa da causa palestina, compromisso esse assumido por ocasião dacriação da Liga Árabe. O que se espera é que a solução que venha aser encontrada não seja excludente do povo palestino, que já perdeutudo o que podia e o que tinha a perder.http://www.ljib.hpg.ig.com.br/a_questao_da_palestina.htm

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