segunda-feira, agosto 21, 2006

Desemprego tecnológico já prejudica o próprio capitalismo

Entre as previsões mais sombrias feitas pelos que alertam sobre os perigos do uso indiscriminado das tecnologias substitutivas de mão-de-obra, está a de que o próprio mercado capitalista poderá ser irremediavelmente prejudicado.
Ao lermos os alertas de pessoas como Rifkin (1) sobre os perigos de uma escalada do desemprego tecnológico, a previsão mais sombria sempre foi a de que as tecnologias substitutivas de mão-de-obra poderiam levar a própria economia a uma situação absurda.
Previa-se que um contingente cada vez maior de pessoas, sem empregos, ou com sua renda diminuída pelas condições cada vez mais desfavoráveis do mercado de trabalho, deixasse de ter condições de adquirir os bens e serviços oferecidos pelo próprio sistema de produção baseado no novo “paradigma informacional”.
Isso comprometeria o próprio sistema capitalista e geraria um círculo vicioso, onde a cada aumento de produtividade, corresponderia um decréscimo correspondente na demanda. A reação dos economistas e intelectuais bem-pensantes a essas afirmações, era um misto de ceticismo e humorismo.
Dizia-se que isso não passava de ficção científica de mau gosto. Porque afinal, todo mundo “sabia” que os robôs e computadores geravam sempre mais empregos do que eliminavam. A tecnologia eliminava apenas empregos de baixa qualificação. Em compensação, criaria infinitas possibilidades para os que estivessem preparados para a “nova era” do trabalho.
Quem não pensava assim eram os novos adeptos do “Ludismo”, ignorantes da história da economia. Tudo o que as pessoas sensatas tinham de fazer era estudar mais e se preparar para os novos desafios tecnológicos do século 21. Tudo o mais, eram divagações apocalípticas, típicas do “fim do século”, que não deveriam jamais ser levadas a sério.
Agora já estamos no ano de 2004, e qual é a realidade? Duas notícias bem atuais nos dão a dimensão do que está acontecendo. A primeira é do The New York Times de 9/10 e se intitula: “Crescimento de emprego nos EUA decepciona”. A segunda é da Folha de S. Paulo de 11/10 e se intitula: “Diploma não garante emprego, revela estudo”.
A reportagem do NYT nos informa que: “O Departamento de Trabalho informou que a economia criou apenas 96.000 novos empregos em setembro. O número foi substancialmente menor do que os 148.000 projetados por Wall Street e os quase 150.000 necessários para acomodar o crescimento da força de trabalho e começar a cortar o desemprego”. (2)
Devemos notar que a economia americana está em ritmo acelerado de atividade, já há muito se recuperou da recessão de alguns anos atrás, e segue com aumentos significativos em seus indicadores mais importantes. Mas alguma coisa está errada.
De fato, Ed McKelvey, economista da Goldman Sachs, é citado afirmando que "O emprego ainda está lento", e acrescenta que "Essa falta de participação expõe uma vulnerabilidade da recuperação econômica". Assim, em poucas palavras, está exposto o temido círculo vicioso. A recuperação econômica tem na renda dos trabalhadores a sua principal vulnerabilidade.
Mais adiante, podemos ler que: “As estatísticas pouco animadoras reforçaram preocupações com o vigor da expansão econômica. Prejudicada desde a primavera por um forte aumento no preço do petróleo, é ameaçada pelo fraco crescimento nas folhas de pagamento, que, por sua vez, pode inibir o consumo”.(3)
E o que estaria provocando esse “fraco crescimento nas folhas de pagamento”? Como explicar que a economia mais sofisticada do planeta, com os maiores índices de automação e utilização de tecnologia, não esteja gerando os tão sonhados empregos mais bem remunerados, com atividades criativas e menos cansativas?
Onde estão os empregos com horário flexível e trabalhos executados no conforto das casas? Por que o senador John Kerry afirma que: "Até mesmo no último ano, nossa economia não conseguiu criar empregos suficientes para absorver os novos trabalhadores chegando ao mercado de trabalho, isso sem falar nos milhões que estão desempregados, os que trabalham meio período, em empregos temporários ou que simplesmente desistiram"? Isso lembra muito mais o Brasil do que os EUA.
Devemos notar que as explicações para o fenômeno, que vão dos furacões que atingiram o país recentemente até a alta do preço do petróleo, não esclarecem o essencial. Isso porque a economia, apesar de tudo, continua crescendo e em ritmo acelerado. Mas os empregos insistem em não aparecer...
Anthony Chan, economista do J. P. Morgan Fleming Asset Management, também citado, afirma que: "Essa expansão econômica ainda está seguindo um ritmo muito moderado. É provável que continue, mas estamos muito longe de condições econômicas robustas e não vamos chegar lá tão cedo".
O que seriam “condições econômicas robustas”? Talvez um consumo “robusto”, sustentado por salários também “robustos” pudesse ser a solução. Mas a renda dos trabalhadores também insiste em não subir, e em alguns casos até diminui. Conclusão: A economia não pode ser expandir porque não gera empregos, e não gera empregos porque as empresa tem de cortar custos para se manter competitivas...
A segunda notícia, se refere ao Brasil “Um em cada quatro brasileiros que se formaram no ensino superior de 1992 a 2002 não está empregado. No país onde ter diploma de nível superior já foi garantia de emprego fácil, um estudo da Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do município de São Paulo mostra que passar pelo estreito funil do vestibular já não é mais a maior dificuldade do jovem”.(4)Mais adiante, nos deparamos com um quadro alarmante: “Outra tabulação feita no estudo mostra que uma parcela significativa dos brasileiros com diploma trabalha em atividades abaixo de sua qualificação (8% dos ocupados com nível superior).São pessoas que, apesar do diploma, acabaram empregadas como açougueiros e empregadores na indústria alimentícia (19,1%); droguistas, floristas, galinheiros, lenheiros, peixeiros e sorveteiros (17,8%); ou atendentes (12,6%)”.(5)
Notamos que a economia brasileira também tem mostrado sinais claros de recuperação. A maioria dos especialistas em mercado de trabalho, sempre apontou a baixa qualificação do trabalhador brasileiro como a verdadeira barreira ao acesso a melhores empregos e níveis de salário. O que estaria acontecendo?
Nossa indústria vem investindo muito em aperfeiçoamentos tecnológicos. O comércio varejista é cada vez mais automatizado. O agronegócio, com grandes investimentos em mecanização e técnicas avançadas de cultivo, é a vedete de nossas exportações. Nosso setor bancário é referência mundial em tecnologia. Nosso sistema eleitoral é mais avançado até que o dos EUA e países europeus. Então onde estão os empregos na área de tecnologia? Um estudo conduzido por Marcio Pochmann, secretário municipal do Trabalho de São Paulo, conclui que: "Somos um país de baixa escolaridade média, mas estamos formando uma mão-de-obra qualificada que não consegue entrar no mercado de trabalho". Isso seria um “paradoxo brasileiro”. Convenhamos que de fato é um paradoxo e tanto!
Já para o sociólogo Simon Schwartzmann, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade e ex-presidente do IBGE, tudo se explica "pelo rápidocrescimento do ensino superior, que tem uma lógica que não é a mesma do mercado de trabalho".
Em outras palavras, nossos pobres jovens estariam todos perdendo seu tempo em cursos que não os habilitaria de forma alguma para os milhares de empregos bem remunerados, gerados pelas novas tecnologias, mas oferecidos segundo a “lógica de mercado”. Nesse caso, quem estaria ocupando esses empregos? Mais um “paradoxo brasileiro”?
Se entendermos que as novas tecnologias geram desemprego muito maior entre os empregados qualificados e dos escalões médios das burocracias empresariais, esse paradoxo logo desaparece. São esses os empregos que os universitários disputam ao sair das faculdades.
Quando não encontram, “É o caso de Gustavo Pinho, 23, que se formou neste ano em publicidade e não conseguiu emprego em sua área. A solução foi aproveitar uma vaga de agente de vendas no balcão de uma companhia aérea no aeroporto internacional do Rio”.(6)
Mas para o economista e ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza, não há problema algum com os nossos universitários: "Mesmo que não estejam empregados na área para qual se formaram, vão acabar executando o trabalho de uma forma melhor se tiverem um diploma de nível superior. É preciso entender a educação como um valor em si".(7)
Talvez ele tenha a receita de como se obtém uma renda de classe média, apenas considerando a formação universitária como “um valor em si”. E também poderia explicar como um advogado ou engenheiro, trabalhando como “perueiro”, pode consumir bens e serviços de modo a permitir a expansão da economia.

Notas:
RIFKIN, Jeremy – “O Fim dos Empregos”
“Crescimento de emprego nos EUA decepciona” - Eduardo Porter - The New York Times - 09/10/2004
Idem.
“Diploma não garante emprego, revela estudo” - Antônio Góis – Folha de S. Paulo - 11/10/2004
(6) e (7) Idem.
http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/

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