segunda-feira, agosto 21, 2006

Iraque: A opção salvadorenha

"Aqueles que o fazem acreditar em absurdos podem fazê-lo cometer atrocidades" (Voltaire)

Os elevadores no New York Hilton tinham um pequeno écran onde se mostrava a CNN. Não se podia deixar de olhar. O Iraque estava no topo dos noticiários; pronunciamentos acerca de uma "guerra civil" e "violência sectária" eram repetidos sem cessar. Era como se a invasão americana nunca houvesse acontecido e a matança de dezenas de milhares de civis pelos americanos fosse uma ficção surrealista. Os iraquianos eram árabes pouco inteligentes, assombrados pela religião, conflitos étnico e a necessidade de se auto-destruírem. Untuosos fantoches políticos eram mostrados sem qualquer indicação de que o seu quintal de exercícios era no interior da fortaleza americana.E quanto você deixa o elevador, isto segue-o no seu quarto, no ginásio do hotel, no aeroporto, no aeroporto seguinte e no país seguinte. Tal é o poder da propaganda corporativa da América, que, como destacou Edward Said em Culture and Imperialisme, "penetra electronicamente" com o equivalente a uma linha do partido.A linha do partido mudou outro dia. Durante quase três anos era aquela al-Qaeda a força condutora por trás da "insurgência", liderada por Abu Musab al-Zarqawi, um jordaniano sedento de sangue que estava claramente a ser guindado para a espécie de infâmia desfrutada por Saddam Hussein. Não importava que al-Zarqawi nunca tivesse sido visto vivo e que apenas uma fracção dos "insurgentes" seguisse a al-Qaeda. Para os americanos, o papel de Zarqawi era distrair as atenções daquilo a que se opõem quase todos os iraquianos: a brutal ocupação anglo-americana do seu país.Agora que o al-Zarqawi foi substituído pela "violência sectária" e pela "guerra civil", a grande notícia é de ataques sunitas a mesquitas e bazares xiitas. A notícia real, não relatada na CNN, é que foi convocada a Opção Salvador para o Iraque. Isto significa a campanha de terror através de esquadrões da morte armados e treinados pelos EUA, os quais atacam sunitas e xiitas da mesma forma. O objectivo é incitar a uma guerra civil real e à fragmentação do Iraque, a meta original da administração Bush. O Ministério do Interior em Bagdad, que é administrado pela CIA, dirige os principais esquadrões da morte. Seus membros não são exclusivamente xiitas, como diz o mito. O mais brutal são os Special Police Commandos dirigidos por sunitas, encabeçados por antigos oficiais superiores do Partido Baath de Saddam. Esta unidade foi formada e treinada por peritos em "contra-insurgência" da CIA, incluindo veteranos das suas operações de terror na América Central na década de 1980, nomeadamente em El Salvador. O historiador americano Greg Grandin, no seu novo livro Empire's Workshop (Metropolitan Books), descreve a Opção Salvador assim: "Após a posse, o [presidente] Reagan caiu duramente sobre a América Central, permitindo efectivamente que os mais comprometidos militaristas da sua administração preparassem e executassem a política. Em El Salvador, eles deram mais de um milhão de dólares por dia para financiar uma campanha letal de contra-insurgência ... No total, os aliados americanos na América Central durante os dois mandatos de Reagan mataram mais de 300 mil pessoas, torturaram centenas de milhares e conduziram milhões ao exílio".Embora a administração Reagan tenha desovado os actuais bushitas, ou "neo-cons", o padrão fora ajustado anteriormente. No Vietnam, esquadrões da morte treinados, armados e dirigidos pela CIA assassinaram mais de 50 mil pessoas na Operation Phoenix. Em meados da década de 1960, na Indonésia, oficiais da CIA compilaram "listas da morte" para a orgia de matanças do general Suharto durante a sua captura do poder. Após a invasão de 2003, era só uma questão de tempo antes de esta venerável "política" vir a ser aplicada ao Iraque.De acordo com o escritor e investigador Max Fuller ( National Review Online), o administrador chave da CIA dos esquadrões da morte do Ministério do Interior "iniciou-se no Vietnam antes de ser transferido para dirigir a missão militar americana em El Salvador". O professor Grandin nomeia outro veterano da América Central cuja tarefa agora é "treinar uma brutal força contra-insurgente constituída por bandidos ex-baathistas". Um outro, afirma Fuller, é bem conhecido pela sua "produção de listas da morte". Uma milícia secreta administrada pelos americanos é a Facilities Protection Service, que tem sido responsável pelo bombismo. "As Forças Especiais britânicas e americanas", conclui Fuller, "em conjunto com os serviços de inteligência [criados pelos EUA] no Ministério da Defesa iraquiano, estão a fabricar o bombismo xiita".Em 16 de Março a Reuters relatou a prisão de um "security contractor" americano que foi encontrado com armas e explosivos nos seu carro. No ano passado, dois britânicos disfarçados de árabes foram capturados com um carro cheio de armas e explosivos; as forças britânicas derrubaram a prisão de Bassorá com bulldozers a fim de resgatá-los. O Boston Globe relatou recentemente: "A unidade de contra-terrorismo do FBI lançou uma vasta investigação de roubos em série com base nos EUA depois de descobrir que alguns dos veículos utilizados em bombismos fatais com carros no Iraque, incluindo ataques que mataram tropas americanas e civis iraquianos, foram provavelmente roubados nos Estados Unidos, segundo responsáveis superiores do governo".Como disse, tudo isto foi tentado anteriormente — assim como a preparação do público americano para um ataque atroz ao Irão é semelhante às falsificações das ADM (Armas de destruição em massa) no Iraque. Se tal ataque acontecer, não haverá advertência, nem declaração de guerra, nem verdade. Aprisionados no elevador do Hilton, mirando a CNN, meus colegas passageiros poderiam ser desculpados por não entenderem o Médio Oriente, ou a América Latina, ou qualquer outro lugar. Eles estão isolados. Nada é explicado. O Congresso está silencioso. Os Democratas estão moribundos. E os mais livres media da terra insultam o público todos os dias. Como dizia Voltaire: "Aqueles que o fazem acreditar em absurdos podem fazê-lo cometer atrocidades".
John Pilgerhttp://resistir.info/

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