quinta-feira, agosto 17, 2006

“Se não foste embora, és do Hezbollah”

O ataque israelita contra Qana foi o mais mortífero da guerra, mas é apenas um de incontáveis ataques letais contra civis no Líbano.
Grandes quantidades de libaneses fugiram do sul depois de os israelitas terem largado panfletos avisando dos ataques. Outros não conseguiram partir, frequentemente porque não encontraram os meios. Os israelitas tomaram isso como querendo significar que eles são portanto do Hezbollah.
O ministro da Justiça israelita, Haim Ramon, anunciou na rádio do exército israelita que «todos os que estão no sul do Líbano são terroristas que estão, de algum modo, ligados ao Hezbollah».
Justificando o castigo colectivo da população no sul do Líbano, Ramon acrescentou: «Para prevenir baixas entre os soldados israelitas que combatem os militantes do Hezbolah no sul do Líbano, as aldeias devem ser arrasadas pela força aérea israelita antes da entrada das tropas terrestres».
Esta política explica o grande número de feridos nos hospitais de Sidon, no sul.
Pessoas feridas do sul do Líbano narram numerosos casos de ataques indiscriminados do exército israelita.
Khuder Gazali, de 36 anos, um motorista de ambulância cujo braço foi arrancado por um foguete israelita, contou à IPS que a sua ambulância foi atingida enquanto tentava resgatar civis cuja casa acabara de ser bombardeada.
«No domingo passado, as pessoas vieram pedir­‑nos para ir ajudar algumas pessoas depois da sua casa ter sido bombardeada pelos israelitas», disse da sua cama no hospital Hamoudi em Sidon, o maior do sul do Líbano. «Encontrámos um deles, sem as pernas, caído num jardim, por isso tentámos levá-lo ao hospital mais próximo».
No caminho para o hospital, um helicóptero Apache israelita atingiu a sua ambulância com um foguete, ferindo­‑o gravemente e às quatro pessoas na parte de trás do veículo, contou.
«Assim, outra ambulância tentou chegar a nós para nos salvar, mas também foi bombardeada por um Apache, matando todos dentro dela», disse. «Foi depois uma terceira ambulância que finalmente conseguiu resgatar­‑nos».
Khuder, que tinha feridas de estilhaços por todo o corpo, afirmou: «isto é um crime, e quero que as pessoas no ocidente saibam que os israelitas não diferenciam entre pessoas inocentes e combatentes. Estão a cometer actos de maldade. Estão a atacar civis, e são criminosos».
No Centro Médico Labib em Sidon, inúmeros sobreviventes dos bombardeamentos israelitas tinham histórias similares para contar.
Ibrahim al-Hama, de 16 anos, contou à IPS que ele e os seus amigos foram atingidos por uma bomba israelita enquanto nadavam num rio, perto de uma aldeia a norte de Tiro.
«Dois dos meus amigos foram mortos, juntamente com uma mulher», disse al-Hama. «Por que nos bombardearam?»
Num quarto adjacente, um homem cuja mulher e dois filhos pequenos estavam a recuperar dos ferimentos sofridos num bombardeamento israelita contou à IPS que tinham deixado a sua aldeia perto da fronteira porque os bombardeamentos se tinham tornado ferozes, e os militares israelitas tinham largado panfletos ordenando­‑lhes que se fossem embora.
«Ficámos sem comida, e as crianças tinham fome, por isso saíram com a minha mulher e a irmã dela num carro que seguia uma ambulância do Crescente Vermelho, enquanto outro carro levava as outras duas irmãs da minha mulher», disse. «Chegaram à aldeia de Kafra, onde um F-16 bombardeou o carro com as duas irmãs da minha mulher. Estão mortas».
No dia 23 de Julho, uma família deixou a sua aldeia depois de a força aérea israelita ter lançado panfletos ordenando que saíssem. O carro levava uma bandeira branca, mas ainda assim foi bombardeado por um avião israelita. Três dos passageiros do automóvel morreram.
No mesmo dia, três dos 19 passageiros de uma carrinha que deixava a aldeia de Tiri, no sul, morreram quando foi bombardeada por um avião israelita.
Um homem de 43 anos da aldeia Durish Zahir, a sul de Tiro, estava deitado no Centro Médico Labib com múltiplas feridas de estilhaços e metade do corpo escurecido pelo fogo.
«Por favor, diga­m‑lhes para parar de usar fósforo branco», disse. «Os israelitas devem parar com estes ataques. Não permitam que os israelitas continuem a assassinar­‑nos». Zhair e a sua família foram bombardeados na sua casa.
Zhair contou que a sua família estava espalhada em hospitais e centros de refugiados de Sidon e Beirute. Mas no corredor do hospital, fora do seu quarto, a chefe das enfermeiras do hospital, Gemma Sayer, contou que «toda a família dele está morta. Ainda não lhe podemos dizer porque está tão gravemente ferido».
As forças das Nações Unidas foram alvejadas novamente pelos israelitas. Dois soldados da força de manutenção de paz da ONU no sul do Líbano foram feridos depois de o seu posto de observação ter sido danificado num ataque aéreo israelita.
Na semana passada, um míssil israelita matou quatro observadores da ONU; um ataque que o secretário­‑geral da ONU, Kofi Annan, descreveu como «aparentemente deliberado».
Milhares de manifestantes furiosos irromperam no prédio da ONU em Beirute, no domingo, depois de pelo menos 34 crianças e 20 adultos terem morrido no interior de um abrigo atingido por um ataque aéreo israelita na cidade de Qana no sul.
Enquanto aviões israelitas não tripulados zumbiam sobre a capital, viu­‑se fumo a subir do edifício enquanto tropas da ONU se esforçavam para controlar a multidão.
Os esforços para evacuar os feridos em Qana foram retardados porque as estradas em torno da cidade foram destruídas por ataques aéreos.
As forças armadas israelitas recusaram­‑se a assumir a responsabilidade pelas mortes de Qana, porque, afirmaram, o Hezbollah tinha usado o povoado para lançar foguetes.
O presidente libanês, Emile Lahoud, declarou aos repórteres no domingo que o ataque de Qana foi uma «desgraça», e que não havia possibilidade de conversações de paz até que fosse estabelecido um cessar-fogo imediato. «Os líderes de Israel só pensam em destruição, não pensam na paz».
O primeiro-ministro, Fuad Siniora, qualificou o bombardeamento em Qana como um «crime de guerra». Pelo menos 600 libaneses, na maioria civis, e 51 israelitas morreram desde o início do conflito.
Dahr Jamail
http://infoalternativa.org/autores/jamail/jamail017.htm

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