Escrevo à beira do rio Negro, no coração da Amazónia, não muito longe do “encontro das águas”, onde os rios Negro e Solimões se juntam para formarem o Rio Amazonas. Perante a grandeza do que vejo e sinto, concentro‑me na mais minúscula versão de mim para escrever à beira do esmagamento pessoal. São, de facto, muitas as Amazónias a pesar em mim e todas elas esmagadoras. Intrigantemente algumas delas são tão esmagadoras quanto frágeis. A Amazónia física: a maior reserva de água doce, de biodiversidade, de riqueza mineral e de madeira do mundo. É uma Amazónia ameaçada pela extracção desordenada dos minérios e da madeira e pelo desmatamento e queimadas ao serviço da expansão da fronteira agrícola, nos últimos anos centrada na monocultura da soja. Os danos ambientais causados pela soja – desertificação, assoreamento dos rios e poluição das águas pelos agrotóxicos e resíduos de adubos químicos – são incalculáveis para a humanidade no seu todo. A fiscalização ambiental é deficientíssima e a punição dos infractores da legislação só em 2005 ganhou alguma credibilidade. A Amazónia mítica é a Amazónia do imaginário das populações ribeirinhas, das cidades encantadas por serpentes – como Abaetetuba, tão brilhantemente descrita pelo grande poeta João de Paes Loureiro – e das mulheres engravidadas pelo bôto, espécie de golfinho que percorre os rios loucamente atraído por mulheres menstruadas.
Há também a Amazónia histórica do Museu do Seringal da Vila Paraíso assente numa reconstrução fidelíssima baseada na Selva de Ferreira de Castro. Aí se detalha a engrenagem da escravidão por dívida dos seringueiros, hoje reproduzida sob outras formas igualmente infames, nomeadamente no Estado do Pará. A Amazónia epistemológica é a Amazónia dos conhecimentos ancestrais, da medicina à alimentação, da astronomia à construção naval, das floras e das faunas das realidades chãs e das encantarias. É uma sabedoria tão profunda e corrente quanto a correnteza dos rios.
E há finalmente a Amazónia social, económica e política. É a Amazónia dos conflitos agrários e da violência, envolvendo comunidades ribeirinhas e indígenas, latifundiários, grileiros (invasores de terras públicas), políticos conservadores, empresários do sector pesqueiro, madeireiros, empresas de mineração, etc. Como assinala o sociólogo Luís António de Sousa, trata-se de conflitos decorrentes do modelo clássico de ocupação do solo rural brasileiro: grilagem + violência + assassinatos + concentração fundiária + pauperização + impunidade + grilagem. Foi às mãos desse modelo que morreu Gedeão Silva, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Sul da Lábrea, emboscado e assassinado em 26 de Fevereiro de 2006. Teve a mesma sorte que os 1399 trabalhadores rurais assassinados entre 1985 e 2004 segundo os cálculos da Comissão Pastoral da Terra. A medida da impunidade está em que apenas 7% desses crimes foram levados a julgamento. Um dos mais hediondos foi o massacre de Eldorado dos Carajás, há precisamente 10 anos, quando três mil trabalhadores rurais sem terra protestavam pela desapropriação da Fazenda Macaxeira. É possível que o governador do Pará que ordenou o massacre volte a ganhar as eleições para governador no próximo mês de Outubro.
A mais sombria de todas as Amazónias é a Amazónia militar. Trata-se de um plano norte‑americano com a serviçal lealdade das Forças Armadas da Colômbia (Plano Colômbia), Equador, Perú e Brasil para proteger (de quem?) as riquezas da Amazónia. Não me surpreenderia se dentro de algumas décadas o Médio Oriente se mudasse para aqui.
Boaventura de Sousa Santos
http://www.infoalternativa.org/autores/bss/bss050.htm
Há também a Amazónia histórica do Museu do Seringal da Vila Paraíso assente numa reconstrução fidelíssima baseada na Selva de Ferreira de Castro. Aí se detalha a engrenagem da escravidão por dívida dos seringueiros, hoje reproduzida sob outras formas igualmente infames, nomeadamente no Estado do Pará. A Amazónia epistemológica é a Amazónia dos conhecimentos ancestrais, da medicina à alimentação, da astronomia à construção naval, das floras e das faunas das realidades chãs e das encantarias. É uma sabedoria tão profunda e corrente quanto a correnteza dos rios.
E há finalmente a Amazónia social, económica e política. É a Amazónia dos conflitos agrários e da violência, envolvendo comunidades ribeirinhas e indígenas, latifundiários, grileiros (invasores de terras públicas), políticos conservadores, empresários do sector pesqueiro, madeireiros, empresas de mineração, etc. Como assinala o sociólogo Luís António de Sousa, trata-se de conflitos decorrentes do modelo clássico de ocupação do solo rural brasileiro: grilagem + violência + assassinatos + concentração fundiária + pauperização + impunidade + grilagem. Foi às mãos desse modelo que morreu Gedeão Silva, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Sul da Lábrea, emboscado e assassinado em 26 de Fevereiro de 2006. Teve a mesma sorte que os 1399 trabalhadores rurais assassinados entre 1985 e 2004 segundo os cálculos da Comissão Pastoral da Terra. A medida da impunidade está em que apenas 7% desses crimes foram levados a julgamento. Um dos mais hediondos foi o massacre de Eldorado dos Carajás, há precisamente 10 anos, quando três mil trabalhadores rurais sem terra protestavam pela desapropriação da Fazenda Macaxeira. É possível que o governador do Pará que ordenou o massacre volte a ganhar as eleições para governador no próximo mês de Outubro.
A mais sombria de todas as Amazónias é a Amazónia militar. Trata-se de um plano norte‑americano com a serviçal lealdade das Forças Armadas da Colômbia (Plano Colômbia), Equador, Perú e Brasil para proteger (de quem?) as riquezas da Amazónia. Não me surpreenderia se dentro de algumas décadas o Médio Oriente se mudasse para aqui.
Boaventura de Sousa Santos
http://www.infoalternativa.org/autores/bss/bss050.htm
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