sábado, setembro 23, 2006

Breve reflexão sobre holocaustos

Uma ofensiva de desinformação tem acompanhado a guerra criminosa que atinge o povo do Líbano e a agressão permanente contra o povo da Palestina. Na Europa e nos Estados Unidos a comunicação social, especialmente os colunistas dos grandes jornais, esforçam-se por desculpabilizar Israel, aceitando como válida a tese da “legítima defesa”.
A invasão do Sul do Líbano e os bombardeamentos das cidades daquele país assim como os ataques a Gaza seriam, afinal, uma resposta à recusa da libertação de soldados “sequestrados” pelo Hezbollah e por milícias do Hamas. Talvez “desproporcionada”, mas justificada pelas exigências da luta contra “o terrorismo”.
Os média ocidentais que definem como terroristas os palestinianos encarcerados nos presídios de Israel omitem que os soldados israelenses capturados são, afinal, prisioneiros de guerra. A linguagem utilizada é, por si só, esclarecedora da manipulação das consciências. A exigência da troca de prisioneiros apresentada pelo Hezbollah não é tratada com seriedade pelos analistas.
A realidade transparente tem um toque de surrealismo: alegadamente para libertar três soldados, Israel matou mais de um milhar de pessoas e reduziu a montes de escombros as cidades libanesas.
Tal como tem ocorrido em crises similares, o agressor é retratado como uma nação cercada que luta pela sobrevivência, hostilizada permanentemente por organizações terroristas.
A nota emocional é frequente. O tema do Holocausto funciona como argumento para justificar a necessidade da defesa de um povo que sofreu como nenhum outro os efeitos da barbárie humana.
E ai de quem ouse lembrar que outros povos foram vítimas de genocídios similares, não sendo uma excepção a tragédia que desabou sobre os judeus durante o Reich nazi. Intelectuais que lembraram essa evidência logo foram acusados de anti-semitas e de fundamentalistas pró árabes e alvo de campanhas de descrédito.
O monstruoso comportamento do Estado sionista nas últimas semanas torna entretanto necessário enfrentar o tabu do Holocausto.
Em primeiro lugar cabe recordar às novas gerações que a palavra, vinda do grego antigo, tem origem em sacrifícios rituais, pagãos, em que animais eram oferecidos aos deuses.
Foi a partir do século XIX que a palavra holocausto passou a designar grandes massacres. E somente após a Segunda Guerra Mundial esse termo, com maiúscula, apareceu ligado ao extermínio dos judeus pelo nazismo.
A vida proporcionou-me a oportunidade de visitar o campo da morte de Aushwitz, na Polónia. O que ali vi e senti deixou em mim marcas inapagáveis. Recordo que na longa viagem de regresso a Varsóvia não fui capaz de proferir uma palavra. Em nenhum outro lugar foram abatidos como animais nas câmaras da gás tantos judeus. Os sofrimentos dessas vítimas da irracionalidade criminosa do fascismo mereceram e merecem o meu profundo respeito.
Mas esquecer que em Aushwitz como em Birkenau, Treblinka e outros campos de extermínio hitlerianos foram assassinados milhões de prisioneiros que não eram judeus é desrespeitar a história. As SS também fabricaram margarina com a gordura de gente não judia. Vi abat jours feitos com a pele de russos.

OUTROS HOLOCAUSTOS
O cientista político James Petras, da Universidade de Nova Iorque, num lúcido ensaio – Twenty Century Holocausts [1] – criticou recentemente a insistência do sionismo em transformar o Holocausto numa tragédia sem precedentes da qual os judeus teriam sido as únicas vítimas. E citou numerosos exemplos de outros holocaustos, a maioria no Século XX.
Recordou nomeadamente que o Reich nazi é responsável pela morte de mais de vinte milhões de soviéticos durante a II Guerra e de muitos outros milhões de não judeus em países europeus ocupados.
Evocou também as matanças de milhões de asiáticos e africanos pelas potências imperialistas, sobretudo no século XIX.
O genocídio dos arménios pelos turcos durante a I Guerra Mundial foi igualmente um gigantesco holocausto quase esquecido.
E os holocaustos de índios na América, quem fala deles hoje?
O dos primitivos povoadores dos Estados Unidos é conhecido através do cinema, mas pouca gente tem conhecimento da hecatombe dos índios da América do Sul. Quantos europeus sabem que a conquista do México pelos espanhóis quase despovoou aquele país? Um século após a chegada de Cortés, dos 10 milhões de habitantes restava apenas um.
E haverá Holocausto mais abjecto e monstruoso do que o resultante da escravatura? Os historiadores admitem que mais de um quarto dos 19 milhões de escravos transportados da África sub-sahariana para a América morreram durante a travessia do Atlântico. Outros milhões pereceram nas plantações vendidos e tratados como gado.
Os exemplos de holocaustos de povos são muitos. Erigir o dos judeus num genocídio sem precedentes é deformar a História com objectivos políticos.
Não cabe neste texto uma reflexão crítica sobre a utilização do Antigo Testamento para justificar a criação do Estado de Israel. Mas a agressão irracional e abjecta de que é vitima o povo da Palestina martirizada torna um dever recordar que os seus antepassados já ali viviam muito antes da chegada dos primeiros judeus no século X antes da Nossa Era.
Os árabes são um povo semita como os judeus. Irmãos pela origem, com línguas da mesma família. Esse parentesco não impede que o Estado sionista de Israel, com instituições ainda formalmente democráticas, imite hoje na região em agressões de contornos fascistas o comportamento criminoso de que os judeus foram vítimas quando perseguidos e chacinados pelo III Reich. Com a peculiaridade de que as vítimas das bombas israelenses são desta vez crianças, mulheres e homens libaneses, gente civil, cristã e muçulmana, que vive além da fronteira do Estado judaico, mas nunca pegou em armas contra os filhos da terra de Sion.
Esta guerra, concebida por Israel com o apoio dos EUA, configura como acto de barbárie, um crime contra a humanidade.

[1] James Petras, Modernity and Twentieth Century Holocausts: Empire-Building and Mass Murder, Axis of Logic, 21/07/2006 (n. IA).
Miguel Urbano Rodrigues
http://www.infoalternativa.org/autores/mur/mur004.htm
Nota:

Trata-se de uma reflexão sobre os Holocaustos. Interessante ver que não há uma única palavra sobre os Holocaustos perpetrados por Estaline, Mao, e os do Sudeste Asiático…Mas aí o autor pode-se sempre defender dizendo que se trata de uma “breve reflexão”…Ou não?...

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