O ministério britânico dos Negócios Estrangeiros proibiu o embaixador Craig Murray de publicar documentos na sua posse que mostram a responsabilidade da Coroa na Internacional da tortura. Relativamente à necessidade de trazer estes documentos ao conhecimento do público, particularmente dos súbditos da Sua Muito Graciosa Majestade, para defender a liberdade, a Rede Voltaire decidiu prestar o seu apoio ao embaixador Murray e enfrentar a censura publicando as provas da culpabilidade da Coroa. Apela a todos os outros sítios de informação a retomá-los por sua vez.
Craig Murray, que os nossos leitores conhecem já desde a sua intervenção na conferência Axis for Peace de Novembro de 2005, era embaixador da Coroa britânica no Uzbequistão até à sua denúncia do apoio prestado pelo eixo estadunidense‑britânico ao regime iníquo de Islam Karimov sob o pretexto de “guerra contra o terrorismo” [1]. A fim de provar as suas declarações, tinha mesmo feito encaminhar até ao Reino Unido e autopsiar o corpo de um opositor uzbeque a fim de provar que tinha sido fervido vivo.
Em pleno escândalo da subcontratação da tortura pela Coligação da “guerra contra o terrorismo” a regimes que a praticam correntemente a fim de fazer calar a sua oposição, Craig Murray lutou para fazer publicar o seu relato e o conjunto dos elementos à sua disposição sob a forma de um livro, Murder in Samarkand (Assassinato em Samarcanda), que contém as provas, sob a forma de documentos oficiais carimbados pelo ministério dos Negócios Estrangeiros de Sua Majestade, da utilização pela Coligação de informações obtidas sob tortura. Pelo menos este livro devia conter estas provas, divulgadas em virtude da “Freedom of Information Act”, pois a partir da sua publicação Murray descobriu que ele significava que lhe seria intentado um processo por… transgredir o direito de reprodução de documentos que emanam da Coroa! Seria certamente mais simples para o Foreign Office (ministério dos Negócios Estrangeiros britânico) processá-lo pela divulgação de segredos de Estado, no entanto nenhum tribunal aceitaria condenar um militante que denuncia a tortura.
Assim, tal processo contra Murray significaria para o governo de Tony Blair negar a Freedom of Information Act (FOIA) que ele mesmo estabeleceu, antes do desencadeamento da “guerra contra o terrorismo”, e proibir a publicação de qualquer documento proveniente do governo britânico durante cem anos (lei sobre os direitos de autor), salvo para uma utilização estritamente pessoal.
Ameaçado de endividamento colossal, Murray resolveu-se pois a fazer figurar no seu livro apenas os endereços de Internet que apontam para os documentos acessíveis gratuitamente no seu sítio Internet, livrando‑se assim de qualquer acusação de utilização comercial de documentos de propriedade “alheia”. Evidentemente, as ameaças não cessaram por isso.
É de notar que até agora, o Foreign Office afirmava que estes documentos eram falsos. Insistindo no facto de que é proprietário, admite hoje a autenticidade. Além disso, os detalhes das outras modificações pedidas pelo Foreign Office (ver documento 1) são muito reveladores. Por exemplo, foi exigida a retirada da afirmação segundo a qual Colin Powell mentia conscientemente afirmando que os atentados de Taschkent eram obra da Al Qaeda [1], não sob pretexto de que se trataria de uma mentira, mas porque isso «traria prejuízo às relações anglo‑estadunidenses»!
Com toda a evidência, esta série de quinze documentos constitui uma das provas esmagadoras da existência de uma “internacional da tortura” supervisionada pela Coligação anglo‑saxónica e da duplicidade da “guerra contra o terrorismo”. Perante os ataques repetidos contra o sítio Internet de Murray desde a publicação destes documentos, consideramos pois que era importante responder ao apelo de Craig Murray e alojá‑los no servidor da Rede Voltaire. Eis pois a integralidade destes documentos, incluindo os doravante famosos “Telegramas de Taschkent” bem como diversas trocas entre Craig Murray e os protagonistas desta intriga digna dos períodos mais sombrios do século vinte na Europa.
DOCUMENTOS EM ANEXO [ligações para o sítio da Rede Voltaire]
Documento 01: Comentários do Foreign Office (pdf, 4,4 Mb)
Este documento detalha os pedidos de modificações ao manuscrito do livro Assassinato em Samarcanda provenientes do ministério dos Negócios Estrangeiros britânico.
Documento 02: Telegrama FMI (pdf, 890,4 Kb)
«Este é o rascunho original do telegrama que enviei a respeito do FMI e da política económica. O computador no meu escritório não podia ser ligado ao nosso equipamento de comunicação, assim depois de dactilografá-lo no meu editor de texto, Jackie e Karen tiveram de dactilografá-lo de novo nos aparelhos de comunicação. Enquanto eles faziam isso, a inspiração veio‑me e completei o telegrama à mão.»
Documento 03: Telegrama de Craig Murray ao Foreign Office (pdf, 53,4 Kb)
«Estava no Uzbequistão há exactamente quatro semanas quando fiquei convencido que a política ocidental na Ásia Central era completamente aberrante. Este telegrama era a minha primeira declaração importante do meu ponto de vista a Londres, onde foi acolhido como um choque brutal.»
Documento 04: Discurso (pdf, 530 Kb)
«O chefe do Departamento do Leste, Simon Butt, e o chefe do Serviço Diplomático, Sir Michael Jay KCMG, estavam horrorizados pelo meu questionamento da política externa estadunidense e pela minha proposta de pronunciar um forte discurso sobre direitos humanos no Uzbequistão. Esse não era de todo o modo como Sir Michael Jay via a diplomacia. Na verdade, convém mesmo notar que, se substituir a palavra “diplomacia” por “duplicidade” no e‑mail de Michael Jay, continua perfeitamente a fazer sentido.»
Documento 05: Negociação com Hill (pdf, 1 Mb)
«A minha proposta de pronunciar um forte discurso sobre os direitos humanos uzbeques na Freedom House suscitou uma viva oposição de Sir Michael Jay e de Simon Butt. Charles Hill, do Departamento do Leste, tinha por tarefa negociar o texto comigo e, após esta correspondência bastante contundente, obtive em grande parte o discurso que queria.»
Documento 06: A nota de Michael Wood de 13 de Março (pdf, 78,6 Kb)
«Depois dos meus protestos a respeito da nossa obtenção de informações sob tortura, fiquei surpreendido por ser chamado de volta a Londres para uma reunião, em 8 de Março de 2003, durante a qual me foi dito que as informações de tortura eram legais, que Jack Straw e Sir Richard Dearlove, chefe do MI6, tinham decidido que na “guerra contra o terrorismo” devíamos, a título de política, utilizar informações obtidas sob tortura exercida por serviços de informações estrangeiros.
Na reunião foi acordado que Sir Michael Wood, conselheiro jurídico chefe do Foreign Office, poria por escrito o seu parecer segundo o qual não estávamos a cometer nenhuma ilegalidade ao obter informações de tortura. Esta minuta é essa garantia legal.»
Documento 07: Telegrama de 18 de Março de 2003 intitulado “Política Externa dos EUA” (pdf, 29,1 Kb)
«Fiquei horrorizado quando o ataque maciço contra o Iraque começou. Sabia que o Iraque não possuía realmente armas de destruição maciça, e que as nossas armas eram muito menos precisas do que a propaganda mediática pretendia; dezenas de milhares de civis estavam a morrer.
Dado que apoiávamos o ditador Karimov, pensei que era muito engraçado pretender que atacávamos Hussein porque era um ditador. Fiquei então indignado de ver na BBC World um discurso de George Bush dizendo que partíamos para a guerra no Iraque para desmantelar o sistema de tortura de Saddam Hussein. Acabava de ser informado material de tortura era legítimo na guerra contra o terrorismo.
Assim, enviei o seguinte telegrama. Este foi o único protesto de algum embaixador britânico a respeito da nossa entrada numa guerra ilegal, abandonando o Conselho de Segurança e seguindo cegamente a política externa violenta e predadora de George Bush.»
Documento 08: Carta de Simon Butt datada de 16 de Abril de 2003 (pdf, 495,6 Kb)
«Após o meu telegrama do início da guerra do Iraque, Simon Butt, chefe do Departamento do Leste, foi enviado de Londres para me dizer que era agora considerado “antipatriótico”. No regresso encontrou‑se com Sir Michael Jay (PUS) para discutir como lidar comigo. A sua carta dá conta desta conversa.
Fora do contexto político, há duas coisas surpreendentes acerca desta carta. A primeira é o libelo por um departamento governamental do deputado trabalhista anti‑guerra Andrew Mackinlay, que tanto quanto eu sabia nunca tinha posto os pés num clube de strip‑tease, na Polónia ou noutro lugar.
A segunda é que observa que depois de jantar fui com uma jovem mulher a um clube de jazz (o que fiz – foi com a minha secretária Kristina, e fomos simplesmente para uma bebida rápida). Mas enquanto sopra aquilo com muita insinuação, falha em observar algo muito mais significativo.
Enquanto jantávamos, o neto do nosso anfitrião, o professor Mirsaidov, um eminente dissidente, tinha sido raptado fora da casa pelos serviços de segurança uzbeques. Tinha sido torturado até à morte e o seu corpo largado na entrada de casa da família às 4 horas da manhã. Pretendia ser um aviso aos dissidentes e à embaixada britânica para não se encontrarem.
Simon Butt estava perfeitamente a par destes factos quando escreveu esta carta, mas manifestamente o assassinato do neto do nosso anfitrião – que era inconveniente para a nossa importante relação com Karimov na guerra contra o terrorismo – era muito menos digno de ser mencionado do que a minha saída para tomar uma bebida num bar de jazz.»
Documento 09: Troca de mensagens electrónicas com Linda Duffield (pdf, 2,2 Mb)
«Com a guerra do Iraque a todo o vapor, vi‑me etiquetado como não fiável na guerra contra o terrorismo e simplesmente “enviado para Coventry” pelos meus superiores de Londres, como me queixei nesta troca de mensagens electrónicas com Linda Duffield. Isto mostrou ser a calma antes da tempestade.»
Documento 10: O relatório de Colin Reynolds de 26 de Junho de 2003 (pdf, 1 Mb)
«Perdemos o nosso responsável político quando quebrou sob a pressão e começou a atacar pessoas na rua. O seu parceiro, o meu assistente, partiu igualmente. Era todo o meu pessoal político e económico britânico que desaparecia.
O departamento do pessoal enviou um funcionário, Colin Reynolds, ostensivelmente para uma visita de rotina após estes acontecimentos. Na verdade tinha sido mandatado pelo Foreign Office para procurar desculpas para me afastar, e informou acerca de rumores originados pela embaixada estadunidense, segundo os quais era um alcoólico e mantinha um “ninho de amor” em Taschkent – ambos completamente falsos.
Na verdade, o relatório Reynolds foi bastante justo. As suas observações de que certos procedimentos não foram seguidos correctamente eram exactas – não menciona a minha resposta, de que o pequeno grupo da nossa embaixada em Taschkent não estava equipado para levar a cabo todos os requerimentos burocráticos do FCO [Foreign and Commonwealth Office].»
Documento 11: Minutas da minha entrevista com Howard Drake (pdf, 1,3 Mb)
«Fiquei encantado por ir de férias para o Canadá com a minha família após um ano esgotante e difícil. Tendo o funcionário do pessoal, Colin Reynolds, falhado em levar a resposta que esperavam, enquanto eu estava de licença o FCO enviou um responsável político, Dominic Schroeder, para Taschkent. A desculpa era uma “Crise” que eles mesmos tinham criado ao suspender os meus cinco elementos mais experientes do pessoal.
Schroeder voltou a Londres e diligentemente relatou que tinha descoberto alegações de má administração, de alcoolismo, de corrupção financeira e de ofertas de sexo em troca de vistos.
Imediatamente fui intimado a regressar de férias e voltei para encontrar Howard Drake do Departamento de Pessoal. Fui directo do aeroporto ao seu escritório após um voo nocturno de 16 horas de Vancouver via Chicago, não tendo dormido durante 60 horas. Enquanto cruzava a porta, não fazia ideia de que estava prestes a enfrentar uma avalanche de falsas alegações e um pedido de demissão.
Nas circunstâncias, estou surpreendido de quão bem me consegui defender nesta reunião! Deve ter em conta que este é o registo de Howard Drake desta reunião; consequentemente, coloca o melhor verniz possível sobre o que o FCO estava a fazer.»
Documento 12: Carta de homens de negócios britânicos em Taschkent (pdf, 1,2 Mb)
«A comunidade britânica em Taschkent estava estupefacta ao saber que o seu embaixador era objecto de ataques.»
Documento 13: Mensagem electrónica para Kate Smith (pdf, 495,1 Kb)
«Tornou‑se evidente para mim que não tinha esperança de uma investigação justa das alegações contra mim. Em particular, não seria autorizado a chamar testemunhas de defesa; com efeito, não me foi dada autorização para falar a alguém da existência das acusações. Também fui proibido de entrar na minha própria embaixada, e confinado à minha casa em Taschkent.
Tornou‑se demasiado para mim, e enviei esta mensagem electrónica de Taschkent para a minha representante sindical, Kate Smith, imediatamente antes de partir para tratamento psiquiátrico por depressão. Estou surpreendido por quão bem articulada e lúcida foi a minha mensagem electrónica.»
Documento 14: Minuta de 26 de Setembro de 2003 (pdf, 326,3 Kb)
«Recebi muitos documentos através de um pedido sob a Data Protection Act. Estes foram editados pelo Foreign Office, com áreas riscadas a preto no “interesse da segurança nacional”.
Este é um exemplo interessante. Esta minuta de 26 de Setembro de 2003 é dirigida a Sir Michael Jay (PS/PUS) e Jack Straw (PS). Por convenção, as minutas são dirigidas ao secretário privado (PS) e não directamente ao secretário de Estado.
Entre as coisas riscadas a preto por razões de segurança nacional está para quem a minuta foi copiada. Os destinatários figurariam no canto superior direito sob a data. Um amigo meu no gabinete de Jack Straw (recordem que trabalhei no FCO durante 21 anos) diz‑me que os destinatários da cópia deste e de muitos outros documentos sobre mim que transitavam pelo gabinete de Jack Straw, incluíam o n.º 10 de Downing Street [primeiro‑ministro], o MI6 e o MOD [Ministério da Defesa]. É por isso que foram riscados. Como é explicado em pormenor no livro, a instrução para se desembaraçarem de mim tinha chegado ao FCO do n.º 10 sob a instigação dos americanos.
É fascinante pensar sobre que outras passagens o FCO julgou necessário censurar nestas minutas.»
Documento 15: Telegrama (pdf, 33,1 Kb)
«Continuei a recusar demitir‑me e finalmente fui considerado não culpado de todas as alegações contra mim, mas foi‑me dada uma advertência formal por não ter mantido as alegações secretas. Após uma campanha parlamentar e mediática a meu favor, regressei como embaixador a Taschkent.
Em Julho de 2004, após as revelações sobre Abu Ghraib, voltei outra vez a argumentar com Londres que não devíamos receber informações das câmaras de tortura uzbeques. Estávamos, disse, «a vender as nossas almas por escória». Este telegrama foi filtrado para o Financial Times, levando o FCO a dizer ao governo uzbeque (antes de me dizer a mim) que tinha sido retirado como embaixador britânico em Taschkent.»
[1] Ver Arthur Lepic, O déspota uzbeque compra para si uma respeitabilidade, Voltaire, 2 de Abril de 2004.
Arthur Lepic
http://www.infoalternativa.org/europa/e044.htm
Craig Murray, que os nossos leitores conhecem já desde a sua intervenção na conferência Axis for Peace de Novembro de 2005, era embaixador da Coroa britânica no Uzbequistão até à sua denúncia do apoio prestado pelo eixo estadunidense‑britânico ao regime iníquo de Islam Karimov sob o pretexto de “guerra contra o terrorismo” [1]. A fim de provar as suas declarações, tinha mesmo feito encaminhar até ao Reino Unido e autopsiar o corpo de um opositor uzbeque a fim de provar que tinha sido fervido vivo.
Em pleno escândalo da subcontratação da tortura pela Coligação da “guerra contra o terrorismo” a regimes que a praticam correntemente a fim de fazer calar a sua oposição, Craig Murray lutou para fazer publicar o seu relato e o conjunto dos elementos à sua disposição sob a forma de um livro, Murder in Samarkand (Assassinato em Samarcanda), que contém as provas, sob a forma de documentos oficiais carimbados pelo ministério dos Negócios Estrangeiros de Sua Majestade, da utilização pela Coligação de informações obtidas sob tortura. Pelo menos este livro devia conter estas provas, divulgadas em virtude da “Freedom of Information Act”, pois a partir da sua publicação Murray descobriu que ele significava que lhe seria intentado um processo por… transgredir o direito de reprodução de documentos que emanam da Coroa! Seria certamente mais simples para o Foreign Office (ministério dos Negócios Estrangeiros britânico) processá-lo pela divulgação de segredos de Estado, no entanto nenhum tribunal aceitaria condenar um militante que denuncia a tortura.
Assim, tal processo contra Murray significaria para o governo de Tony Blair negar a Freedom of Information Act (FOIA) que ele mesmo estabeleceu, antes do desencadeamento da “guerra contra o terrorismo”, e proibir a publicação de qualquer documento proveniente do governo britânico durante cem anos (lei sobre os direitos de autor), salvo para uma utilização estritamente pessoal.
Ameaçado de endividamento colossal, Murray resolveu-se pois a fazer figurar no seu livro apenas os endereços de Internet que apontam para os documentos acessíveis gratuitamente no seu sítio Internet, livrando‑se assim de qualquer acusação de utilização comercial de documentos de propriedade “alheia”. Evidentemente, as ameaças não cessaram por isso.
É de notar que até agora, o Foreign Office afirmava que estes documentos eram falsos. Insistindo no facto de que é proprietário, admite hoje a autenticidade. Além disso, os detalhes das outras modificações pedidas pelo Foreign Office (ver documento 1) são muito reveladores. Por exemplo, foi exigida a retirada da afirmação segundo a qual Colin Powell mentia conscientemente afirmando que os atentados de Taschkent eram obra da Al Qaeda [1], não sob pretexto de que se trataria de uma mentira, mas porque isso «traria prejuízo às relações anglo‑estadunidenses»!
Com toda a evidência, esta série de quinze documentos constitui uma das provas esmagadoras da existência de uma “internacional da tortura” supervisionada pela Coligação anglo‑saxónica e da duplicidade da “guerra contra o terrorismo”. Perante os ataques repetidos contra o sítio Internet de Murray desde a publicação destes documentos, consideramos pois que era importante responder ao apelo de Craig Murray e alojá‑los no servidor da Rede Voltaire. Eis pois a integralidade destes documentos, incluindo os doravante famosos “Telegramas de Taschkent” bem como diversas trocas entre Craig Murray e os protagonistas desta intriga digna dos períodos mais sombrios do século vinte na Europa.
DOCUMENTOS EM ANEXO [ligações para o sítio da Rede Voltaire]
Documento 01: Comentários do Foreign Office (pdf, 4,4 Mb)
Este documento detalha os pedidos de modificações ao manuscrito do livro Assassinato em Samarcanda provenientes do ministério dos Negócios Estrangeiros britânico.
Documento 02: Telegrama FMI (pdf, 890,4 Kb)
«Este é o rascunho original do telegrama que enviei a respeito do FMI e da política económica. O computador no meu escritório não podia ser ligado ao nosso equipamento de comunicação, assim depois de dactilografá-lo no meu editor de texto, Jackie e Karen tiveram de dactilografá-lo de novo nos aparelhos de comunicação. Enquanto eles faziam isso, a inspiração veio‑me e completei o telegrama à mão.»
Documento 03: Telegrama de Craig Murray ao Foreign Office (pdf, 53,4 Kb)
«Estava no Uzbequistão há exactamente quatro semanas quando fiquei convencido que a política ocidental na Ásia Central era completamente aberrante. Este telegrama era a minha primeira declaração importante do meu ponto de vista a Londres, onde foi acolhido como um choque brutal.»
Documento 04: Discurso (pdf, 530 Kb)
«O chefe do Departamento do Leste, Simon Butt, e o chefe do Serviço Diplomático, Sir Michael Jay KCMG, estavam horrorizados pelo meu questionamento da política externa estadunidense e pela minha proposta de pronunciar um forte discurso sobre direitos humanos no Uzbequistão. Esse não era de todo o modo como Sir Michael Jay via a diplomacia. Na verdade, convém mesmo notar que, se substituir a palavra “diplomacia” por “duplicidade” no e‑mail de Michael Jay, continua perfeitamente a fazer sentido.»
Documento 05: Negociação com Hill (pdf, 1 Mb)
«A minha proposta de pronunciar um forte discurso sobre os direitos humanos uzbeques na Freedom House suscitou uma viva oposição de Sir Michael Jay e de Simon Butt. Charles Hill, do Departamento do Leste, tinha por tarefa negociar o texto comigo e, após esta correspondência bastante contundente, obtive em grande parte o discurso que queria.»
Documento 06: A nota de Michael Wood de 13 de Março (pdf, 78,6 Kb)
«Depois dos meus protestos a respeito da nossa obtenção de informações sob tortura, fiquei surpreendido por ser chamado de volta a Londres para uma reunião, em 8 de Março de 2003, durante a qual me foi dito que as informações de tortura eram legais, que Jack Straw e Sir Richard Dearlove, chefe do MI6, tinham decidido que na “guerra contra o terrorismo” devíamos, a título de política, utilizar informações obtidas sob tortura exercida por serviços de informações estrangeiros.
Na reunião foi acordado que Sir Michael Wood, conselheiro jurídico chefe do Foreign Office, poria por escrito o seu parecer segundo o qual não estávamos a cometer nenhuma ilegalidade ao obter informações de tortura. Esta minuta é essa garantia legal.»
Documento 07: Telegrama de 18 de Março de 2003 intitulado “Política Externa dos EUA” (pdf, 29,1 Kb)
«Fiquei horrorizado quando o ataque maciço contra o Iraque começou. Sabia que o Iraque não possuía realmente armas de destruição maciça, e que as nossas armas eram muito menos precisas do que a propaganda mediática pretendia; dezenas de milhares de civis estavam a morrer.
Dado que apoiávamos o ditador Karimov, pensei que era muito engraçado pretender que atacávamos Hussein porque era um ditador. Fiquei então indignado de ver na BBC World um discurso de George Bush dizendo que partíamos para a guerra no Iraque para desmantelar o sistema de tortura de Saddam Hussein. Acabava de ser informado material de tortura era legítimo na guerra contra o terrorismo.
Assim, enviei o seguinte telegrama. Este foi o único protesto de algum embaixador britânico a respeito da nossa entrada numa guerra ilegal, abandonando o Conselho de Segurança e seguindo cegamente a política externa violenta e predadora de George Bush.»
Documento 08: Carta de Simon Butt datada de 16 de Abril de 2003 (pdf, 495,6 Kb)
«Após o meu telegrama do início da guerra do Iraque, Simon Butt, chefe do Departamento do Leste, foi enviado de Londres para me dizer que era agora considerado “antipatriótico”. No regresso encontrou‑se com Sir Michael Jay (PUS) para discutir como lidar comigo. A sua carta dá conta desta conversa.
Fora do contexto político, há duas coisas surpreendentes acerca desta carta. A primeira é o libelo por um departamento governamental do deputado trabalhista anti‑guerra Andrew Mackinlay, que tanto quanto eu sabia nunca tinha posto os pés num clube de strip‑tease, na Polónia ou noutro lugar.
A segunda é que observa que depois de jantar fui com uma jovem mulher a um clube de jazz (o que fiz – foi com a minha secretária Kristina, e fomos simplesmente para uma bebida rápida). Mas enquanto sopra aquilo com muita insinuação, falha em observar algo muito mais significativo.
Enquanto jantávamos, o neto do nosso anfitrião, o professor Mirsaidov, um eminente dissidente, tinha sido raptado fora da casa pelos serviços de segurança uzbeques. Tinha sido torturado até à morte e o seu corpo largado na entrada de casa da família às 4 horas da manhã. Pretendia ser um aviso aos dissidentes e à embaixada britânica para não se encontrarem.
Simon Butt estava perfeitamente a par destes factos quando escreveu esta carta, mas manifestamente o assassinato do neto do nosso anfitrião – que era inconveniente para a nossa importante relação com Karimov na guerra contra o terrorismo – era muito menos digno de ser mencionado do que a minha saída para tomar uma bebida num bar de jazz.»
Documento 09: Troca de mensagens electrónicas com Linda Duffield (pdf, 2,2 Mb)
«Com a guerra do Iraque a todo o vapor, vi‑me etiquetado como não fiável na guerra contra o terrorismo e simplesmente “enviado para Coventry” pelos meus superiores de Londres, como me queixei nesta troca de mensagens electrónicas com Linda Duffield. Isto mostrou ser a calma antes da tempestade.»
Documento 10: O relatório de Colin Reynolds de 26 de Junho de 2003 (pdf, 1 Mb)
«Perdemos o nosso responsável político quando quebrou sob a pressão e começou a atacar pessoas na rua. O seu parceiro, o meu assistente, partiu igualmente. Era todo o meu pessoal político e económico britânico que desaparecia.
O departamento do pessoal enviou um funcionário, Colin Reynolds, ostensivelmente para uma visita de rotina após estes acontecimentos. Na verdade tinha sido mandatado pelo Foreign Office para procurar desculpas para me afastar, e informou acerca de rumores originados pela embaixada estadunidense, segundo os quais era um alcoólico e mantinha um “ninho de amor” em Taschkent – ambos completamente falsos.
Na verdade, o relatório Reynolds foi bastante justo. As suas observações de que certos procedimentos não foram seguidos correctamente eram exactas – não menciona a minha resposta, de que o pequeno grupo da nossa embaixada em Taschkent não estava equipado para levar a cabo todos os requerimentos burocráticos do FCO [Foreign and Commonwealth Office].»
Documento 11: Minutas da minha entrevista com Howard Drake (pdf, 1,3 Mb)
«Fiquei encantado por ir de férias para o Canadá com a minha família após um ano esgotante e difícil. Tendo o funcionário do pessoal, Colin Reynolds, falhado em levar a resposta que esperavam, enquanto eu estava de licença o FCO enviou um responsável político, Dominic Schroeder, para Taschkent. A desculpa era uma “Crise” que eles mesmos tinham criado ao suspender os meus cinco elementos mais experientes do pessoal.
Schroeder voltou a Londres e diligentemente relatou que tinha descoberto alegações de má administração, de alcoolismo, de corrupção financeira e de ofertas de sexo em troca de vistos.
Imediatamente fui intimado a regressar de férias e voltei para encontrar Howard Drake do Departamento de Pessoal. Fui directo do aeroporto ao seu escritório após um voo nocturno de 16 horas de Vancouver via Chicago, não tendo dormido durante 60 horas. Enquanto cruzava a porta, não fazia ideia de que estava prestes a enfrentar uma avalanche de falsas alegações e um pedido de demissão.
Nas circunstâncias, estou surpreendido de quão bem me consegui defender nesta reunião! Deve ter em conta que este é o registo de Howard Drake desta reunião; consequentemente, coloca o melhor verniz possível sobre o que o FCO estava a fazer.»
Documento 12: Carta de homens de negócios britânicos em Taschkent (pdf, 1,2 Mb)
«A comunidade britânica em Taschkent estava estupefacta ao saber que o seu embaixador era objecto de ataques.»
Documento 13: Mensagem electrónica para Kate Smith (pdf, 495,1 Kb)
«Tornou‑se evidente para mim que não tinha esperança de uma investigação justa das alegações contra mim. Em particular, não seria autorizado a chamar testemunhas de defesa; com efeito, não me foi dada autorização para falar a alguém da existência das acusações. Também fui proibido de entrar na minha própria embaixada, e confinado à minha casa em Taschkent.
Tornou‑se demasiado para mim, e enviei esta mensagem electrónica de Taschkent para a minha representante sindical, Kate Smith, imediatamente antes de partir para tratamento psiquiátrico por depressão. Estou surpreendido por quão bem articulada e lúcida foi a minha mensagem electrónica.»
Documento 14: Minuta de 26 de Setembro de 2003 (pdf, 326,3 Kb)
«Recebi muitos documentos através de um pedido sob a Data Protection Act. Estes foram editados pelo Foreign Office, com áreas riscadas a preto no “interesse da segurança nacional”.
Este é um exemplo interessante. Esta minuta de 26 de Setembro de 2003 é dirigida a Sir Michael Jay (PS/PUS) e Jack Straw (PS). Por convenção, as minutas são dirigidas ao secretário privado (PS) e não directamente ao secretário de Estado.
Entre as coisas riscadas a preto por razões de segurança nacional está para quem a minuta foi copiada. Os destinatários figurariam no canto superior direito sob a data. Um amigo meu no gabinete de Jack Straw (recordem que trabalhei no FCO durante 21 anos) diz‑me que os destinatários da cópia deste e de muitos outros documentos sobre mim que transitavam pelo gabinete de Jack Straw, incluíam o n.º 10 de Downing Street [primeiro‑ministro], o MI6 e o MOD [Ministério da Defesa]. É por isso que foram riscados. Como é explicado em pormenor no livro, a instrução para se desembaraçarem de mim tinha chegado ao FCO do n.º 10 sob a instigação dos americanos.
É fascinante pensar sobre que outras passagens o FCO julgou necessário censurar nestas minutas.»
Documento 15: Telegrama (pdf, 33,1 Kb)
«Continuei a recusar demitir‑me e finalmente fui considerado não culpado de todas as alegações contra mim, mas foi‑me dada uma advertência formal por não ter mantido as alegações secretas. Após uma campanha parlamentar e mediática a meu favor, regressei como embaixador a Taschkent.
Em Julho de 2004, após as revelações sobre Abu Ghraib, voltei outra vez a argumentar com Londres que não devíamos receber informações das câmaras de tortura uzbeques. Estávamos, disse, «a vender as nossas almas por escória». Este telegrama foi filtrado para o Financial Times, levando o FCO a dizer ao governo uzbeque (antes de me dizer a mim) que tinha sido retirado como embaixador britânico em Taschkent.»
[1] Ver Arthur Lepic, O déspota uzbeque compra para si uma respeitabilidade, Voltaire, 2 de Abril de 2004.
Arthur Lepic
http://www.infoalternativa.org/europa/e044.htm
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