É de extrema urgência reflectir sobre uma política de emprego adequada à era pós-fóssil. Economia, ecologia, política e movimento sindical no umbral de uma mudança de era.
Todos os dados coincidem sem margem para dúvidas: o crescimento económico está a retroceder nos países industrializados: Um crescimento digno desse nome só acontece quando cada vez mais matéria e energia se transformam em bens e serviços que constituem o produto social. Porém, o aumento em termos absolutos do consumo de bens da natureza é, desde há anos, notavelmente estável. Na "Europa dos 25" manteve-se, de 1996 a 2005 entre os 700 e 900 euros (ecus antes de 1999) per capita por ano. Por seu lado, a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) entre 1996 e 2005 na "Europa dos 25" cresceu em média 2,5 por ano (até 2000 um pouco mais, depois, um pouco menos). Na Alemanha, o PIB real entre 2001 e 2005 teve um crescimento de apenas 0,36%. Como é sabido, o crescimento depende de duas componentes: do aumento do tempo de trabalho e do aumento da produtividade, sobre cada um dos quais incidem inúmeros factores. Por exemplo: o progresso técnico, o sistema de relações industriais, os mercados financeiros, a qualificação da força de trabalho ou a participação no rendimento dos diferentes grupos etários, ou seja, todos aqueles factores que as "regras de jogo" do capitalismo – seja "atlântico" ou "renano" – caracterizam como determinantes. Falta dizer que a equação do crescimento também se pode interpretar pela sua relação causal: quanto maior for a progressão da produtividade, tanto menor será a quantidade de trabalho necessária para atingir uma determinada taxa de crescimento. Para compensar este efeito, dado um determinado nível de produtividade, é sempre necessário aumentar a produção. Se isto não for conseguido, cresce o desemprego. Tudo isto foi já claramente entendido por David Ricardo no início do século XIX. Falou da redundant population ", originada pelo "aumento do bem-estar das nações": desempregados, marginalizados e milhares forçados à emigração. Entre 1820 e 1914, cerca de 55 milhões de europeus abandonaram o seu continente, encontrando um novo lar no "Mundo Novo", mas também na Austrália, Ásia e África. Hoje, multidões de "supérfluos planetários" vêem-se empurradas, não só para a inactividade e desemprego, mas também, em grande parte, para uma economia informal assente em precárias relações laborais. E, ainda, para os circuitos de migração, obviamente sem possibilidade de conquistar um "Novo Mundo", pois as fronteiras são espessas, e um novo "lar" só se consegue em situações de ilegalidade ou semilegalidade. Esta situação deixa os sindicatos perante um dilema: "O que acontece, se as de taxas de crescimento estão estagnadas e a Idade do Ouro dos elevados aumentos salariais ficou, irremediavelmente, para trás? O que acontece, se o aumento da produtividade é corresponsável por um desemprego maciço que se enquista estruturalmente, debilitando o poder negocial dos sindicatos, de tal modo que maior produtividade nem sequer conduz a salários mais elevados? É isto o que evidenciam os acordos colectivos desde 1997, nos quais apenas se registaram uns escassos aumentos salariais. Enquanto que, paralelamente, subia o desemprego, porque o aumento da produção não conseguiu, em nenhum momento, compensar o aumento da produtividade. Assim, há que colocar as seguintes interrogações: existem ainda margens de manobra para um aumento do crescimento que seja efectivo do ponto de vista do emprego? Que implicações têm os "limites de crescimento" na política dos sindicatos? Note-se que mesmo com taxas crescentes de crescimento, não se podem criar tantos empregos como os que se perdem: o "novo crescimento", afinal de contas, vem em parte do aumento de produtividade, a qual poupa trabalho. Só se houver melhorias na capacidade competitiva de "enquadramento" na concorrência global, se criarão, com as novas fatias de mercado conseguidas, novos postos de trabalho (evidentemente, à custa de postos de trabalho doutros "enquadramentos"). Se fizermos contas – para além das fronteiras nacionais num mundo globalizado – perdem-se mais postos de trabalho velhos do que se ganham novos. Por isso, desde há décadas que cresce o número de desempregados e de trabalhadores a tempo parcial, e se expandem por toda a parte, em todas a regiões do globo, os sectores de economia informal. Acresce ainda que o crescimento não pode ser re-orientado à medida dos nossos desejos, como muitos pretendem. Basta pensar nos limites ecológicos, que se tornaram bem evidentes em todo o mundo com o turbilhão de furacões durante o Verão e Outono de 2005. O PEAK OIL São, também, cada vez mais visíveis os iniludíveis limites dos recursos energéticos. O crescimento económico dos últimos 200 anos (desde a Revolução Industrial) assentou decisivamente no acesso fácil e barato às disponibilidades de fontes fósseis de energia, cujas existências, porém, são finitas e estão em vias de escassear. O ponto culminante da provisão de petróleo foi ultrapassado – o famoso "Peak Oil" – ou sê-lo-á dentro de pouco tempo (o mais tardar, na próxima década). Foram já consumidos 940 mil milhões de barris de petróleo e suspeita-se que só restam ainda na crosta terrestre entre 768 a 1.148 mil milhões de barris, ou seja a outra metade. Em consequência, o petróleo só estará disponível a preços mais altos, pois a procura dos países industrializados, assim como dos que estão agora num processo acelerado de industrialização, continua a crescer, enquanto a oferta diminui. Deste modo, a segunda metade das reservas planetárias de petróleo poderá ser consumida mais rapidamente do que a primeira; talvez em quatro ou cinco décadas. Vale a pena remontar aos primórdios da era dos combustíveis fósseis. Quando arrancou a Revolução Industrial, o crescimento da economia acelerou-se em muito pouco tempo. A taxa de crescimento do PIB aumentou entre 1820 e 2000 a uma média de 2,2% ao ano, enquanto nos dois milénios anteriores não dever ter chegado sequer a uma média de 0,2%. Esse salto qualitativo para uma economia capitalista de crescimento deixou também as suas marcas na semântica: o homem medieval mal tinha entendido o conceito de crescimento, e menos ainda a ideia de um elevado crescimento sustentado e duradouro. Em quase dois séculos alteraram-se as percepções e os discursos. A teoria económica desenvolveu teorias de crescimento de tipo keynesiano, neoclássico e institucionalista, cujo denominador comum era: através do crescimento económico podem resolver-se directamente todos os problemas de uma economia. "O crescimento é bom para os pobres", escrevia o Banco Mundial tendo em vista o objectivo do milénio, o qual consistia em reduzir a metade a pobreza do mundo até ao ano de 2010, passando por cima do facto de que o crescimento só é possível quando afluem os investimentos. Mas o que acontece quando os custos financeiros dos investimentos – designadamente os juros – são mais elevados do que as taxas reais de crescimento, como se verifica em toda a parte desde o começo dos anos oitenta? Não há, então, nenhuma redução da pobreza, mas sim aumento da dívida. Basta isto para nos apercebermos de que o crescimento não é uma categoria exclusivamente económica, mas que comporta também dimensões sociais e políticas. "O crescimento é bom para o emprego", repete-se uma e outra vez. Pode ser que sim, mas não tem necessariamente de ser. Os investimentos para chegarem a concretizar-se dependem da comparação dos ganhos que se possam obter nos mercados financeiros internacionais, da real "capacidade de rendimento marginal do capital"; quer dizer, das taxas de retorno do capital investido. Assim são as coisas, juros altos e ganhos altos funcionam com grande frequência em detrimento dos investimentos reais. E mesmo nos casos em que os investimentos se realizem, dada a pressão competitiva planetária sobre os mercados internacionais de mercadorias, redundam em geral em processos posteriores de racionalização, com a consequente perda de postos de trabalho. Não obstante tudo isto, proclama-se que o aumento do crescimento é o objectivo politico-económico universal. No seu acordo de coligação de Novembro de 2005 (na Alemanha) a CDU/CSU (democratas-cristãos/sociais-cristãos) e o SPD (sociais-democratas) assentaram na necessidade de "um novo crescimento", o qual, porém, foi definido em termos quantitativos como "um crescimento claramente maior". Maior crescimento deveria implicar maiores oportunidades de emprego, as quais, pela sua parte, trariam consigo maiores contribuições para a segurança social, a revitalização da procura e o saneamento dos orçamentos públicos. A questão fundamental permanece, no entanto, intacta: É ainda possível fixar-se, responsavelmente, o crescimento como objectivo da política económica num país industrializado e altamente desenvolvido? Perante as agressões suportadas pelo meio ambiente, podemos permitir-nos um crescimento que acarretará a expansão de um consumo de energia e matérias-primas? Porque não se toma em consideração o impacto que os mercados financeiros internacionais têm em juros e ganhos, e através deles, no crescimento da economia real? Naturalmente, os sindicatos também não estão imunes à mania do crescimento. Mesmo não existindo nenhuma relação directa entre investimentos, crescimento e emprego, é indiscutível que as possibilidades de aumento de emprego são maiores numa economia em crescimento do que numa economia estagnada ou em recessão. Daqui decorre que os sindicatos nunca ponham em causa o crescimento. Duvidam, contudo, que seja possível estimular o crescimento com os métodos neoclássicos-neoliberais de controlo político da oferta. E as experiências das últimas décadas dão-lhes razão. As comparações entre países mostram, com efeito, que as taxas de crescimento em caso algum são maiores onde reinam estritas políticas de oferta de desregulamentação e privatização, ou de flexibilização do mercado do trabalho. Uma política de estímulo da procura através de aumentos salariais e despesas sociais poderia sem dúvida reorientar a subida curva de crescimento do PIB. Porém, só se houver espaços de manobra para o crescimento: só em tal situação seria adequada uma estratégia de aumento do poder aquisitivo da população. E quando é que isso acontece? O desemprego maciço em todos os países industrializados, criou a disponibilidade de um potencial de trabalho praticamente ilimitado, ainda que possa haver estrangulamentos em determinadas qualificações profissionais. Mas os acréscimos de capital são cada vez mais caros. Em primeiro lugar, o coeficiente de capital aumenta em geral com o progresso técnico. Em segundo lugar, os custos dos investimentos reais aumentam com o nível real das taxas de juro nos mercados de capitais e com as elevadas exigências de retorno por parte dos investidores de capitais que operam à escala internacional. Espaços de manobra só existem se os bancos centrais dos grandes países concordarem em baixar a nível internacional as taxas de juro, mas isso fracassou até agora às mãos da enérgica pressão de interesses lobisticamente organizados. Em terceiro lugar, aumenta a despesa em matérias-primas, e exponencialmente no caso do petróleo e do gás. Até ao presente, "fiéis da balança ("swing producers") como a Arábia Saudita podiam travar o aumento dos preços do petróleo e do gás quando estes escasseavam. Essa possibilidade está actualmente limitada, tanto por causas geológicas como por motivos políticos (instabilidades nos países da OPEP), o que poderia condenar ao fracasso uma política económica orientada em função do estímulo à procura. Tal política só oferece uma perspectiva alternativa à política de estímulo à oferta, desde que haja verdadeiras reservas de crescimento. Extintas estas, não se pode esperar muito nem da política de estímulo à oferta, nem de estímulo à procura: a esperança de uma recuperação de taxas de crescimento elevadas revela-se uma ilusão. Neste contexto, os sindicatos teriam de actuar de acordo com uma dupla estratégia. Pode-se apostar numa estratégia de crescimento pela via do estímulo à procura, desde existam os mencionados espaços de manobra, e sempre que seja possível ampliar estes últimos mediante uma activa política económica e social, à escala nacional e, cada vez mais, europeia e global. Paralelamente, há que reflectir sobre política viável para uma nova época na qual o crescimento será recordado como uma mania patológica da era, definitivamente ultrapassada, dos combustíveis fósseis. Já John Stuart Mill, um clássico da economia do século XIX, imaginou uma economia estacionária de auto-suficiência contemplativa sem acumulação de crescimento. O progresso económico – ou seja, no conceito de desenvolvimento e não de crescimento – poderia estar plena e cumulativamente ao serviço da redução do tempo de trabalho. A estratégia sindical de redução do tempo de trabalho ganha, assim, actualmente, com os limites do crescimento e da era dos combustíveis fósseis, uma tónica completamente nova, que vai para além da habitual fundamentação na necessidade de mais tempo de ócio para auto-realização (" os sábados são para mim, papá .."). Se as fontes fósseis de energia tendem a esgotar-se e a energia nuclear carece de sentido como alternativa, que energias estão então disponíveis? As fontes de energias renováveis podem e devem substituir as fósseis: biomassa, vento, células fotovoltaicas, marés, energia hidráulica e outras tecnologias capazes de transformar a energia solar. De qualquer modo, é duvidoso que as fontes de energia renováveis permitam um regime de utilização espacial e temporal idêntico ao das energias fósseis; que a reticulação global não tenha que ser substituída por ciclos regionais; que os ritmos não tenham, de ser determinados pelos próprios processos de produção. Dado que até agora a aceleração de todos os processos acarretou como consequência o aumento da produtividade laboral (podia produzir-se mais no mesmo lapso de tempo), uma "desaceleração" poderia inibir o aumento da produtividade laboral e conduzir, de novo, a aumentos de emprego. Isto significa, que, actualmente, em paralelo ao estímulo do crescimento e ao aproveitamento de espaço políticos de manobra propiciados por uma economia em crescimento, do que se trata é de desenvolver uma "estratégia para além do crescimento" que se concentre na fontes de energia renováveis. A questão é que nos encontramos no ponto de viragem entre a era do crescimento "ainda-fóssil" e a era "pos-fóssil" das energias renováveis, para a qual nos devemos preparar seriamente. No que aos sindicatos diz respeito, essa preparação terá de passar pelo aproveitamento da janela de oportunidade (ainda) aberta e apostar numa política de emprego e rendimentos própria da era "post-fóssil".
Elmar Altvater
http://resistir.info/
Todos os dados coincidem sem margem para dúvidas: o crescimento económico está a retroceder nos países industrializados: Um crescimento digno desse nome só acontece quando cada vez mais matéria e energia se transformam em bens e serviços que constituem o produto social. Porém, o aumento em termos absolutos do consumo de bens da natureza é, desde há anos, notavelmente estável. Na "Europa dos 25" manteve-se, de 1996 a 2005 entre os 700 e 900 euros (ecus antes de 1999) per capita por ano. Por seu lado, a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) entre 1996 e 2005 na "Europa dos 25" cresceu em média 2,5 por ano (até 2000 um pouco mais, depois, um pouco menos). Na Alemanha, o PIB real entre 2001 e 2005 teve um crescimento de apenas 0,36%. Como é sabido, o crescimento depende de duas componentes: do aumento do tempo de trabalho e do aumento da produtividade, sobre cada um dos quais incidem inúmeros factores. Por exemplo: o progresso técnico, o sistema de relações industriais, os mercados financeiros, a qualificação da força de trabalho ou a participação no rendimento dos diferentes grupos etários, ou seja, todos aqueles factores que as "regras de jogo" do capitalismo – seja "atlântico" ou "renano" – caracterizam como determinantes. Falta dizer que a equação do crescimento também se pode interpretar pela sua relação causal: quanto maior for a progressão da produtividade, tanto menor será a quantidade de trabalho necessária para atingir uma determinada taxa de crescimento. Para compensar este efeito, dado um determinado nível de produtividade, é sempre necessário aumentar a produção. Se isto não for conseguido, cresce o desemprego. Tudo isto foi já claramente entendido por David Ricardo no início do século XIX. Falou da redundant population ", originada pelo "aumento do bem-estar das nações": desempregados, marginalizados e milhares forçados à emigração. Entre 1820 e 1914, cerca de 55 milhões de europeus abandonaram o seu continente, encontrando um novo lar no "Mundo Novo", mas também na Austrália, Ásia e África. Hoje, multidões de "supérfluos planetários" vêem-se empurradas, não só para a inactividade e desemprego, mas também, em grande parte, para uma economia informal assente em precárias relações laborais. E, ainda, para os circuitos de migração, obviamente sem possibilidade de conquistar um "Novo Mundo", pois as fronteiras são espessas, e um novo "lar" só se consegue em situações de ilegalidade ou semilegalidade. Esta situação deixa os sindicatos perante um dilema: "O que acontece, se as de taxas de crescimento estão estagnadas e a Idade do Ouro dos elevados aumentos salariais ficou, irremediavelmente, para trás? O que acontece, se o aumento da produtividade é corresponsável por um desemprego maciço que se enquista estruturalmente, debilitando o poder negocial dos sindicatos, de tal modo que maior produtividade nem sequer conduz a salários mais elevados? É isto o que evidenciam os acordos colectivos desde 1997, nos quais apenas se registaram uns escassos aumentos salariais. Enquanto que, paralelamente, subia o desemprego, porque o aumento da produção não conseguiu, em nenhum momento, compensar o aumento da produtividade. Assim, há que colocar as seguintes interrogações: existem ainda margens de manobra para um aumento do crescimento que seja efectivo do ponto de vista do emprego? Que implicações têm os "limites de crescimento" na política dos sindicatos? Note-se que mesmo com taxas crescentes de crescimento, não se podem criar tantos empregos como os que se perdem: o "novo crescimento", afinal de contas, vem em parte do aumento de produtividade, a qual poupa trabalho. Só se houver melhorias na capacidade competitiva de "enquadramento" na concorrência global, se criarão, com as novas fatias de mercado conseguidas, novos postos de trabalho (evidentemente, à custa de postos de trabalho doutros "enquadramentos"). Se fizermos contas – para além das fronteiras nacionais num mundo globalizado – perdem-se mais postos de trabalho velhos do que se ganham novos. Por isso, desde há décadas que cresce o número de desempregados e de trabalhadores a tempo parcial, e se expandem por toda a parte, em todas a regiões do globo, os sectores de economia informal. Acresce ainda que o crescimento não pode ser re-orientado à medida dos nossos desejos, como muitos pretendem. Basta pensar nos limites ecológicos, que se tornaram bem evidentes em todo o mundo com o turbilhão de furacões durante o Verão e Outono de 2005. O PEAK OIL São, também, cada vez mais visíveis os iniludíveis limites dos recursos energéticos. O crescimento económico dos últimos 200 anos (desde a Revolução Industrial) assentou decisivamente no acesso fácil e barato às disponibilidades de fontes fósseis de energia, cujas existências, porém, são finitas e estão em vias de escassear. O ponto culminante da provisão de petróleo foi ultrapassado – o famoso "Peak Oil" – ou sê-lo-á dentro de pouco tempo (o mais tardar, na próxima década). Foram já consumidos 940 mil milhões de barris de petróleo e suspeita-se que só restam ainda na crosta terrestre entre 768 a 1.148 mil milhões de barris, ou seja a outra metade. Em consequência, o petróleo só estará disponível a preços mais altos, pois a procura dos países industrializados, assim como dos que estão agora num processo acelerado de industrialização, continua a crescer, enquanto a oferta diminui. Deste modo, a segunda metade das reservas planetárias de petróleo poderá ser consumida mais rapidamente do que a primeira; talvez em quatro ou cinco décadas. Vale a pena remontar aos primórdios da era dos combustíveis fósseis. Quando arrancou a Revolução Industrial, o crescimento da economia acelerou-se em muito pouco tempo. A taxa de crescimento do PIB aumentou entre 1820 e 2000 a uma média de 2,2% ao ano, enquanto nos dois milénios anteriores não dever ter chegado sequer a uma média de 0,2%. Esse salto qualitativo para uma economia capitalista de crescimento deixou também as suas marcas na semântica: o homem medieval mal tinha entendido o conceito de crescimento, e menos ainda a ideia de um elevado crescimento sustentado e duradouro. Em quase dois séculos alteraram-se as percepções e os discursos. A teoria económica desenvolveu teorias de crescimento de tipo keynesiano, neoclássico e institucionalista, cujo denominador comum era: através do crescimento económico podem resolver-se directamente todos os problemas de uma economia. "O crescimento é bom para os pobres", escrevia o Banco Mundial tendo em vista o objectivo do milénio, o qual consistia em reduzir a metade a pobreza do mundo até ao ano de 2010, passando por cima do facto de que o crescimento só é possível quando afluem os investimentos. Mas o que acontece quando os custos financeiros dos investimentos – designadamente os juros – são mais elevados do que as taxas reais de crescimento, como se verifica em toda a parte desde o começo dos anos oitenta? Não há, então, nenhuma redução da pobreza, mas sim aumento da dívida. Basta isto para nos apercebermos de que o crescimento não é uma categoria exclusivamente económica, mas que comporta também dimensões sociais e políticas. "O crescimento é bom para o emprego", repete-se uma e outra vez. Pode ser que sim, mas não tem necessariamente de ser. Os investimentos para chegarem a concretizar-se dependem da comparação dos ganhos que se possam obter nos mercados financeiros internacionais, da real "capacidade de rendimento marginal do capital"; quer dizer, das taxas de retorno do capital investido. Assim são as coisas, juros altos e ganhos altos funcionam com grande frequência em detrimento dos investimentos reais. E mesmo nos casos em que os investimentos se realizem, dada a pressão competitiva planetária sobre os mercados internacionais de mercadorias, redundam em geral em processos posteriores de racionalização, com a consequente perda de postos de trabalho. Não obstante tudo isto, proclama-se que o aumento do crescimento é o objectivo politico-económico universal. No seu acordo de coligação de Novembro de 2005 (na Alemanha) a CDU/CSU (democratas-cristãos/sociais-cristãos) e o SPD (sociais-democratas) assentaram na necessidade de "um novo crescimento", o qual, porém, foi definido em termos quantitativos como "um crescimento claramente maior". Maior crescimento deveria implicar maiores oportunidades de emprego, as quais, pela sua parte, trariam consigo maiores contribuições para a segurança social, a revitalização da procura e o saneamento dos orçamentos públicos. A questão fundamental permanece, no entanto, intacta: É ainda possível fixar-se, responsavelmente, o crescimento como objectivo da política económica num país industrializado e altamente desenvolvido? Perante as agressões suportadas pelo meio ambiente, podemos permitir-nos um crescimento que acarretará a expansão de um consumo de energia e matérias-primas? Porque não se toma em consideração o impacto que os mercados financeiros internacionais têm em juros e ganhos, e através deles, no crescimento da economia real? Naturalmente, os sindicatos também não estão imunes à mania do crescimento. Mesmo não existindo nenhuma relação directa entre investimentos, crescimento e emprego, é indiscutível que as possibilidades de aumento de emprego são maiores numa economia em crescimento do que numa economia estagnada ou em recessão. Daqui decorre que os sindicatos nunca ponham em causa o crescimento. Duvidam, contudo, que seja possível estimular o crescimento com os métodos neoclássicos-neoliberais de controlo político da oferta. E as experiências das últimas décadas dão-lhes razão. As comparações entre países mostram, com efeito, que as taxas de crescimento em caso algum são maiores onde reinam estritas políticas de oferta de desregulamentação e privatização, ou de flexibilização do mercado do trabalho. Uma política de estímulo da procura através de aumentos salariais e despesas sociais poderia sem dúvida reorientar a subida curva de crescimento do PIB. Porém, só se houver espaços de manobra para o crescimento: só em tal situação seria adequada uma estratégia de aumento do poder aquisitivo da população. E quando é que isso acontece? O desemprego maciço em todos os países industrializados, criou a disponibilidade de um potencial de trabalho praticamente ilimitado, ainda que possa haver estrangulamentos em determinadas qualificações profissionais. Mas os acréscimos de capital são cada vez mais caros. Em primeiro lugar, o coeficiente de capital aumenta em geral com o progresso técnico. Em segundo lugar, os custos dos investimentos reais aumentam com o nível real das taxas de juro nos mercados de capitais e com as elevadas exigências de retorno por parte dos investidores de capitais que operam à escala internacional. Espaços de manobra só existem se os bancos centrais dos grandes países concordarem em baixar a nível internacional as taxas de juro, mas isso fracassou até agora às mãos da enérgica pressão de interesses lobisticamente organizados. Em terceiro lugar, aumenta a despesa em matérias-primas, e exponencialmente no caso do petróleo e do gás. Até ao presente, "fiéis da balança ("swing producers") como a Arábia Saudita podiam travar o aumento dos preços do petróleo e do gás quando estes escasseavam. Essa possibilidade está actualmente limitada, tanto por causas geológicas como por motivos políticos (instabilidades nos países da OPEP), o que poderia condenar ao fracasso uma política económica orientada em função do estímulo à procura. Tal política só oferece uma perspectiva alternativa à política de estímulo à oferta, desde que haja verdadeiras reservas de crescimento. Extintas estas, não se pode esperar muito nem da política de estímulo à oferta, nem de estímulo à procura: a esperança de uma recuperação de taxas de crescimento elevadas revela-se uma ilusão. Neste contexto, os sindicatos teriam de actuar de acordo com uma dupla estratégia. Pode-se apostar numa estratégia de crescimento pela via do estímulo à procura, desde existam os mencionados espaços de manobra, e sempre que seja possível ampliar estes últimos mediante uma activa política económica e social, à escala nacional e, cada vez mais, europeia e global. Paralelamente, há que reflectir sobre política viável para uma nova época na qual o crescimento será recordado como uma mania patológica da era, definitivamente ultrapassada, dos combustíveis fósseis. Já John Stuart Mill, um clássico da economia do século XIX, imaginou uma economia estacionária de auto-suficiência contemplativa sem acumulação de crescimento. O progresso económico – ou seja, no conceito de desenvolvimento e não de crescimento – poderia estar plena e cumulativamente ao serviço da redução do tempo de trabalho. A estratégia sindical de redução do tempo de trabalho ganha, assim, actualmente, com os limites do crescimento e da era dos combustíveis fósseis, uma tónica completamente nova, que vai para além da habitual fundamentação na necessidade de mais tempo de ócio para auto-realização (" os sábados são para mim, papá .."). Se as fontes fósseis de energia tendem a esgotar-se e a energia nuclear carece de sentido como alternativa, que energias estão então disponíveis? As fontes de energias renováveis podem e devem substituir as fósseis: biomassa, vento, células fotovoltaicas, marés, energia hidráulica e outras tecnologias capazes de transformar a energia solar. De qualquer modo, é duvidoso que as fontes de energia renováveis permitam um regime de utilização espacial e temporal idêntico ao das energias fósseis; que a reticulação global não tenha que ser substituída por ciclos regionais; que os ritmos não tenham, de ser determinados pelos próprios processos de produção. Dado que até agora a aceleração de todos os processos acarretou como consequência o aumento da produtividade laboral (podia produzir-se mais no mesmo lapso de tempo), uma "desaceleração" poderia inibir o aumento da produtividade laboral e conduzir, de novo, a aumentos de emprego. Isto significa, que, actualmente, em paralelo ao estímulo do crescimento e ao aproveitamento de espaço políticos de manobra propiciados por uma economia em crescimento, do que se trata é de desenvolver uma "estratégia para além do crescimento" que se concentre na fontes de energia renováveis. A questão é que nos encontramos no ponto de viragem entre a era do crescimento "ainda-fóssil" e a era "pos-fóssil" das energias renováveis, para a qual nos devemos preparar seriamente. No que aos sindicatos diz respeito, essa preparação terá de passar pelo aproveitamento da janela de oportunidade (ainda) aberta e apostar numa política de emprego e rendimentos própria da era "post-fóssil".
Elmar Altvater
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