segunda-feira, setembro 18, 2006

O jornalismo que se faz em Portugal está doente e o prognóstico é reservado.

Jornalista e directora da revista de Domingo do Diário de Notícias, publicou um editorial ontem, intitulado “O nosso ensino está doente e o prognóstico é reservado.”
A maior parte do artigo é para dizer aquilo que já se sabe e se diz à muito.
Exemplo:
“Dizem-no os estudos internacionais, que apontam os alunos por­tugueses como francamente mal preparados, e dão-lhes razão os indicadores nacionais, com taxas de abandono escolar e de insu­cesso muito altas, médias nacionais vergonhosas às disciplinas básicas, e uma percentagem da população com o ensino secun­dário completo muito abaixo do que é exigível a um país da U.E.”
Até aqui tudo bem, ou seja tudo mal, mas não paira novidade no ar…
A seguir:
“Enquanto isto, em lugar de «andarmos para a frente», pa­recemos tristemente entretidos em polémicas parciais, que co­locam as partes - ministério, professores, pais e alunos - em confronto permanente. Quem vê o «espectáculo» de fora reage com um encolher de ombros e a justificação fácil de que «em casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão».”
Será mesmo assim?
Agora reparem no excerto que se segue e o que sub-repticiamente está implícito:
“Mas as causas do problema estão longe de se resumir a dinheiro (se­gundo dados revelados pelo DN, o orçamento para a educação quase duplicou de 1995 até hoje, mas mais de noventa por cen­to é gasto em salários!). Basta olhar para as tabelas comparati­vas entre os países da OCDE para concluir que há países pe­quenos como o nosso (ou mais) com orçamentos semelhantes (ou menores), que sofriam, como Portugal, de uma tradição centrali­zadora forte e de um nível de escolaridade baixo, e que, no en­tanto, nas últimas duas décadas, conseguiram fazer dos seus sistemas de ensino casos de sucesso reconhecido mundialmente. A Finlândia é um deles: cinco milhões de habitantes, profes­sores com salários iguais aos nossos e uma grande dificuldade de acesso à profissão, escolas a fechar por insuficiência de alunos, e que, contudo, são os campeões do mundo em literacia e ocupam os primeiros lugares em Matemática e Ciências, segundo os da­dos do PISA (estudo que avalia as competências dos alunos de 15 anos, no final do terceiro ciclo, nos países da OCDE).”
Repararam? O que ressalta daqui?
Se o orçamento da educação em Portugal duplicou em dez anos e a Finlândia cujos professores ganham o mesmo que os portugueses e que tem o mesmo orçamento que o ministério da Lurdes Rodrigues e mais de noventa por cento desse mesmo orçamento é para salários, isto significa o quê? Que os professores ganham muito bem e se as coisas funcionam mal a culpa é deles que não se empenham, e quem paga a factura final são os alunos e respectivas famílias etc, etc. Não estou a dizer que a jornalista diz isto, mas sim que é isto que sobressai deste discurso truncado.
E no entanto a Terra move-se…
Dizer que mais de noventa por cento do orçamento da educação é para salários não é dizer a mesma coisa que é todo absorvido pelos vencimentos dos professores. A classe política do ministério da educação da Finlândia não deverá ter tantos adjuntos e tantos assessores e tantas secretárias, ou seja um staff (uma palavra sofisticada…) tão alargado como o ministério da 5 de Outubro.
Mais: Partindo do pressuposto que as premissas da jornalista estão correctas (não é isso que é o mais importante neste momento) dizer que o orçamento do ministério da educação da Finlândia é o mesmo que o ministério de Lurdes Rodrigues é falacioso.
Exemplo: Vamos imaginar uma família constituída somente pelo casal e que aufere salários num total de 1000 euros e uma outra família constituída pelo casal e por dois filhos e que aufere salários também num total de 1000 euros. Em termos absolutos as duas famílias ganham exactamente o mesmo, mas alguém que me está a ler tem dúvidas em considerar que a família constituída por quatro pessoas tem bem mais dificuldades que a outra?
Ora é o que acontece com a questão mal analisada pela jornalista do Diário de Notícias sobre a educação. A população da Finlândia é de cinco milhões. A de Portugal é de dez milhões. Logo é perfeitamente crível pensar que em Portugal há sensivelmente o dobro dos alunos e o dobro dos professores que na Finlândia. É verdade que Portugal é um país de natalidade baixa mas a Finlândia não lhe fica atrás. É nos países nórdicos que a taxa de natalidade é a mais baixa da Europa o que quer dizer que provavelmente o que disse atrás sobre a diferença entre o número de alunos e professores em Portugal e na Finlândia peca por defeito. Dito isto temos o seguinte que a jornalista directora não viu e não quis ver. A Finlândia pode até ter o mesmo orçamento para a educação que Portugal mas isso significa que em valores relativos tem o dobro do orçamento porque tem metade dos alunos e dos professores…Já estamos a ver que as circunstâncias são bem diferentes lá e cá…
E quanto à história dos professores finlandeses ganharem o mesmo que os professores portugueses alguém no seu juízo completo acreditará nisso?
Quem é que a jornalista quer convencer?
Só há uma parte do texto que é pertinente e com o qual concordo e que vai no sentido contrário do que é popularizado pelo ministério da 5 de Outubro. Ei-lo:
“O segre­do? Decidimos procurar a resposta junto do próprio ministro da Educação e da Ciência finlandês (…). E de que ressaltam algumas surpresas, que desfazem mitos que parecem até hoje (este ano o básico foi prolongado até às cinco horas!) presidir às decisões dos ministros da Educação portugueses desde tempos imemoriais: como o de que mais escola é sinónimo de melhores alunos. A avaliar pelo caso finlandês, não podíamos estar mais longe da verdade: os adolescentes daquele país, que sabem ler, raciocinar e fazer con­tas melhor do que os nossos, só entram para o ensino obrigató­rio aos sete anos, e até aos doze não estiveram, nunca, mais do que quatro horas por dia na escola! Mesmo depois dessa idade, não fizeram dela o centro do seu mundo, mantendo cargas ho­rárias muito abaixo das nossas.”

Mas Isabel Stilwell é pouco, é mesmo muito pouco…

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