quarta-feira, setembro 06, 2006

O México fracturado

Uma fraude massiva. E indiscutível. José Manuel Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia admitiu­‑o. Os vinte cinco ministros dos negócios estrangeiros da União Europeia exprimiram a sua «grave preocupação». «É importante que nós transmitamos da forma mais clara possível a inquietação da União Europeia e a de todos os Estados membros sobre o resultado das eleições presidenciais», declarou o ministro holandês dos Negócios Estrangeiros.
Os Repórteres Sem Fronteiras lembram que «esta eleição acontece depois de quatro anos de degradação contínua e sem precedentes da comunicação social no país».
Em Washington, personalidades como Colin Powell, Henry Kissinger e Zbigniew Brzezinski afirmaram que os Estados Unidos não podiam reconhecer os resultados oficiais. O National Democratic Institute (NDI), presidido por Madeleine Albright, antiga secretária de Estado; a Freedom House, dirigida por James Woolsey, antigo patrão da CIA; o American Entreprise Institute, dinamizado pelo ex-presidente Gerald Ford; ou ainda o Open Society Institute, conduzido por George Soros, denunciaram «manipulações massivas» e pedem «sanções económicas». O senador Richard Lugar, presidente da comissão de negócios estrangeiros do Senado e enviado especial do presidente George W. Bush, não hesitou em falar abertamente, ele também, de «fraudes»: «É claro que houve um programa vasto e consertado de fraudes no dia das eleições, quer sob a direcção das autoridades, quer com a sua cumplicidade».
Esfrega os olhos? Pergunta como é que estas declarações a propósito das recentes eleições presidenciais no México lhe puderam escapar? Tem razão para estar perplexo. Nenhuma destas personalidades ou instituições citadas aqui denunciou o que acaba de se passar no México. Todos os comentários relatados – autênticos – dizem respeito à eleição presidencial de 23 de Novembro de 2004... na Ucrânia [1].
A “comunidade internacional” e as habituais “organizações de defesa da liberdade”, que vimos tão activas na Sérvia, na Georgia, na Ucrânia e ainda recentemente na Bielorrússia, ficaram, por assim dizer, mudas perante o “golpe de Estado eleitoral” que se cometeu sob os nossos olhos no México [2]. Imaginamos o clamor planetário se, ao contrário, esta mesma eleição tivesse acontecido, por exemplo, na Venezuela e se o vencedor – por uma diferença de apenas 0,56% dos votos – tivesse sido... o presidente Hugo Chávez.

O escrutínio mexicano de 2 de Julho opunha dois candidatos principais: Felipe Calderón, do Partido da Acção Nacional (PAN, direita católica, no poder), declarado vencedor (provisório) do escrutínio pelo Instituto Federal Eleitoral (IFE), e Andrés Manuel López Obrador, do Partido da Revolução Democrática (PRD, esquerda moderada).
Bem antes do início da campanha, era claro para o presidente Vicente Fox (PAN) e as autoridades no poder que López Obrador, com o seu programa de combate à pobreza, era o candidato a abater. Por todos os meios. Desde 2004, uma manobra, com base em fitas de vídeo clandestinas complacentemente difundidas pelas cadeias Televisa e TV Azteca, próximas do poder, tentava desacreditar López Obrador. Em vão.
No ano seguinte, sobre o pretexto forjado do não cumprimento das normas legais para a construção de uma via de acesso para um hospital, ele foi condenado, preso e destituído do direito de apresentar-se às eleições. Massivas manifestações de apoio acabaram por constranger as autoridades a restabelecer os seus direitos.
Depois, a empresa de demolição prosseguiu. E atingiu um grau delirante no decurso da campanha eleitoral [3]. Tanto mais que um vento de pânico sopra sobre as oligarquias latino-americanas (e sobre a administração dos Estados Unidos) desde que a esquerda triunfa (quase) em todo o lado: na Venezuela, no Brasil, no Uruguai, na Argentina, no Chile, na Bolívia... E que as novas alianças já não excluem Cuba [4].
Num tal contexto, a vitória de López Obrador (o tribunal eleitoral resolverá no próximo 6 de Setembro) teria consequências geopolíticas demasiado importantes. Que não nem o patronato nem os grandes meios de comunicação mexicanos querem. Nem Washington. A nenhum preço. Nem que seja preciso sacrificar a democracia. Mas López Obrador e o povo mexicano não disseram a sua última palavra.

[1] A ideia de comparar as reacções às eleições ucranianas e do México é de James K. Galbraith, em Doing maths in Mexico, The Guardian, Londres, 17 de Julho de 2006.
[2] Sobre a realidade e a amplitude das fraudes, ler, por exemplo, o relatório de 17 de Julho de 2006 do Centro de Direitos Humanos Fray Bartolomé de Las Casas.
[3] Sobre a violência dos ataques, ler John Ross, All against López Obrador, Counterpunch, 6 de Abril de 2006.
[4] Bernard Cassen, Uma nova América Latina em Viena, Le Monde diplomatique, Junho de 2006.
Ignacio Ramonet
http://infoalternativa.org/autores/ramonet/ramonet095.htm

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