sexta-feira, setembro 08, 2006

Tecnologia, computadores e desemprego

Todas as tecnologias desenvolvidas pelos seres humanos têm aspectos positivos e negativos, e nenhuma delas deixa de ter impactos sociais. No entanto, parece ser uma crença geral o fato de que o uso de computadores só traz benefícios e é socialmente neutro. Seria de fato assim?
Sempre me pareceu extremamente curioso que as sociedades em geral, tanto as de nações desenvolvidas como as subdesenvolvidas, tenham aceitado a implantação de redes de computadores e robôs sem qualquer discussão sobre o impacto que teriam sobre seu mercado de trabalho e seu desenvolvimento econômico em geral.
Isso contrasta vivamente com outros casos. Por exemplo, a introdução de usinas nucleares transformou praticamente todas as sociedades democráticas em verdadeiros campos de batalha. De um lado havia os defensores do uso do “poder do átomo” para o bem da humanidade. De outros, os que rejeitavam (e rejeitam até hoje) qualquer possibilidade de que a energia nuclear possa ser usada para fins pacíficos.
As reservas dos ativistas “antinucleares” se baseiam em dois pontos básicos: A) Os riscos de acidentes são muito grandes e superam os benefícios; e B) Não se pode garantir de fato o uso exclusivamente pacífico dessa tecnologia, uma vez que prolifere sem qualquer controle.
O mesmo pode ser dito em relação aos organismos geneticamente modificados. Novamente seus defensores demonstram que existem enormes vantagens em se manipular geneticamente plantas e animais. Os que são contra, argumentam que as conseqüências para o homem e para o meio ambiente ainda não são totalmente conhecidas, e temem que interesses econômicos de curto prazo se sobreponham às necessidades de segurança ambiental.
Até hoje, apenas dois acidentes com usinas nucleares podem ser considerados sérios e apenas um deles (Chernobyl) pode ser avaliado como de conseqüências de fato catastróficas. Desde a segunda guerra mundial, jamais uma arma nuclear foi usada contra seres humanos.
Que se saiba, até o momento, não existe qualquer notícia de que produtos “transgênicos” tenham causado qualquer dano a qualquer pessoa. Em relação aos impactos ambientais e as preocupações com a biodiversidade, só existem discussões acadêmicas e polêmicas acaloradas, onde as paixões irracionais, e raramente fatos, são os elementos dominantes.
Poderíamos citar um número enorme de outras discussões desse tipo. Mas vamos apenas fazer uma comparação com outra tecnologia, de utilização bastante segura e sem qualquer “impacto ambiental”. Trata-se das pílulas anticoncepcionais.
Uma análise imediata nos mostra que sua utilização é muito efetiva (funciona em mais de 95% dos casos), traz riscos de efeitos colaterais bastante moderados para as mulheres e não afeta em nada seus parceiros sexuais ou qualquer outro membro de sua família. Sua única função é evitar a gravidez indesejada, fonte de incontáveis problemas, onde o menor deles é a super população. Deveria ser celebrada como uma benção dos céus. Mas não foi assim que foi recebida.
Os computadores por seu lado, também são uma tecnologia muito eficiente e segura. Além das incontáveis vantagens de seu uso como “extensão” da capacidade humana de pensar e armazenar conhecimentos, não provoca poluição, consome muito pouca energia e não pode ser usada diretamente como arma.

Logo, os computadores foram imediatamente aceitos, sem restrições sérias, em todas as culturas. Mas as pílulas anticoncepcionais causaram enorme polêmica. Por que a diferença? A resposta é simples: Os anticoncepcionais afetam o equilíbrio da balança do poder para o lado mais fraco, enquanto os computadores têm um efeito oposto.
Os anticoncepcionais permitiram as mulheres, tradicionalmente exploradas e submissas, um poder completamente novo: Elas podem controlar seus corpos em no aspecto fundamental de suas vidas que é a maternidade. Pobres ou ricas, podem passar a planejar quando e quantos filhos terão. As conseqüências disso não passaram despercebidas para ninguém. Igrejas, governos, partidos políticos e movimentos ideológicos de todo tipo, logo se posicionaram e tentaram, no mínimo, influenciar seu uso generalizado.
Um assunto que deveria ficar restrito aos ginecologistas e suas pacientes, logo virou debate mundial. Todos perceberam que a nova tecnologia segura de contracepção iria provocar profundas modificações nas sociedades. Da estrutura das famílias, passando pelo mercado de trabalho, até as relações de poder entre homens e mulheres, tudo seria afetado.
E o que as novas tecnologias de informação tem em comum com isso? Tudo. Tal como a pílula para as mulheres, o computador “libertou” as empresas, tanto industriais quanto do setor de serviços, de sua dependência em relação às classes trabalhadoras detentoras de conhecimento.
Qualquer estudante de administração sabe que a moderna empresa capitalista (e as velhas comunistas também) são o resultado das idéias de Frederick Winslow Taylor e Henry Ford. A chave de tudo foi à subdivisão das atividades “de ofício”, controladas pelos próprios empregados, em conjuntos de tarefas simples, capazes de ser executadas por qualquer operário.
A vantagem é que o conhecimento de cada ofício era incorporado ao patrimônio da empresa. Ficava a cargo de um pequeno grupo de técnicos e engenheiros -todos da mais absoluta confiança do patrão- definir como e quando cada tarefa deveria ser realizada. Mas o problema é que a complexidade das empresas, com o tempo, cresceu de forma incontrolável.
Se o empresário agora podia dispor de operários cada vez mais “alienados” e totalmente substituíveis, ficava dependente de uma enorme estrutura de comando e controle. A nova classe dos “colarinhos brancos” passou a ser tão indispensável quanto o foram os “mestres de ofício” em outros tempos.
Mas o advento dos computadores conectados a máquinas de controle numérico e/ou robôs, virou o jogo de novo a favor dos empresários. Os computadores conectados em redes, fizeram o mesmo no setor de serviços. Todo o conhecimento pode voltar a um minúsculo grupo de elite –cuja lealdade é paga a peso de ouro- e as estruturas de comando e controle tornaram-se supérfluas.
O efeito disso sobre o mercado de trabalho não está se fazendo esperar. A mão-de-obra de melhor nível de escolaridade está sendo duramente atingida pelos processos de reengenharia, terceirização e “enxugamento” geral das hierarquias administrativas. A exportação de empregos ("off-shoring", ou "outsorcing") deixa aos países mais industrializados o dilema entre o alto desemprego (França, Alemanha e Itália) e o trabalho precário (EUA, Grã-bretanha).
De modo geral, a classe trabalhadora se vê enfraquecida. Os sindicatos se limitam em atuar na “redução de danos”. Partidos políticos de “esquerda” aderem sem rodeios ao neoliberalismo. Em suma, o poder desloca-se rapidamente dos trabalhadores para os patrões.

Mas, ao contrário dos anticoncepcionais, o assunto é tratado com deliberado desdém. Graves economistas e outros “especialistas” em mercado de trabalho opinam de forma contraditória descarada. Assim, para uns o desemprego é culpa das leis trabalhistas “arcaicas” (sem explicar o que as tornou arcaicas). Para outros, se deve ao “baixo nível de escolaridade” (esquecendo de mencionar a enorme massa de jovens universitários desempregados).
Em todo o caso, ninguém pensa por um minuto em “regulamentar” o uso generalizado de tecnologia de informação, devido às perdas de empregos. É um impressionante contraste com a verdadeira obsessão com regulamentos, cada vez mais rígidos, para novos medicamentos, pesquisa genética, empreendimentos com impacto sobre a fauna e a flora, etc.

http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/

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