Esta foi uma má semana para os negacionistas do Holocausto. Falo daqueles que deliberadamente mentem sobre o genocídio, em 1915, de 1,5 milhões de arménios cristãos pelos turcos otomanos. Na quinta‑feira, a câmara baixa do parlamento francês aprovou uma lei que torna crime negar que os arménios sofreram genocídio. E, uma hora mais tarde, o mais célebre escritor turco, Orhan Pamuk – só recentemente ilibado por um tribunal turco por insultar a «turquiedade» (sic) ao declarar a um jornal suíço que ninguém na Turquia se atrevia a mencionar os massacres arménios – ganhou o Prémio Nobel da Literatura. Nas fossas comuns sob os desertos da Síria e no subsolo do sul da Turquia, algumas almas podem ter ficado reconfortadas.
Enquanto a Turquia continua a paparrear sobre a sua inocência – a matança sistemática de centenas de milhares de homens arménios e das suas mulheres violadas em grupo é suposta ser o triste resultado de uma “guerra civil” –, historiadores arménios como Vahakn Dadrian continuam a desenterrar novas provas do Holocausto premeditado (e, sim, merece ser escrito com maiúscula, pois foi o precursor directo do Holocausto judeu, alguns de cujos arquitectos nazis estavam na Turquia em 1915) com toda a energia de um coveiro.
As vítimas arménias foram assassinadas com punhais, espadas, martelos e machados, para poupar munição. Afogamentos em massa foram levados a cabo no Mar Negro e no rio Eufrates – a maioria mulheres e crianças, tantos que o Eufrates ficou obstruído com cadáveres e mudou o seu curso por quase um quilómetro. Mas Dadrian, que fala e lê turco fluentemente, acaba de descobrir que dezenas de milhares de arménios também foram queimados vivos em celeiros.
Ele revelou um depoimento jurado ao tribunal marcial turco que por um curto período perseguiu os assassinos em massa turcos após a Primeira Guerra Mundial, um documento escrito pelo general Mehmet Vehip Pasha, comandante do Terceiro Exército Turco. Ele declarou que, quando visitou a aldeia arménia de Chourig (significa “pequena água” em arménio), encontrou todas as casas cheias de esqueletos humanos queimados, tão apertadamente empacados que todos estavam de pé. «Em toda a história do Islão», escreveu o general Vehip, «não é possível encontrar algum paralelo para tal selvajaria».
O Holocausto arménio, agora tão “imencionável” na Turquia, não era segredo para a população do país em 1918. Milhões de turcos muçulmanos tinham testemunhado as deportações massivas de arménios três anos antes – alguns, com infinita coragem, protegeram vizinhos e amigos arménios arriscando as vidas das suas próprias famílias muçulmanas – e, em 19 de Outubro de 1918, Ahmed Riza, presidente eleito do senado turco e antigo simpatizante dos líderes Jovens Turcos que cometeram o genocídio, afirmou no seu discurso inaugural: «Enfrentemo-lo, nós turcos, assassinámos os arménios de forma selvagem [vahshiane, em turco]».
Dadrian detalhou como duas séries de ordens paralelas foram emitidas, ao estilo nazi, pelo ministro do Interior turco Talat Pasha. Uma série ordenava de forma solícita a provisão de pão, azeitonas e protecção para os deportados arménios, mas uma série paralela instruía os oficiais turcos a «prosseguir a missão» logo que os comboios de deportados estivessem suficientemente afastados de centros populacionais para que houvesse poucas testemunhas do assassinato. Como declarou o senador turco Reshid Akif Pasha no dia 19 de Novembro de 1918: «A “missão” na circular era: atacar os comboios e massacrar a população! Estou envergonhado como muçulmano; estou envergonhado como estadista otomano. Que mancha na reputação do Império Otomano, estas pessoas criminosas!».
Quão extraordinário que dignatários turcos pudessem expressar tais verdades em 1918, pudessem admitir inteiramente no seu próprio parlamento o genocídio dos arménios e pudessem ler editoriais nos jornais turcos acerca dos grandes crimes cometidos contra este povo cristão. No entanto, quão mais extraordinário que os seus sucessores sustentem hoje que tudo isto é um mito, que qualquer um que diga na Istambul actual o que os homens de 1918 admitiram possa ver‑se a enfrentar um julgamento ao abrigo da famosa lei 301 por “difamação” da Turquia.
Não estou seguro que os negacionistas do Holocausto – da variedade anti‑arménia ou anti‑semita – devam ser levados a tribunal pelas suas perorações. David Irving é um “mártir” particularmente desagradável da liberdade de expressão e não estou de todo certo que a multa de um franco imposta a Bernard Lewis por um tribunal francês, por negar o genocídio arménio num artigo do Le Monde em Novembro de 1993, tenha feito algo mais do que dar publicidade a um historiador de idade avançada cujo trabalho se deteriorou com os anos.
Mas é muito gratificante saber que tanto o presidente francês, Jacques Chirac, como o seu ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, anunciaram que a Turquia terá que reconhecer os mortos arménios como genocídio antes de lhe ser permitido ingressar na União Europeia. É certo que a França tem uma poderosa comunidade arménia de meio milhão de pessoas.
Tipicamente, tal coragem não foi demonstrada por Lord Blair de Kut al-Amara, nem pela própria UE, que comentou, de modo covarde e infantil, que a nova lei francesa, se aprovada pelo senado em Paris, irá «impedir o diálogo» que é necessário para a reconciliação entre a Turquia e a Arménia actual. Pergunto-me qual é a mensagem subliminar disto. Não falemos mais do Holocausto judeu não vamos nós impedir a “reconciliação” entre a Alemanha e os judeus da Europa?
Repentinamente, na semana passada, essas fossas comuns arménias abriram-se perante os meus próprios olhos. No próximo mês, os meus editores turcos publicarão o meu livro, A grande guerra pela civilização, em língua turca, completo, com o seu longo capítulo sobre o genocídio arménio, intitulado “O primeiro Holocausto”. Na quinta‑feira, recebi um fax da [editora] Agora Books de Istambul. Os seus advogados, dizia, pensavam ser «muito provável que sejamos processados ao abrigo da lei 301» – que proíbe a difamação da Turquia e que advogados de direita tentaram usar contra Pamuk – mas que, como estrangeiro, estaria «fora de alcance». No entanto, se eu quisesse, poderia apresentar‑me ao tribunal para ser incluído em algum julgamento turco.
Pessoalmente, duvido que os negacionistas do Holocausto da Turquia se atrevam a tocar‑nos. Mas, se o tentarem, será uma honra estar no banco dos acusados com os meus editores turcos, para denunciar um genocídio que até Mustafa Kamel Ataturk, o fundador do Estado turco moderno, condenou.
Robert Fisk
http://infoalternativa.org/autores/fisk/fisk095.htm
Enquanto a Turquia continua a paparrear sobre a sua inocência – a matança sistemática de centenas de milhares de homens arménios e das suas mulheres violadas em grupo é suposta ser o triste resultado de uma “guerra civil” –, historiadores arménios como Vahakn Dadrian continuam a desenterrar novas provas do Holocausto premeditado (e, sim, merece ser escrito com maiúscula, pois foi o precursor directo do Holocausto judeu, alguns de cujos arquitectos nazis estavam na Turquia em 1915) com toda a energia de um coveiro.
As vítimas arménias foram assassinadas com punhais, espadas, martelos e machados, para poupar munição. Afogamentos em massa foram levados a cabo no Mar Negro e no rio Eufrates – a maioria mulheres e crianças, tantos que o Eufrates ficou obstruído com cadáveres e mudou o seu curso por quase um quilómetro. Mas Dadrian, que fala e lê turco fluentemente, acaba de descobrir que dezenas de milhares de arménios também foram queimados vivos em celeiros.
Ele revelou um depoimento jurado ao tribunal marcial turco que por um curto período perseguiu os assassinos em massa turcos após a Primeira Guerra Mundial, um documento escrito pelo general Mehmet Vehip Pasha, comandante do Terceiro Exército Turco. Ele declarou que, quando visitou a aldeia arménia de Chourig (significa “pequena água” em arménio), encontrou todas as casas cheias de esqueletos humanos queimados, tão apertadamente empacados que todos estavam de pé. «Em toda a história do Islão», escreveu o general Vehip, «não é possível encontrar algum paralelo para tal selvajaria».
O Holocausto arménio, agora tão “imencionável” na Turquia, não era segredo para a população do país em 1918. Milhões de turcos muçulmanos tinham testemunhado as deportações massivas de arménios três anos antes – alguns, com infinita coragem, protegeram vizinhos e amigos arménios arriscando as vidas das suas próprias famílias muçulmanas – e, em 19 de Outubro de 1918, Ahmed Riza, presidente eleito do senado turco e antigo simpatizante dos líderes Jovens Turcos que cometeram o genocídio, afirmou no seu discurso inaugural: «Enfrentemo-lo, nós turcos, assassinámos os arménios de forma selvagem [vahshiane, em turco]».
Dadrian detalhou como duas séries de ordens paralelas foram emitidas, ao estilo nazi, pelo ministro do Interior turco Talat Pasha. Uma série ordenava de forma solícita a provisão de pão, azeitonas e protecção para os deportados arménios, mas uma série paralela instruía os oficiais turcos a «prosseguir a missão» logo que os comboios de deportados estivessem suficientemente afastados de centros populacionais para que houvesse poucas testemunhas do assassinato. Como declarou o senador turco Reshid Akif Pasha no dia 19 de Novembro de 1918: «A “missão” na circular era: atacar os comboios e massacrar a população! Estou envergonhado como muçulmano; estou envergonhado como estadista otomano. Que mancha na reputação do Império Otomano, estas pessoas criminosas!».
Quão extraordinário que dignatários turcos pudessem expressar tais verdades em 1918, pudessem admitir inteiramente no seu próprio parlamento o genocídio dos arménios e pudessem ler editoriais nos jornais turcos acerca dos grandes crimes cometidos contra este povo cristão. No entanto, quão mais extraordinário que os seus sucessores sustentem hoje que tudo isto é um mito, que qualquer um que diga na Istambul actual o que os homens de 1918 admitiram possa ver‑se a enfrentar um julgamento ao abrigo da famosa lei 301 por “difamação” da Turquia.
Não estou seguro que os negacionistas do Holocausto – da variedade anti‑arménia ou anti‑semita – devam ser levados a tribunal pelas suas perorações. David Irving é um “mártir” particularmente desagradável da liberdade de expressão e não estou de todo certo que a multa de um franco imposta a Bernard Lewis por um tribunal francês, por negar o genocídio arménio num artigo do Le Monde em Novembro de 1993, tenha feito algo mais do que dar publicidade a um historiador de idade avançada cujo trabalho se deteriorou com os anos.
Mas é muito gratificante saber que tanto o presidente francês, Jacques Chirac, como o seu ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, anunciaram que a Turquia terá que reconhecer os mortos arménios como genocídio antes de lhe ser permitido ingressar na União Europeia. É certo que a França tem uma poderosa comunidade arménia de meio milhão de pessoas.
Tipicamente, tal coragem não foi demonstrada por Lord Blair de Kut al-Amara, nem pela própria UE, que comentou, de modo covarde e infantil, que a nova lei francesa, se aprovada pelo senado em Paris, irá «impedir o diálogo» que é necessário para a reconciliação entre a Turquia e a Arménia actual. Pergunto-me qual é a mensagem subliminar disto. Não falemos mais do Holocausto judeu não vamos nós impedir a “reconciliação” entre a Alemanha e os judeus da Europa?
Repentinamente, na semana passada, essas fossas comuns arménias abriram-se perante os meus próprios olhos. No próximo mês, os meus editores turcos publicarão o meu livro, A grande guerra pela civilização, em língua turca, completo, com o seu longo capítulo sobre o genocídio arménio, intitulado “O primeiro Holocausto”. Na quinta‑feira, recebi um fax da [editora] Agora Books de Istambul. Os seus advogados, dizia, pensavam ser «muito provável que sejamos processados ao abrigo da lei 301» – que proíbe a difamação da Turquia e que advogados de direita tentaram usar contra Pamuk – mas que, como estrangeiro, estaria «fora de alcance». No entanto, se eu quisesse, poderia apresentar‑me ao tribunal para ser incluído em algum julgamento turco.
Pessoalmente, duvido que os negacionistas do Holocausto da Turquia se atrevam a tocar‑nos. Mas, se o tentarem, será uma honra estar no banco dos acusados com os meus editores turcos, para denunciar um genocídio que até Mustafa Kamel Ataturk, o fundador do Estado turco moderno, condenou.
Robert Fisk
http://infoalternativa.org/autores/fisk/fisk095.htm
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