Romance de Tariq Ali, terceiro do Quinteto Islâmico [1], conta a história de uma família que se confunde com a história do Império Otomano.
«Os mitos são sempre mais poderosos que a verdade nas histórias das famílias.» (Tariq Ali)
A primeira frase prende a atenção do leitor. O escritor paquistanês explora, com as linhas áureas da ficção, a decadência do Império Otomano e as histórias confessadas e recriadas de uma família tradicional.
O romance é narrado por Nilofer, uma mulher otomana, afastada da família por vários anos após a fuga e o casamento com um inspector de escola grego. O ideal do amor romântico do ocidente esvai-se no dia-a-dia de privações e, depois de nove anos e dois filhos, a mulher madura retorna à casa paterna e compreende a cultura em que está inserida no resgate da sua identidade.
A forte personagem esculpida na gruta do jardim da residência de verão, uma rocha indefinida e misteriosa, supostamente uma estátua feminina, é a Mulher de Pedra. Sob os seus pés, as mulheres da família, durante gerações, confidenciaram as suas dores e os seus amores, dando a versão sigilosa das histórias contadas no salão sob as maquiagens dos tempos distantes. Os relatos retiram as máscaras dos mitificados protagonistas sob o olhar atento das crianças escondidas atrás da rocha.
Ishander Pasha é um diplomata acostumado ao poder. Homem dividido entre a vida de embaixador na França e de patriarca de uma tradicional família otomana. Um homem com muitos mistérios e afastamentos. Ele sofre um derrame e a sua fragilidade reúne a família na casa de veraneio. Os antepassados são deificados e condenados nos segredos desvelados.
As personalidades das esposas e dos filhos vêm à tona. As histórias revelam‑se sucessivamente. A filha encontra na mãe a impulsividade de um amor de juventude, a aceitação de um conveniente casamento e a vida tranquila ao lado do patriarca. Nilofer descobre a sua verdadeira origem distante do que estava acostumada a crer, vive a separação do marido, a morte do pai dos seus filhos pelo grupo radical “Jovens turcos” e um novo casamento.
O irmão Salman, filho da primeira esposa de Ishander, falecida no parto, descobre o motivo que fundamentou o afastamento do seu pai e a sua necessidade de viver distante. Confessa a tragédia que arruinou a sua vida com a traição da mulher e a descoberta de que os dois filhos não eram seus. Halil, o irmão general, argumenta sobre as causas do declínio do poder nas reuniões familiares e desenha a situação política actual nos encontros do Comité.
O tio Memed Pasha e o seu companheiro prussiano, Barão Hakob von Hassberg, chegam ao palácio, trazendo champanhes e vestindo roupas estilizadas de alfaiates europeus, numa referência explícita aos valores ocidentais impregnados no homem otomano liberto das austeras tradições. Tiram os véus do homossexualismo em paralelo com as retronarrativas de perversões sexuais realizadas com os serviçais pelo antepassado Yusuf Pasha que construiu o palácio diante do mar de Mármara na ocasião do seu exílio.
A mulher muçulmana é desmistificada em cada confissão. Compreendemos a força dos sentimentos, a consagração do prazer, a racionalidade de algumas decisões e a edificação da vida em paralelo com a construção do amor oriental. A exploração da mulher e a violência sexual, amarguras e sofrimentos, confessados ao pé da estátua, são assemelhados aos constrangimentos e desilusões vividos por muitas mulheres ocidentais e escondidos nos véus da culpa e da vergonha das sociedades ditas liberais.
A Mulher de Pedra é o corpo simbólico da mulher que dá vida a gerações e imortaliza a história familiar nas percepções e vivências das crianças. Alimenta o conhecimento... A pedra de formas imprecisas conquista a confiança de todos e acalenta os desencantos com a certeza da sua forte presença. Os verdadeiros sentimentos fogem da racionalidade quotidiana e perpetuam‑se nas infinitas emoções sob os véus que escondem as formas misteriosas das muçulmanas.
A história da família confunde-se com a história do Império Otomano. Percebemos a decadência do patriarca e do Poder quando os homens se aproximam da Mulher de Pedra para confessarem as suas fraquezas. Eles também sofrem por amor, experimentam as relações familiares norteando a geografia dos seus sentimentos, sentem medo das consequências das mudanças políticas.
O romance encerra com a gravidez da narradora. O escritor encontrou a metáfora perfeita para figurar a continuação da família nos seios doloridos da gestante e o amanhecer de um novo século depois da crise geopolítica do ocaso do século XIX.
[1] Sobre o primeiro e o segundo romances da série Quinteto Islâmico, ler os artigos de Helena Sut: As sombras da romãzeira, Carta Maior, 15/09/2006; O livro de Saladino, Carta Maior, 18/09/2006.
Helena Sut
http://www.infoalternativa.org/cultura/livro017.htm
«Os mitos são sempre mais poderosos que a verdade nas histórias das famílias.» (Tariq Ali)
A primeira frase prende a atenção do leitor. O escritor paquistanês explora, com as linhas áureas da ficção, a decadência do Império Otomano e as histórias confessadas e recriadas de uma família tradicional.
O romance é narrado por Nilofer, uma mulher otomana, afastada da família por vários anos após a fuga e o casamento com um inspector de escola grego. O ideal do amor romântico do ocidente esvai-se no dia-a-dia de privações e, depois de nove anos e dois filhos, a mulher madura retorna à casa paterna e compreende a cultura em que está inserida no resgate da sua identidade.
A forte personagem esculpida na gruta do jardim da residência de verão, uma rocha indefinida e misteriosa, supostamente uma estátua feminina, é a Mulher de Pedra. Sob os seus pés, as mulheres da família, durante gerações, confidenciaram as suas dores e os seus amores, dando a versão sigilosa das histórias contadas no salão sob as maquiagens dos tempos distantes. Os relatos retiram as máscaras dos mitificados protagonistas sob o olhar atento das crianças escondidas atrás da rocha.
Ishander Pasha é um diplomata acostumado ao poder. Homem dividido entre a vida de embaixador na França e de patriarca de uma tradicional família otomana. Um homem com muitos mistérios e afastamentos. Ele sofre um derrame e a sua fragilidade reúne a família na casa de veraneio. Os antepassados são deificados e condenados nos segredos desvelados.
As personalidades das esposas e dos filhos vêm à tona. As histórias revelam‑se sucessivamente. A filha encontra na mãe a impulsividade de um amor de juventude, a aceitação de um conveniente casamento e a vida tranquila ao lado do patriarca. Nilofer descobre a sua verdadeira origem distante do que estava acostumada a crer, vive a separação do marido, a morte do pai dos seus filhos pelo grupo radical “Jovens turcos” e um novo casamento.
O irmão Salman, filho da primeira esposa de Ishander, falecida no parto, descobre o motivo que fundamentou o afastamento do seu pai e a sua necessidade de viver distante. Confessa a tragédia que arruinou a sua vida com a traição da mulher e a descoberta de que os dois filhos não eram seus. Halil, o irmão general, argumenta sobre as causas do declínio do poder nas reuniões familiares e desenha a situação política actual nos encontros do Comité.
O tio Memed Pasha e o seu companheiro prussiano, Barão Hakob von Hassberg, chegam ao palácio, trazendo champanhes e vestindo roupas estilizadas de alfaiates europeus, numa referência explícita aos valores ocidentais impregnados no homem otomano liberto das austeras tradições. Tiram os véus do homossexualismo em paralelo com as retronarrativas de perversões sexuais realizadas com os serviçais pelo antepassado Yusuf Pasha que construiu o palácio diante do mar de Mármara na ocasião do seu exílio.
A mulher muçulmana é desmistificada em cada confissão. Compreendemos a força dos sentimentos, a consagração do prazer, a racionalidade de algumas decisões e a edificação da vida em paralelo com a construção do amor oriental. A exploração da mulher e a violência sexual, amarguras e sofrimentos, confessados ao pé da estátua, são assemelhados aos constrangimentos e desilusões vividos por muitas mulheres ocidentais e escondidos nos véus da culpa e da vergonha das sociedades ditas liberais.
A Mulher de Pedra é o corpo simbólico da mulher que dá vida a gerações e imortaliza a história familiar nas percepções e vivências das crianças. Alimenta o conhecimento... A pedra de formas imprecisas conquista a confiança de todos e acalenta os desencantos com a certeza da sua forte presença. Os verdadeiros sentimentos fogem da racionalidade quotidiana e perpetuam‑se nas infinitas emoções sob os véus que escondem as formas misteriosas das muçulmanas.
A história da família confunde-se com a história do Império Otomano. Percebemos a decadência do patriarca e do Poder quando os homens se aproximam da Mulher de Pedra para confessarem as suas fraquezas. Eles também sofrem por amor, experimentam as relações familiares norteando a geografia dos seus sentimentos, sentem medo das consequências das mudanças políticas.
O romance encerra com a gravidez da narradora. O escritor encontrou a metáfora perfeita para figurar a continuação da família nos seios doloridos da gestante e o amanhecer de um novo século depois da crise geopolítica do ocaso do século XIX.
[1] Sobre o primeiro e o segundo romances da série Quinteto Islâmico, ler os artigos de Helena Sut: As sombras da romãzeira, Carta Maior, 15/09/2006; O livro de Saladino, Carta Maior, 18/09/2006.
Helena Sut
http://www.infoalternativa.org/cultura/livro017.htm
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