Sou ateu porque aceito o universo tal como é: um sistema fechado no qual todos os acontecimentos são explicáveis pela natureza dos elementos constituintes, das suas interacções e das condições iniciais do próprio universo. Desta definição retiram-se como corolários a inexistência tanto de cada um dos deuses das diversas mitologias humanas, como de «espíritos», unicórnios invisíveis ou cães azuis que vivam do outro lado da Lua. Na sequência refutarei os diversos «deuses», partindo do mais «fraco» (o «Deus» exclusivamente conceptual), até ao mais «forte» (o «Deus» interventor dos teístas). Sendo ateu por educação, só conheço os deuses de que os crentes me falam, e devo confessar que ao longo da minha vida já ouvi as versões mais díspares sobre o conteúdo da palavra «Deus».
Nas conversas com crentes, o «Deus» que mais frequentemente me mencionam como sendo irrefutável é um mero conceito (e quanto mais vago melhor). Concretamente, alguns crentes dizem-me que não posso refutar a existência de uma entidade que não faz parte do nosso universo, mas que no entanto existe no seu «exterior» e poderia intervir no nosso mundo se quisesse. É evidente que concordo. Não posso refutar a existência de tal entidade, como não posso refutar a existência de unicórnios cor-de-rosa invisíveis que não respiram por cima do meu ombro, não transpiram, nem são feitos de matéria. E também não posso refutar a existência de quinze milhões de passarinhos que andem a voar em bando em redor do universo, trinando o hino nacional e defecando para fora do dito universo. Mas, honestamente, não conheço uma única religião que cultue o «Deus» conceptual ou os quinze milhões de passarinhos. E se não podemos usar o cocó dos passarinhos como fertilizante, ou se o dito «Deus» não intervém, seria totalmente inútil cultuá-los (quer aos passarinhos, quer ao «Deus» mudo e quedo).
Seguidamente, existe quem acredite no «Deus» dos deístas, que teria criado o universo, tendo-se depois remetido a uma inacção digna do «Deus» conceptual. Assume-se geralmente que este «Deus» sabia o que fazia, e que portanto teria soprado a «grande bolha» com os parâmetros físicos intencionalmente regulados para permitir a aparição de vida na Terra (ah, a vaidade...), tendo depois ficado a fazer cera. A ideia tem o problema de que, para prever a evolução do nosso universo, «Deus» teria que dispor ou de uma máquina que lhe permitisse calcular essa evolução, ou de uma inteligência própria suficiente para tal. Em qualquer dos casos, teria que usar um suporte material para os seus cálculos mais extenso e mais complexo do que o próprio universo «criado», o que exige que ele próprio tivesse sido criado por um «super-Deus», o qual por sua vez teria sido criado por um super-«super-Deus», e assim sucessivamente. Qualquer um destes super-deuses, para que pudesse ter capacidades observacionais e computacionais presentes em qualquer ponto do universo instantaneamente, violaria a relatividade restrita e a relatividade generalizada todos os dias de manhãzinha até à noite.
O passo lógico seguinte é um «Deus» criador e que recebe as «almas» após a morte. A «alma» é uma ideia particularmente espatafúrdia: seria a consciência humana, separada do corpo e pressupostamente perpétua. A ideia resulta da resistência do ser humano a aceitar que a consciência de si próprio desaparecerá no momento da morte. Essa resistência, deve notar-se, é um sinal de presciência. Todavia, a consciência (o «eu») é a mera continuidade das funções cerebrais, que existe de uma forma mais ténue em muitas outras espécies animais. Pretender que a nossa consciência sobreviva depois da morte é um desejo compreensível, mas quimérico: a nossa consciência apaga-se com a morte das nossas células, por mais dificuldade que tenhamos em aceitá-lo.
Finalmente, o «Deus» mais popular na nossa cultura deveria ser o «Deus» cristão, que seria um «Deus» criador, recebedor de almas e interventor (o «Deus» do judaísmo e o do islão gozariam dos mesmos atributos). No entanto, a maior parte dos crentes confessam que não acreditam na existência de uma entidade não material que interviria no mundo material violando as leis da Física ou simplesmente forçando acontecimentos improváveis. A mais importante dessas intervenções das leis naturais, segundo os seguidores da seita cristã (uma presumível dissidência do judaísmo), teria sido a paternidade de um indivíduo que teria vivido na região israelo-palestiniana há cerca de dois mil anos, e que teria «ressuscitado» após a morte. A prova da sua «divindade» seria este último acontecimento, que é tão possível como uma lâmpada fundida voltar a funcionar. Apesar de raros cristãos me jurarem a sua fé na realidade desse evento primacial (a «ressurreição»), nenhum deles guarda lâmpadas fundidas na arrecadação. («Fé» incoerente e pouco consequente, é o que vos digo...) Os crentes neste «Deus» interventor têm outro problema sério: as «intervenções» ou aconteceram há muito tempo, ou aconteceram perante «testemunhas» que já tinham «fé» (ou seja, teimosia suficiente para afirmar acreditar no impossível ou no improvável). E alegações fantásticas de intervenções sobrenaturais nos assuntos humanos devem ser rejeitadas enquanto não houver testemunhos credíveis, do mesmo modo que fazemos com outros boatos inverosímeis.
O ateu tem a enorme vantagem de não acreditar em qualquer uma das quebras de lógica mencionadas mais acima (há muitas outras, por exemplo os extra-terrestres que raptam pessoas para as violar ou as «alminhas» aprisionadas no micro-ondas). Mas a maior vantagem é metodológica: questionar e desmontar as crenças religiosas é um treino analítico, que ajuda a consolidar a capacidade de adaptarmos as nossas ideias ao que se comprova através da experiência e do raciocínio.
Ricardo Alves
http://www.ateismo.net/diario/
Nas conversas com crentes, o «Deus» que mais frequentemente me mencionam como sendo irrefutável é um mero conceito (e quanto mais vago melhor). Concretamente, alguns crentes dizem-me que não posso refutar a existência de uma entidade que não faz parte do nosso universo, mas que no entanto existe no seu «exterior» e poderia intervir no nosso mundo se quisesse. É evidente que concordo. Não posso refutar a existência de tal entidade, como não posso refutar a existência de unicórnios cor-de-rosa invisíveis que não respiram por cima do meu ombro, não transpiram, nem são feitos de matéria. E também não posso refutar a existência de quinze milhões de passarinhos que andem a voar em bando em redor do universo, trinando o hino nacional e defecando para fora do dito universo. Mas, honestamente, não conheço uma única religião que cultue o «Deus» conceptual ou os quinze milhões de passarinhos. E se não podemos usar o cocó dos passarinhos como fertilizante, ou se o dito «Deus» não intervém, seria totalmente inútil cultuá-los (quer aos passarinhos, quer ao «Deus» mudo e quedo).
Seguidamente, existe quem acredite no «Deus» dos deístas, que teria criado o universo, tendo-se depois remetido a uma inacção digna do «Deus» conceptual. Assume-se geralmente que este «Deus» sabia o que fazia, e que portanto teria soprado a «grande bolha» com os parâmetros físicos intencionalmente regulados para permitir a aparição de vida na Terra (ah, a vaidade...), tendo depois ficado a fazer cera. A ideia tem o problema de que, para prever a evolução do nosso universo, «Deus» teria que dispor ou de uma máquina que lhe permitisse calcular essa evolução, ou de uma inteligência própria suficiente para tal. Em qualquer dos casos, teria que usar um suporte material para os seus cálculos mais extenso e mais complexo do que o próprio universo «criado», o que exige que ele próprio tivesse sido criado por um «super-Deus», o qual por sua vez teria sido criado por um super-«super-Deus», e assim sucessivamente. Qualquer um destes super-deuses, para que pudesse ter capacidades observacionais e computacionais presentes em qualquer ponto do universo instantaneamente, violaria a relatividade restrita e a relatividade generalizada todos os dias de manhãzinha até à noite.
O passo lógico seguinte é um «Deus» criador e que recebe as «almas» após a morte. A «alma» é uma ideia particularmente espatafúrdia: seria a consciência humana, separada do corpo e pressupostamente perpétua. A ideia resulta da resistência do ser humano a aceitar que a consciência de si próprio desaparecerá no momento da morte. Essa resistência, deve notar-se, é um sinal de presciência. Todavia, a consciência (o «eu») é a mera continuidade das funções cerebrais, que existe de uma forma mais ténue em muitas outras espécies animais. Pretender que a nossa consciência sobreviva depois da morte é um desejo compreensível, mas quimérico: a nossa consciência apaga-se com a morte das nossas células, por mais dificuldade que tenhamos em aceitá-lo.
Finalmente, o «Deus» mais popular na nossa cultura deveria ser o «Deus» cristão, que seria um «Deus» criador, recebedor de almas e interventor (o «Deus» do judaísmo e o do islão gozariam dos mesmos atributos). No entanto, a maior parte dos crentes confessam que não acreditam na existência de uma entidade não material que interviria no mundo material violando as leis da Física ou simplesmente forçando acontecimentos improváveis. A mais importante dessas intervenções das leis naturais, segundo os seguidores da seita cristã (uma presumível dissidência do judaísmo), teria sido a paternidade de um indivíduo que teria vivido na região israelo-palestiniana há cerca de dois mil anos, e que teria «ressuscitado» após a morte. A prova da sua «divindade» seria este último acontecimento, que é tão possível como uma lâmpada fundida voltar a funcionar. Apesar de raros cristãos me jurarem a sua fé na realidade desse evento primacial (a «ressurreição»), nenhum deles guarda lâmpadas fundidas na arrecadação. («Fé» incoerente e pouco consequente, é o que vos digo...) Os crentes neste «Deus» interventor têm outro problema sério: as «intervenções» ou aconteceram há muito tempo, ou aconteceram perante «testemunhas» que já tinham «fé» (ou seja, teimosia suficiente para afirmar acreditar no impossível ou no improvável). E alegações fantásticas de intervenções sobrenaturais nos assuntos humanos devem ser rejeitadas enquanto não houver testemunhos credíveis, do mesmo modo que fazemos com outros boatos inverosímeis.
O ateu tem a enorme vantagem de não acreditar em qualquer uma das quebras de lógica mencionadas mais acima (há muitas outras, por exemplo os extra-terrestres que raptam pessoas para as violar ou as «alminhas» aprisionadas no micro-ondas). Mas a maior vantagem é metodológica: questionar e desmontar as crenças religiosas é um treino analítico, que ajuda a consolidar a capacidade de adaptarmos as nossas ideias ao que se comprova através da experiência e do raciocínio.
Ricardo Alves
http://www.ateismo.net/diario/
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