segunda-feira, novembro 27, 2006

Escola a tempo inteiro, família a meio tempo

Sou do tempo em que se acreditava que a escola servia para ensinar e para aprender. E se ainda hoje me perguntarem o que faz a escola, é isso que direi.Os tempos mudam, as sociedades evoluem e os pais e mães dos alunos trabalham de manhã à noite para ganharem ordenados de miséria e contribuir para o enriquecimento de meia dúzia de patrões (empresários, desculpem).A escola é agora chamada a responder a questões que lhe são alheias e que a sociedade criou e não resolve. Primeiro ouvem-se empresários a clamar que a escola não está a formar mão-de-obra qualificada. Convinha lembrar os senhores, que a era da revolução industrial acabou e que a escola passou a ser um espaço de aprendizagem para a vida e para a formação do ser humano pensante, crítico e culto e não para criar mão-de-obra barata. Se precisam de operários qualificados façam cursos de formação e paguem-nos. Não o façam à custa dos meus impostos, nem da educação dos meus filhos.Depois vem a teoria da escola a tempo inteiro, para os pais poderem trabalhar. Ou seja, outra via para permitir o funcionamento do mercado de trabalho, mas que não compete à escola fazê-lo. Concordo com o princípio que a escola pode promover repostas extra-curriculares onde as famílias não necessitem de pagar para os filhos terem acesso a experiências, que de outra forma nunca teriam. Mas para isso é necessário salvaguardar o fundamento da escola e não o fazer à custa daquilo que a escola tem que realizar.Embuido de um espírito neo-liberal grotesco, o nosso Ministério da Educação apresenta como a sua grande reforma o prolongamento do horário escolar. E aqui, mais uma vez, quando os princípios são baixinhos, o resultado é mau.1- Estão neste momento a gastar-se centenas de milhares de euros em todo o país para pôr de pé um sistema de escola a tempo inteiro, envolvendo profissionais desqualificados, instalações improvisadas e autarcas que nunca cumpriram as suas obrigações de zelar pela escola do 1º Ciclo e que agora parece já terem rios de dinheiro para esta palhaçada. Mas para o essencial nunca há dinheiro.2- Através de uma engenharia linguística conseguiu-se que os docentes do 1º Ciclo ficassem com a sua turma mais duas horas por semana, para além das 25, numa actividade chamada “Apoio ao Estudo” que, não sendo considerada tempo lectivo, obriga os sacrificados professores a prolongarem o seu dia de trabalho e, muitas vezes cortarem os dias a meio indo duas vezes à escola, com resultados medíocres e que só promovem o cansaço e a desautorização dos docentes.3- Fazem-se horários lectivos cortados a meio onde os alunos vão para as actividades extra a meio do dia e depois voltam cansados e agitados, tendo o docente ficado à espera com o horário cortado e sem que lhe paguem essas horas. Isto tem enormes custos na actividade lectiva e na qualidade do ensino, mas parece que ninguém está interessado nisso. Muitas destas actividades são fora da escola em colectividades, envolvendo logísticas ridículas para o resultado final.4- Muitos alunos ficam das 8h30 até às 17h30 na escola e, por vezes até mais, em caso dos horários duplos, revelando cansaço, desconcentração e menos valorização do essencial da escola a sério, querendo antes a escola a brincar que lhes é oferecida.5- Os pais, que eventualmente querem ir buscar os filhos mais cedo, não podem, porque em muitos casos as horas lectivas terminam o dia e, portanto, o horário de permanência na escola passa a ser obrigatório sob pena de não terem todas as horas com o professor da turma.6- Obrigam-se os agrupamentos a um esforço organizativo brutal, descentrando e desgastando a gestão e os docentes daquilo que realmente mereceria o seu empenho e trabalho.Eu, que até sou pelo prolongamento de horários, nem quero acreditar que isso está neste momento a desgastar alunos, professores e verbas astronómicas, atolando as crianças de actividades a um ritmo alucinante e (pior) a ter consequências negativas na aprendizagem, na qualidade do ensino, na organização e método dos professores e na organização das famílias, que ainda poderiam ter os seus filhos consigo mais cedo.É assim tão difícil a este ME fazer as coisas sem as estragar? Era assim tão difícil implementar as coisas com bom senso, com tempo, de acordo com as dinâmicas e necessidades de cada agrupamento de escolas? Seria assim tão difícil não comprometer os horários e as actividades lectivas? Seria tão difícil respeitar os docentes e os eu trabalho?Não há ninguém que veja que estas palhaçadas não contribuem em nada para a qualidade do ensino nem para a melhoria da formação dos jovens?Tudo tem um limite e esta coisa da escola a tempo inteiro vai ter custos que mais tarde virão a ser contabilizados e eu vou detestar ter que dizer outra vez...- Eu avisei.

http://escolaescola.blogspot.com/

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