quinta-feira, novembro 02, 2006

O Código do Código Da Vinci

É impossível falar do fenómeno “Código Da Vinci” sem referir a aura de secretismo que o rodeia. O secretismo não diz respeito apenas à natureza de thriller com revelações e um desfecho que se querem surpreendentes mas à existência de segredos adicionais para os quais o romance de Dan Brown apontará o caminho sem ir muito além disso, de modo a permitir ao leitor chegar lá através do seu próprio poder dedutivo. Segredos que podem mudar o mundo como o conhecemos. Segredos que podem revolucionar o Cristianismo. Segredos que prometem virar do avesso o ordenamento social do Ocidente.
Tretas.
Mas Dan Brown até se baseou em factos verídicos, não foi? As sociedades secretas referidas existem realmente e o livro está cheio de revelações bombásticas sobre monumentos arquitectónicos e obras de arte e isso não pode ser desmentido, pois não?
Mais tretas.
Há realmente segredos escondidos no “Código Da Vinci.” Mas nem são assim tão secretos como isso. O primeiro “segredo” é que Dan Brown é um escritor medíocre e, tivesse mais cabelo, silhueta anoréxica e um passaporte português, daria uma perfeita Margarida Rebelo Pinto. Tem um mérito que a nossa Margarida não tem. Lá vai conseguindo manter o leitor preso e interessado até à desilusão final. Segundo segredo: os “factos” em que o romance se baseia resultam de uma investigação pseudo-histórica desmentida de forma unânime por todos os investigadores que não têm a palavra “logro” inscrita na testa com grandes letras vermelhas. As referências a organizações mais ou menos secretas, mais ou menos históricas podem dividir-se em dois tipos diferentes. Por um lado, fala-se de organizações que existem ou existiram realmente mas atribuem-se-lhes naturezas fantasiosas. Por outro, o tão falado “Priorado de Sião” foi fundado por um grupo de foliões franceses na década de 50 e, por vários motivos que nem vale a pena referir, é mais provável que Leonardo Da Vinci tenha sido presidente do Benfica do que um dos seus grão-mestres. A única verdade neste capítulo é que a Opus Dei é uma associação de beatos esquisitos. Apetece desejar-lhes que carreguem com afinco nas mortificações. Força nessa chibata, Mota Amaral. Terceiro segredo: a saloieira mística New Age do sagrado feminino que acaba por fazer tanto sentido como o sagrado masculino ou o sagrado outra coisa qualquer. Por cada adorador de uma deusa anafada e mamalhuda ao longo da história, houve três adoradores de diabretes com erecções monstruosas e milhentos devotos de calhaus, troncos, lagartixas ou bostas petrificadas.
O próprio filme também guarda segredos muito próprios. Ron Howard, celebrizou-se com a série “Happy Days” e tinha muita graça com o cabelo ruivo e a cara de palhaço. Como realizador, o melhor que se pode dizer a seu respeito é que continua a ter muita graça com o cabelo ruivo que lhe resta e a cara de palhaço que não se alterou. Até começou bem com a ingenuidade aprazível de filmes como “Cocoon” ou “Splash” mas, com o sucesso e a consagração, envaideceu e é agora um dos mais perfeitos exemplos do realizador tarefeiro de Hollywood que cumpre o seu papel de dar aos estúdios e ao público o que querem e sem tentar levar a coisa um milímetro mais além. Com o seu “Código Da Vinci” (produzido por Dan Brown), Howard consegue que actores perfeitamente capazes consigam parecer um bando de cepos e sem terem grande culpa porque, obrigados a basear-se em material daquela qualidade, nem com um milagre poderiam ter feito melhor.
Mas o filme não se limita a ser a adaptação do livro. Faz também duas coisas espantosas. Por um lado, serve de veículo para justificar a imbecilidade do autor quando diz, em prólogo ao romance, que tudo aquilo é baseado em factos, numa altura em que já se sabia que não era assim. E fá-lo, expondo os elementos que contradizem a veracidade da coisa e apondo-lhes esse magnífico argumento que é: “É falso? Pois é isso mesmo o que ELES querem que se pense!” Convincente, sem dúvida. Além disso, numa colossal demonstração de cobardia da produção (Dan Brown incluído), há um esforço óbvio e doloroso para dar o dito por não dito e tentar acalmar reacções mais veementes da parte dos ofendidos do costume. As verdades bombásticas expostas no livro passam a ser apenas opiniões desta ou daquela personagem, deixando-se bem claro que acreditar ou não é uma escolha pessoal e que o mais importante, afinal de contas, é que Jesus Cristo é/foi/será um tipo bestial.
E o maior segredo de todos acerca do Código Da Vinci é bastante simples. Sem ser preciso comprar livros com títulos como “Os Segredos do Código Da Vinci”, “O Segredo dos Segredos do Código Da Vinci” e por aí fora. É que o livro não é grande espingarda. O filme também não.
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