quarta-feira, novembro 01, 2006

Uma carta no PÚBLICO

Devo começar por dizer que tenho por hábito filosofar um bocadinho diariamente. Aí uns dez minutitos, talvez, e a existência alivia-se-me um pouco. As digestões fazem-se melhor, consigo mesmo... mais fácil e suavemente. É uma questão de qualidade de vida.Dei comigo assim, desde há bastante tempo já, a informar-me sobre o modo como os meus semelhantes se entregaram a tão salutar actividade e, por consequência, como essa entrega tem sido realizada e realçada em Portugal. Cheguei à conclusão de que tivemos alguns filósofos de (pelo menos) médio plano até ao aos finais do século XVI, de cuja importância Descartes nos dá conta, mas que no século e meio seguinte nos apagámos, nesse plano, quase completamente, em paralelo com o que sucedeu ao nível político.Consequência ou não dessa regressão cultural, no que respeita à actividade mais directamente reflexiva, o certo é que o Marquês de Pombal, convenientemente deslumbrado com a versão do pensamento iluminista francês mais à la page da época e determinado a colocar a educação ao serviço da grandiosidade do Estado (quer dizer: de um novo monarca absoluto no quadro europeu - D. José I - e, portanto, do respectivo primeiro-ministro absoluto - ele próprio, Sebastão José) estabeleceu uma reforma do ensino que baniu o anterior ensino de filosofia ministrado pelos Jesuítas. Filosofia, segundo o novo programa, consistia, por exemplo, em saber porque é que a água sobe no tubo de rega. Só isso é que era assunto.Cerca de cem anos depois, o jovem D. Pedro V, de ascendência alemã, educado segundo preceitos centro-europeus, desgostado pelo povo de que se tornara rei, mandou reabrir os estudos de filosofia na Universidade de Lisboa. Prematuramente falecido, não chegou por isso a exercer grande influência na sociedade portuguesa e, à excepção de Antero de Quental, nada de significativo surgiu dessa abertura. Pelo contrário, acentuou-se a linha estabelecida pela reforma pombalina, agora na sua versão positivista, com as teorias do fundador da sociologia, Augusto Comte em alta na bolsa do provincianismo nacional. Teófilo Braga transformou o positivismo na posição filosófica oficial do movimento republicano em ascensão, o que contribuiu para a sua afirmação não só durante a I República, como durante todo o período do Estado Novo. Mau-grado a resistência de alguns (Leonardo Coimbra, António Sérgio, José Marinho, Delfim Santos e Agostinho da Silva terão sido, talvez, os que mais se destacaram) só o 25 de Abril permitiu a afirmação gradual de um outro clima intelectual nas universidades.A massa e os estratos socio-culturais de um Portugal analfabeto de onde tem emergido a quase totalidade seus dos dirigentes (governantes, empresários, etc.) encontram-se, deste modo, na base da estreiteza de vistas das respectivas considerações sobre o mundo e do que melhor lhes serve e aos seus concidadãos. O governo de José Sócrates é disso um exemplo: atento somente ao mais imediato e primário e tentando fazer disso (ou disso dar a aparência) um projecto para o futuro. Sócrates é um herdeiro do que de pior o Marquês trouxe ao país, é chefe de um governo de mestres-de-obras, com a perspectiva do mundo de um mestre-de-obras e o respectivo discernimento. Não admira: a maior indústria do país tem sido, desde há muito, a construção civil.Vem isto a propósito de uma carta enviada por uma leitura ao jornal PÚBLICO, inserida na edição de ontem, domingo. Limito-me, de seguida, a transcrevê-la, tal como a publicaram e a enviar-lhe daqui os meus parabéns pela oportunidade e clareza do que escreveu.
Mas... porque estudam eles Filosofia no MIT?
Foi noticiada a assinatura a 11 de Outubro de um acordo entre Portugal (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) e o MIT (Massachussets Institut of Technology). O acordo abrange cinco áreas científicas e envolve sete instituições nacionais. As áreas vão da engenharia e fabricação avançadas, bioengenharia à gestão. Em notícia do PÚBLICO, pude ler que em 25 de Fevereiro tinha sido assinado um acordo com o Governo, que “visa a internacionalização do conecimento português e pô-lo ao serviço do crescimento económico do país”.Alegro-me com a notícia e espero que os bons resultados esperados se concretizem. Mas fico com uma pequena dúvida: porque será que no MIT, além da investigação e ensino em Ciência e Engenharia, também se estuda Filosofia? quando vejo as diferentes notícias sobre o assunto, fico com a impressão de que a razão do sucesso do MIT é o facto de a investigação que se faz por lá ser dirigida à aplicação na indústria e nas novas tecnologias. Mas a Filosofia não só não é uma tecnologia, como não tem qualquer aplicação na indústria.(...) Continuo intrigada, portanto. Fui ver a página do Departamento de Filosofia e Linguística do MIT. Pensei que talvez contratassem apenas filósofos da Ciência, ou da Matemática, linguistas computacionais, ou, quem sabe, algum lógico ou outro. Mas não. Estava enganada. O Departamento de Filosofia é o tipo de departamento onde não me importaria de ter estudado, com a certeza de que ficaria bem formada em todas as áreas centrais da Filosofia, e em mais algumas, menos centrais.(...) Mas o facto de que o MIT conte, entre os seus professores, com pessoas a investigar em áreas como estas, não bate certo com a imagem que temos, em Portugal, do MIT. Pensamos nós por cá: mas para que servem estas coisas? Não servem para fabricar carros, ou sapatos, nem para vender refrigerantes, nem para investir na bolsa, nem para tratar das gripes. Nós não conseguimos ver utilidade nenhuma na Filosofia. Porque estudam eles Filosofia no MIT? Não se entende.(...) Eu já não esperava que este acordo (...) permitisse a colaboração entre algum departamento de Filosofia de uma das nossas universidades e o Departamento de Filosofia do MIT. Mas não esperava que em Portugal se tomassem tantas medidas concretas contra a Filosofia: o Ministério da Educação suspendeu (eliminou?) as Orientações para o Ensino de Filosofia, que impunham um padrão mínimo de exigência e qualidade ao ensino da Filosofia no Secundário, e eliminou também os exames nacionais de Filosofia, que serviam o mesmo propósito. Só falta extinguir oficialmente a Filosofia do ensino. Há quem diga que é essa, justamente, a ideia.
Teresa Marques
http://www.directoaoassunto.blogspot.com/

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