E eis que, mesmo quando não parece, tudo, afinal, se continua a mover.
As boas notícias começaram na Holanda, onde o partido que havia polarizado a opinião pública contra o Tratado Constitucional, saltou de 9 para 26 deputados, com votações acima de 17 por cento em todas as principais cidades. O mais provável é que se venha a constituir novo governo de grande coligação ao centro. Mas o Partido Socialista, que por lá honra o qualificativo, transformou-se na terceira força política. Tudo indica não se tratar de um epifenómeno, como ocorrera, poucos anos antes, com a lista Fortuiyn, populista de direita e que agora desapareceu do mapa político. A ascensão do Partido Socialista é espectacular, mas traduz enraizamento social e uma deslocação da opinião pública para posições muito críticas da ofensiva liberal contra os direitos sociais.
A segunda notícia é ainda mais notável. Contra todas expectativas, Rafael Correa vence as presidenciais no Equador com quase 70 por cento dos votos. Do outro lado, estava Alvaro Noboa, o principal “bananeiro” do país. Foi uma vitória dos pobres contra os muito ricos. Eis uma história latino-americana. A candidatura de Rafael Correa identificou as aspirações da nação com as da pobreza a uma vida pelo menos um pouco mais digna.
Ocorreu no Equador mais um episódio da extraordinária vaga de fundo que percorre a América Latina. Sem recuar muito no tempo e sem se avançar para lá do próximo fim-de-semana, onde, na Venezuela, Hugo Chavez deverá ser reeleito, a mudança é de monta. É verdade que candidatos de esquerda perderam, por uma unha negra, no Peru e no México. É mais que provável, aliás, que no México, Obrador tivesse ganho, descontadas fraudes de contagem. Mas mesmo nestes dois casos, a esquerda afirma-se como a grande alternativa aos governos de submissão ao Norte do continente. É ainda verdade que as vitórias de Daniel Ortega na Nicarágua e de Lula da Silva no Brasil estão longe de conter a promessa dos primeiros combates políticos destes líderes. Mas só a cegueira não descortinará nestes resultados a expressão, mesmo que imperfeita ou até ilusória, da mesma vaga de fundo – a de povos que se levantam na sua procura de dignidade e mudança.
A verdade é que o mapa político do continente americano está a mudar. Nas traseiras do Império, criam-se, por vontade popular, as condições para uma comunidade latino-americana de nações, que enfrente a globalização com integração regional e autonomia política face a Washington. Rafael Correa é muito claro: quer renegociar a dívida externa e os contratos do petróleo. Opõe ao Tratado de livre comércio uma estratégia regional; e quer que a única base norte-americana da região seja desafectada em 2009, quando expira o contrato em vigor.
G. W. Bush encontra-se, entretanto, em Riga, para nova cimeira da NATO. José Sócrates também lá está. A serem verdadeiras as notícias, a “cacha” é um novo avião, o C-17, que, qual Hércules do passado, se apresenta com descomunais capacidades de carga, alta autonomia de voo e capacidade de aterragem em pistas de curta extensão. Uma maravilha da técnica, portanto... O drama da NATO é que não resolve os seus problemas transportando sempre mais e mais homens. Com pérolas destas, apenas garante aos fabricantes a sua carteira de encomendas. O drama da NATO é político. Enquanto polícia do mundo, começa a perceber que o seu cobertor é curto para o planeta. Ataca sem sucesso no Médio Oriente e apanha com o levantamento nacional e popular na América latina. Ora aqui está uma equação geoestratégica de monta, para a qual os novos C-17 não aportam qualquer contributo. Bem pelo contrário...
Miguel Portas
Esquerda
http://www.infoalternativa.org/mundo/mundo196.htm
As boas notícias começaram na Holanda, onde o partido que havia polarizado a opinião pública contra o Tratado Constitucional, saltou de 9 para 26 deputados, com votações acima de 17 por cento em todas as principais cidades. O mais provável é que se venha a constituir novo governo de grande coligação ao centro. Mas o Partido Socialista, que por lá honra o qualificativo, transformou-se na terceira força política. Tudo indica não se tratar de um epifenómeno, como ocorrera, poucos anos antes, com a lista Fortuiyn, populista de direita e que agora desapareceu do mapa político. A ascensão do Partido Socialista é espectacular, mas traduz enraizamento social e uma deslocação da opinião pública para posições muito críticas da ofensiva liberal contra os direitos sociais.
A segunda notícia é ainda mais notável. Contra todas expectativas, Rafael Correa vence as presidenciais no Equador com quase 70 por cento dos votos. Do outro lado, estava Alvaro Noboa, o principal “bananeiro” do país. Foi uma vitória dos pobres contra os muito ricos. Eis uma história latino-americana. A candidatura de Rafael Correa identificou as aspirações da nação com as da pobreza a uma vida pelo menos um pouco mais digna.
Ocorreu no Equador mais um episódio da extraordinária vaga de fundo que percorre a América Latina. Sem recuar muito no tempo e sem se avançar para lá do próximo fim-de-semana, onde, na Venezuela, Hugo Chavez deverá ser reeleito, a mudança é de monta. É verdade que candidatos de esquerda perderam, por uma unha negra, no Peru e no México. É mais que provável, aliás, que no México, Obrador tivesse ganho, descontadas fraudes de contagem. Mas mesmo nestes dois casos, a esquerda afirma-se como a grande alternativa aos governos de submissão ao Norte do continente. É ainda verdade que as vitórias de Daniel Ortega na Nicarágua e de Lula da Silva no Brasil estão longe de conter a promessa dos primeiros combates políticos destes líderes. Mas só a cegueira não descortinará nestes resultados a expressão, mesmo que imperfeita ou até ilusória, da mesma vaga de fundo – a de povos que se levantam na sua procura de dignidade e mudança.
A verdade é que o mapa político do continente americano está a mudar. Nas traseiras do Império, criam-se, por vontade popular, as condições para uma comunidade latino-americana de nações, que enfrente a globalização com integração regional e autonomia política face a Washington. Rafael Correa é muito claro: quer renegociar a dívida externa e os contratos do petróleo. Opõe ao Tratado de livre comércio uma estratégia regional; e quer que a única base norte-americana da região seja desafectada em 2009, quando expira o contrato em vigor.
G. W. Bush encontra-se, entretanto, em Riga, para nova cimeira da NATO. José Sócrates também lá está. A serem verdadeiras as notícias, a “cacha” é um novo avião, o C-17, que, qual Hércules do passado, se apresenta com descomunais capacidades de carga, alta autonomia de voo e capacidade de aterragem em pistas de curta extensão. Uma maravilha da técnica, portanto... O drama da NATO é que não resolve os seus problemas transportando sempre mais e mais homens. Com pérolas destas, apenas garante aos fabricantes a sua carteira de encomendas. O drama da NATO é político. Enquanto polícia do mundo, começa a perceber que o seu cobertor é curto para o planeta. Ataca sem sucesso no Médio Oriente e apanha com o levantamento nacional e popular na América latina. Ora aqui está uma equação geoestratégica de monta, para a qual os novos C-17 não aportam qualquer contributo. Bem pelo contrário...
Miguel Portas
Esquerda
http://www.infoalternativa.org/mundo/mundo196.htm
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